São Paulo – Maria Laura da Rocha encontrava-se em Moscou na reaproximação do Brasil redemocratizado com a então União Soviética. Também estava no governo Fernando Henrique Cardoso ajudando a criar um ministério nos anos de solidificação da democracia no Brasil. E acompanhou Luiz Inácio Lula da Silva em suas viagens como um dos líderes mais requisitados mundo afora para interlocução.
Maria Laura é a primeira mulher a ser secretária-geral das Relações Exteriores do Brasil – cargo assumido em janeiro deste ano, no início do governo Lula – e traz um tanto da história do País e da ascensão feminina em sua carreira. Foi a primeira mulher a ocupar o posto de delegada permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), de representante do Brasil junto à Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e de embaixadora do Brasil na Hungria e na Romênia.
Mas nada disso parece alterar o jeito despojado da nova chefe da Secretaria-Geral do Itamaraty, que relata essa trajetória como um roteiro de vida que se desenrolou naturalmente e do ponto de vista de quem se detém no que é bom. Dificuldades na carreira? “Nenhuma”, diz ela. “Para mim, os desafios sempre foram feitos para serem superados, todos eles”, afirma, trazendo logo a referência de um problema de saúde enfrentado com superação pela filha mais velha.
No Itamaraty desde outubro de 1978, Maria Laura ocupou cargos relevantes em diferentes governos do Brasil e no exterior, e percebe que o mundo viveu muitos avanços nesse período. “Ao longo da minha carreira foram momentos muito positivos em relação aos caminhos da humanidade, ao desenvolvimento sustentável”, afirma.
Mas ela vê algum retrocesso na situação internacional atual e mudanças na diplomacia e na política. “Hoje em dia há dificuldade de você trazer a política para a qualidade que ela sempre teve, de buscar, encontrar caminhos que sejam palpáveis, negociáveis. Tudo hoje em dia virou uma coisa mais agressiva com uma facilidade maior. Você não discute por ideias ou por projetos, você discute por posições, como se fosse jogo de futebol, com dois lados, mas a política é multifacetada, não tem dois lados”, diz.
Nesse cenário, a embaixadora Maria Laura enxerga o Brasil no papel do diálogo. “O fato de você ser amigo não quer dizer que você tem que pensar igual. Você pode pensar diferente, você pode respeitar as diferenças e você pode ser diferente. Isso é a diplomacia, a gente procura o ponto de contato, o ponto de diálogo e não ficar amplificando as diferenças que não interessam”, diz.
A diversidade do Itamaraty, com pessoas que representam a população de todas as regiões, categorias e gêneros, deve ser levada para a ação internacional do País, segundo a diplomata. “A gente é assim e é assim que o mundo vê o Brasil: um país miscigenado, um país onde todo mundo cabe, onde todo mundo é bem representado, e por isso a gente conversa com todo mundo. A gente não tem briga. Nossos parceiros internacionais são todos, a gente consegue falar com todo mundo”.
Maria Laura da diversidade
Maria Laura na Secretaria-Geral é o reflexo do espaço dado para essa diversidade na diplomacia atual. Nascida no bairro de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro, a diplomata veio de escola pública e de uma família de funcionários públicos. Ainda na adolescência, aos 14 anos, ela decidiu que queria ser diplomata e direcionou os esforços para passar no concurso do Instituto Rio Branco, que forma os diplomatas brasileiros.
O que a motivou foi um interesse grande pelo mundo e por diferentes culturas. “Eu sempre li muito. Meu pai é professor de Filosofia, tinha uma biblioteca que eu aprendi a usar com muito carinho”, conta. A diplomata conseguiu a vaga na diplomacia brasileira aos 21 anos, na segunda tentativa de ingresso, e lá continuou seus estudos superiores.
Os anos no Instituto Rio Branco e os primeiros na carreira foram também de ditadura militar no Brasil. O primeiro cargo no exterior da então jovem diplomata foi na Embaixada do Brasil em Roma, como segunda secretária, onde viu vários embaixadores passarem, e o segundo como segunda e depois primeira secretária na Embaixada do Brasil em Moscou.
“Em Moscou foi absolutamente impressionante porque foi todo período de reaproximação do Brasil pós-redemocratizado com a União Soviética. Não tínhamos rompido relações, mas havia um esfriamento, então nesse período nós praticamente tivemos visitas de todos os ministros e do (então) presidente (José) Sarney. Foi um período muito intenso de trabalho, de reaproximação”, relata.
