Algérie Presse Service
Paris (França) – Um relatório preparado pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), apresentado na semana passada em Paris, recomenda o cancelamento das dívidas do continente africano em uma tentativa de reduzir a pobreza. De acordo com a Unctad, entre 1970 e 2002, a África recebeu cerca de US$ 540 bilhões em empréstimos e pagou algo próximo a US$ 550 bilhões relativos ao principal mais juros.
O relatório, intitulado "Desenvolvimento Econômico na África – Sustentabilidade da Dívida: Oásis ou Miragem?", diz que com o acúmulo de juros, a África apresentava ao final de 2002 uma dívida de US$ 295 bilhões. A situação é ainda mais crítica na região subsaariana, que recebeu US$ 294 bilhões em empréstimos, pagou US$ 268 bilhões em serviços da dívida e continuava com um estoque de dívida de US$ 210 bilhões.
O relatório também enfatizou que a dívida externa africana aumentou em 30 vezes entre 1970 e 1999, ao passo que a renda per capita permaneceu inalterada. Para a Unctad, sob tais condições, é ilusório esperar que a África seja capaz de reduzir, até 2015, sua pobreza pela metade, de acordo com as metas do milênio fixadas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
De acordo com a Unctad, para atingir tal objetivo, as taxas de crescimento econômico no continente têm que pelo menos dobrar para atingir de 7% a 8% ao ano durante a próxima década, o que é incompatível com os níveis atuais e estimativas futuras de endividamento.
O relatório cita ainda o Chanceler do Tesouro do Reino Unido, Gordon Brown, que afirmou, no começo do ano, que no ritmo atual "vamos falhar em atingir os objetivos do milênio na África, não por dez anos, mas por cem anos".
Na falta de tal vontade política, o Relatório sugere que seja declarada moratória da dívida (sem o acúmulo adicional de juros), enquanto é aguardado o estabelecimento de um painel independente de peritos para estudar a sustentabilidade da dívida, baseada em um conjunto de critérios realistas e compreensivos.
O relatório recomenda que, nesse trabalho, seja incluída toda a dívida pública dos países africanos, inclusive a interna. Isso porque a Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC, da sigla em inglês) não leva em consideração a dívida doméstica, que nos últimos anos tornou-se um fator importante no endividamento total dos países africanos.
A HIPC foi criada em 1996 pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e tem como objetivo atuar pela redução de dívidas excessivas suportadas pelos países mais pobres do mundo.
O pagamento dos serviços da dívida devem aumentar de cerca de US$ 2,4 bilhões em 2003 para US$ 2,6 bilhões em 2005. Os 23 países africanos que tomaram a decisão de integrar a HIPC até o final de 2003 têm apenas 40% de chances de atingir a sustentabilidade da dívida até 2020.
Herança
O Relatório também rejeita a tese de que a dívida da África é apenas herança de governos irresponsáveis e corruptos. Para a Unctad, somaram-se a isso choques externos, a dependência de várias economias africanas em commodities, programas de reforma mal planejados e a ação dos credores.
A Unctad lembrou que o perfil da dívida mudou de "sustentabilidade" para "crise" na primeira metade dos anos 1980, com boa parte da dívida sendo contraída entre 1985 e 1995, sendo guiada pelos programas de ajuste e fiscalização do FMI e do Banco Mundial. O relatório da Unctad concluiu que a dívida externa da África atingiu, em 1995, aproximadamente US$ 340 bilhões.