São Paulo – O jardim do Museu Imperial, na cidade fluminense de Petrópolis, era o local por onde a brasileira Ivna Chedier Maluly (foto acima) circulava quando criança. A área externa do antigo palácio de verão do imperador brasileiro Dom Pedro II serviu de local para brincadeiras e até para a realização de lições escolares da neta de libaneses, que usou a lembrança afetiva gerada por aquele tempo para escrever o livro “Memórias de Pedro, o último imperador do Brasil”. A obra, recomendada para leitores a partir de 12 anos, está em lançamento no mercado editorial brasileiro.
A publicação mescla passagens da história da monarquia no Brasil com ficção. No texto, Ivna dá a palavra à estátua de Dom Pedro II, que fica no jardim do Museu Imperial, para que faça reflexões, mea culpa e exponha desejos póstumos sobre os acontecimentos do império e da própria vida. “Meus pés estão fincados neste jardim Tropical. Nem consigo movê-los, nem posso. Há também crianças, muitas”, diz o imperador no livro, por meio de Ivna – ou Ivna, por meio da figura do imperador.
Os relatos, baseados sobretudo em sentimentos, passam brevemente por temas como a Guerra do Paraguai, o uso do primeiro telefone no Brasil, a infância do imperador com a partida precoce do pai e da mãe, o apetite dele por canja de galinha, a escravidão, entre outros. “Outro erro me persegue: a escravidão. Eu era contra; no entanto, quase nada fiz para aboli-la. Não consegui. Cedi à pressão do parlamento. E acedi à desumanização”, diz Dom Pedro II no livro de Ivna.
“Memórias de Pedro, o último imperador do Brasil” é uma publicação da editora brasileira Rebuliço com ilustrações de Aline Haluch. O prefácio é do escritor e pesquisador brasileiro Roberto Khatlab, que mora atualmente no Líbano. O livro é apenas uma parte de uma grande pesquisa feita por Ivna sobre o assunto. E nos estudos, a brasileira soube que ela e o imperador tinham mais em comum do que Petrópolis e os jardins do palácio. Dom Pedro II viajou ao Líbano, terra de origem da família de escritora. “Incentivou muito a ida dos libaneses para o Brasil”, diz Ivna sobre a imigração.
Ivna é neta de libaneses, tanto pela família materna como paterna, e, assim como muitos descendentes de árabes no Brasil, vem construindo carreira na literatura. A brasileira é jornalista e trabalha na área de formação, mas leva em paralelo a atividade com os livros. O primeiro deles, “Cadê seu peito, mamãe?”, voltado para crianças, foi escrito depois que Ivna teve um câncer de mama. A obra é baseada na experiência de falar com o filho pequeno sobre a ausência do seio, antes da reconstrução.
Ivna também escreveu dois livros para bebês: “Gabriel e a fraldinha” e “Maria Luiza e a banheirinha”, além de outro sobre a história do samba, “O samba faz 100 anos”, em um projeto da comunidade brasileira que vivia na Bélgica. A escritora ainda contribuiu com várias coletâneas. Como nasceu e cresceu no Brasil, mas vive na Europa – na França, depois de vários anos morando na Bélgica – algumas publicações foram feitas no Brasil, em português, e outras em francês e inglês na Europa.
Ivna morou no Brasil até os 28 anos de idade. Nascida em Petrópolis, cidade em que Dom Pedro II construiu seu palácio de verão, ela estudou jornalismo na capital fluminense. Antes de se mudar para a França para fazer um mestrado, a escritora trabalhou no jornal Gazeta Mercantil, no Museu da República e na Peugeot Citroen (hoje Grupo PSA) no Brasil. O contato próximo com o idioma francês na Peugeot, além do que ela já tinha em casa, foi um incentivo para estudar em terras francesas.
Na França, Ivna estudou Eurojornalismo, o que a levou a passar três meses na Bélgica para defender a tese. Ela casou com um francês, que também estava estudando em Bruxelas, onde eles moraram por 15 anos e tiveram um filho. Entre os belgas, a jornalista trabalhou como correspondente e fez reportagens para veículos do Brasil e europeus como freelancer. Também deu aulas de português no Parlamento Europeu e fez traduções, especialmente do francês para o português e vice-versa. Há cinco anos, o casal voltou para a França, onde atualmente Ivna dá aulas de jornalismo em um centro social, tendo como vertente principal a luta contra a as fake news e o cyberbullying.
Os árabes
Com a cultura libanesa a escritora teve muito contato por meio dos avós imigrantes. “Meus avós, apesar de estarem no Brasil, mantinham as tradições com a culinária, a religião”, contou a jornalista para a reportagem da ANBA. Fazem parte das memórias de Ivna as roupas especiais que os avós usavam para as celebrações religiosas ortodoxas e maronitas, o cheirinho do pão árabe saindo do forno para ser comido com coalhada, as canções e as conversas em árabe que escutava.
Os avós se mudaram do Líbano para o Brasil na década de 1920. A família paterna foi para São Paulo e a materna para o Rio de Janeiro, inicialmente a do pai trabalhando com agricultura e a da mãe com comércio. O encontro dos pais de Ivna se deu no tradicional baile do Quitandinha, em Petrópolis. Na época os bailes eram famosos na cidade e acabaram propiciando o encontro. O pai da escritora tinha saído de São Paulo para estudar medicina na cidade e a mãe foi morar também em Petrópolis com a avó de Ivna, que queria fugir do calor da capital fluminense.
Ivna ainda não conhece o Líbano, mas mantém o desejo de viajar para a terra dos avós. “Tenho dentro de mim: quero ir para o Líbano, quero ir para o Líbano, mas ainda não fui”, afirma. Ela conta que planejou uma visita ao país árabe no verão europeu de 2020, mas acabou desistindo, o que foi providencial em função da explosão que ocorreu no Porto do Beirute, a capital libanesa, justamente naquele período.
Lançamento
O livro sobre Dom Pedro II terá eventos de lançamento no Brasil. Um deles ocorreu nesta semana na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba. No sábado (13) será feito o lançamento no Museu Imperial, em Petrópolis, das 18h30 às 22 horas, e no dia 20 de agosto, das 11h às 14h, o livro será apresentado na Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro. Os dois eventos são abertos ao público.
A obra estará disponível para venda na internet e nas livrarias no Brasil após os lançamentos. De acordo com Ivna, já há secretarias de educação interessadas na compra. Por hora, “Memórias de Pedro, o último imperador do Brasil” tem versão apenas em português, mas escritora tem vontade de traduzir o livro para outros idiomas para a publicação no exterior. Ela deve cuidar do assunto em breve.
Ficha técnica
Título: Memórias de Pedro, o último imperador do Brasil
Escritora: Ivna Chedier Maluly
Ilustradora: Aline Haluch
Público-alvo: a partir de 12/13 anos
Páginas: 40
Preço: R$ 40,00
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