São Paulo – Advogado da área Cível, mas apaixonado por Direitos Humanos, o paulistano Edgard Raoul decidiu experimentar na pele o que era a vida de um refugiado. Em uma viagem que começou da capital paulista a Nova York, ele passou depois pela Turquia, Grécia, Alemanha, Palestina, Jordânia, Síria e Líbano. O que viveu nestes países mudou seu conceito sobre os árabes e os muçulmanos.
A saga de Raoul teve início em novembro de 2015, quando ele se mudou para Nova York para atuar voluntariamente em grandes organizações internacionais de Direitos Humanos. “Queria entender como estas organizações trabalhavam. Fui para Nova York porque as sedes [destes organismos] estão lá”, conta.
Percebendo que a atuação em Nova York era mais teórica do que prática, Raoul decidiu ir para a Turquia, país que recebia e ainda recebe milhares de refugiados da Síria. “Lá, eu convivi com os refugiados e entendi o que estava acontecendo no Oriente Médio. Um dos refugiados com os quais me reuni ficou flutuando no mar em cima do corpo do filho de 11 anos. Quando você escuta a história do que uma pessoa [como essa] viveu, você sente a dor dela”, afirma.
“Meu foco era entender a realidade dessas pessoas. Eu era alguém para quem eles podiam contar o que estavam vivendo”, diz Raoul, sobre os dias em que passou na Turquia. De lá, ele seguiu para a ilha de Lesbos, na Grécia, principal porta de entrada dos sírios na União Europeia.
“Em Lesbos, fui aprendendo mais sobre as tradições culturais dos refugiados, para ajudar a melhorar seu relacionamento com os voluntários”, destaca o advogado. Ele conta que, apesar da vontade de ajudar dos voluntários, havia muitos desentendimentos com os árabes devido a diferenças culturais em relação ao comportamento com as mulheres, por exemplo, que não queriam ser tocadas por questões religiosas.
Para Raoul, uma das experiências mais tocantes vividas na ilha grega foi quando ele pegou uma menina pequena do colo de um pai que havia acabado de chegar de barco. Fria e desacordada, a criança parecia estar morta. “Eu a aqueci e ela acordou. Depois, a entreguei para a Cruz Vermelha, mas, durante um tempo, carreguei uma criança que eu acreditava estar sem vida”, diz. “A crise que antes eu olhava, mas não enxergava, me tocou”, afirma.
Foi a partir daí que o advogado fez mais uma mudança em seus planos. Em vez de ajudar os refugiados, ele decidiu viver como um. “De Lesbos para a Alemanha, viajei disfarçado para entender a crise, não como voluntário, mas como refugiado.”
Foram 26 dias da Grécia até a cidade alemã de Frankfurt. “Os refugiados me abraçaram com um filho”, diz Raoul. Ele conta que, como outros brasileiros, cresceu ouvindo sobre estereótipos ligados aos árabes e muçulmanos, como os que os associam a pessoas perigosas e a terroristas. Para ele, a viagem serviu para que essa ideia fosse completamente modificada. “Acabei me tornando um defensor dos muçulmanos sem ser muçulmano”, destaca.
Mudando de identidade para não ser identificado como brasileiro, Raoul acabou preso na Sérvia depois que as autoridades locais encontraram seu passaporte e acreditaram que ele era um sírio viajando com um documento brasileiro falso. “O que me liberou foi uma foto que eu tinha no meu celular com o [tenista sérvio Novak] Djokovic. Ele é um ídolo lá e devem ter pensado que eu era alguém importante”, diz.
Raoul destaca ainda o alto preço da viagem para os que fogem da guerra. Segundo ele, a ida dos sírios para a Europa custa de cinco a sete mil euros por pessoa. “As pessoas que não têm dinheiro ficam na Jordânia e no Líbano”, lembra.
Depois da longa viagem até a Alemanha, a saga de Raoul como refugiado deu um tempo de um mês, no qual ele passou na Holanda, estudando política, religião, cultura e sociedade do Oriente Médio com a ajuda de uma jornalista do Bahrein.
Mais informado sobre o cenário da região, Raoul partiu para a Palestina. “Lá, me propus a viver como um palestino. Trabalhei em uma fazenda orgânica como um beduíno. Nas manifestações, quando o exército israelense vinha, eu ficava ali como um palestino. Tomei tiro de bala de borracha e me escondia atrás das árvores quando era bala de verdade”, conta.
Da Palestina, o advogado seguiu para a Jordânia, onde foi confundido pelo serviço secreto do país com um membro do Estado Islâmico. Sem conseguir hospedagem em hotéis, que o rejeitaram como hóspede, ganhou abrigo e comida em casas de família. Ainda seguido pelo serviço secreto do país, Raoul teve que procurar auxílio da embaixada brasileira, que lhe apoiou e deu um documento oficial para ajudar a garantir sua segurança.
Mesmo sob vigilância, Raoul conseguiu visitar campos de refugiados palestinos das Nações Unidas e também campos de refugiados não registrados pelas agências internacionais. “Há mais de um milhão de refugiados sem registro na Jordânia e mais de um milhão no Líbano”, aponta o advogado. “A Jordânia e o Líbano estão fazendo o impossível para receber os refugiados”, afirma.
E foi no Líbano que ele encerrou sua saga pelo mundo árabe. Lá, Raoul conviveu em campos de refugiados não registrados e ajudou uma ONG local. Antes de ir embora, conseguiu atravessar a fronteira com a Síria e viu um pouco da guerra que assola o país desde 2011.
De volta ao Brasil, ele diz que seu coração ficou no Oriente Médio. Aqui, ele espera ajudar a mudar a imagem negativa que existe dos povos de lá. “Fui recebido no Oriente Médio de forma maravilhosa. Por que a gente não consegue fazer o mesmo? Formamos uma imagem errada que precisa ser desconstruída. O Estado Islâmico não pode representar os muçulmanos”, completa.