Maria Laura foi chamada para compor equipes de diferentes presidências do Brasil. Foi diretora-geral adjunta de Administração da Presidência da República no governo de Fernando Collor de Mello. No governo de Fernando Henrique Cardoso, foi chefe do Gabinete do Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, além de chefe de gabinete de ministros. Foi nesse período que Maria Laura ajudou na formulação do Ministério da Defesa, quando ele foi criado a partir de quatro ministérios militares existentes.
No segundo mandato de Lula, Maria Laura trabalhou com o então chanceler Celso Amorim, como chefe do seu Gabinete. Ela descreve o período como um momento épico do Brasil no topo do mundo. “Todo mundo queria o presidente, eu nunca tinha visto tantas autoridades do mundo desenvolvido, do mundo em desenvolvimento, todo mundo queria chegar a um líder brasileiro, isso é uma coisa impressionante”, relata.
Como ministra-conselheira da Embaixada do Brasil em Paris, ela também viu o Brasil ser celebrado pelos franceses no Ano do Brasil na França, em 2005. “Não houve um município francês que não tivesse festejado o Brasil”, afirma. Cerca de 250 eventos estavam no calendário oficial, com apoio da curadoria e recursos para realização, mas a diplomata conta que muitos ocorreram de forma espontânea.
No exterior, desde que passou a embaixadora, Maria Laura chegou sempre como primeira mulher nos postos que assumiu, mas em universos bem acostumados com a liderança feminina, como na Unesco, FAO, Hungria e Romênia. Ao contar da carreira, a diplomata mostra carinho especial pela passagem na Unesco e destaca o trabalho na FAO em um período em que o Brasil saiu do mapa da fome. “O objetivo da organização é trazer para a humanidade o sentido da paz, como chegar à paz”, diz, sobre a Unesco.
Maria Laura da família
Em alguns momentos da carreira, Maria Laura solicitou trabalhar em determinados lugares por questões familiares, para cuidar, com o marido, da filha que nasceu com paralisia cerebral. Casada com o italiano Sandro Melaranci, empresário do ramo da gastronomia que conheceu em Roma, ela tem duas filhas, Elisa, de 34 anos, atleta paralímpica, e Marina, de 32, cantora lírica. A secretária-geral do Itamaraty tira aprendizado da história da filha e dos colegas de Paralimpíadas da jovem.
“A minha filha nasceu com paralisia cerebral e virou uma atleta paralímpica. Participou de duas paralimpíadas representando o Brasil, montando um cavalo de meia tonelada e fazendo exercícios com um lado do corpo que não funciona naturalmente. Aprendi com ela. Aprendi com os meus pais e aprendi com as minhas filhas”, afirma.
Maria Laura da Secretaria-Geral
Com a vitória do presidente Lula, Maria Laura esperava uma recomposição no Itamaraty, mas não atribui o convite para ser secretária-geral apenas ao fato de ser mulher, apesar de cogitar que isso tenha tido algum peso. “No fundo, para você se sentar aqui nessa cadeira não é só ser mulher ou homem. Você tem que conhecer essa casa, ter experiência e, de preferência, se dar bem com todo mundo porque senão é difícil você coordenar. A gente não comanda, a gente coordena um trabalho”, afirma.
O cargo de secretária-geral vem logo abaixo do posto de chanceler na ordem hierárquica do Itamaraty. A pasta tem atualmente como ministro Mauro Vieira, com o qual Maria Laura teve contatos de trabalho em vários momentos da carreira. A Secretaria-Geral tem sob seu guarda-chuva o trabalho de outras várias secretarias, desde as regionais, como Secretaria de África e Oriente Médio ou de América Latina e Caribe, até as temáticas, como a Secretaria de Assuntos Multilaterais Políticos e a Secretaria de Assuntos Econômicos e Financeiros, entre outras.
Maria Laura dos árabes
Nas andanças pelo exterior, Maria Laura conheceu quase todos os países árabes, especialmente ao acompanhar as viagens de Lula para a região. “Sempre tivemos uma boa relação e continuaremos a ter”, fala a diplomata sobre o relacionamento Brasil-países árabes. A embaixadora destaca a cultura árabe presente no Brasil e a forte troca comercial com a região. “Nós temos no Brasil uma cultura árabe fortíssima, dos diferentes grupos que vieram para cá e que são parte da nossa cultura”, afirma.