São Paulo – Mesmo com todas as medidas preventivas adotadas em boa parte dos países árabes, como testes PCR, lockdown e toque de recolher, somente a vacinação em massa traz perspectiva de retomada na região do Oriente Médio e Norte da África (Mena, na sigla em inglês). É o que diz o especialista em risco-país na EuroMoney Country Risk, Helmi Hamdi (foto acima), que deu palestra em webinar promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira nesta quarta-feira (05).
Hamdi dividiu o mundo árabe entre dois blocos. No bloco 1, os países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), que são Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait. No bloco 2, os demais países árabes do Levante e do Norte da África.
Os países do GCC, segundo Hamdi, enfrentaram uma crise dupla, pela queda nos preços do petróleo e pelos impactos da pandemia em setores não-petrolíferos diversos como varejo, turismo e transporte.
“Diversos países árabes reagiram impondo medidas rigorosas para controlar o contágio pelo coronavírus e evitar uma devastação nos sistemas de saúde locais”, disse o economista.
Outros países como os Emirados Árabes cooperaram com fabricantes de vacinas, como a chinesa Sinopharm. “Muitos países, especialmente os do bloco 1, começaram a testagem em massa para a covid-19 logo no início da pandemia e milhares de testes foram conduzidos todos os dias”, afirmou. A partir de julho ou agosto do ano passado, todos os países do bloco 2 também começaram a fazer os testes.
Medidas de emergência foram implementadas, como o fechamento de escolas, cinemas, piscinas e academias. Restaurantes ficaram abertos apenas para entregas, shoppings e lojas foram fechados, e ficou proibido reunir mais de cinco pessoas. “Os países árabes pediram para que as pessoas trabalhassem de casa, se possível, e as escolas e universidades foram fechadas em fevereiro de 2020”, disse.
Jordânia e Marrocos fizeram lockdown completo, com o fechamento de espaço aéreo e fronteiras terrestres para todo tipo de transporte comercial de passageiros. “Na Arábia Saudita, o governo decidiu proibir a entrada de visitantes e fazer um toque de recolher de 24 horas nas cidades sagradas de Meca e Medina desde abril de 2020, suspendendo serviços de trens e ônibus, fechando parques e restaurantes”, falou Hamdi.
Negócios
Os países árabes realizaram uma série de ações para ajudar as empresas afetadas pela pandemia, com pacotes emergenciais para o setor privado e pequenas empresas.
O governo do Bahrein implementou um pacote de estímulo de US$ 11,4 bilhões. Os Emirados anunciaram um plano de estímulo de US$ 27 bilhões para ajudar a economia. O Catar contribuiu com US$ 23 bilhões; a Arábia Saudita com US$ 13 bilhões para apoiar as pequenas e médias empresas e o setor privado; o Egito anunciou pacote de US$ 6 bilhões.
“Além disso, outras iniciativas também foram implementadas pelos governos, como a postergação de recebimento de créditos por seis meses sem cobrança extra para apoiar pequenos negócios, e no caso do Bahrein, o pagamento de 50% do salário dos trabalhadores locais dos setores afetados pela pandemia”, disse Hamdi.
Até meados do verão na região, entre julho e agosto, tudo parecia ir bem, com as medidas de prevenção e contenção aparentemente funcionando. Mas gradualmente os lockdowns foram sendo afrouxados e os casos de covid-19 voltaram a crescer exponencialmente.
“No início de novembro de 2020, quase 2,2 milhões de pessoas tinham sido infectadas na região do Mena. Contudo, a taxa de mortalidade se mantém menor que a média global principalmente por ter uma população jovem – metade da população dos países árabes tem menos de 25 anos”, disse.
Vacina é a única solução
Mesmo com todas as medidas de prevenção, com testes PCR, lockdown e toque de recolher, nada foi suficiente para controlar a pandemia. Então Hamdi conclui que a vacinação em massa é a única solução e que os países árabes estão adotando essa estratégia.
“A vacinação não é compulsória nos países árabes, mas o acesso a locais públicos, como academias, restaurantes fechados e piscinas, só será permitido com o atestado de vacinação”, contou Hamdi. Ele informou que a partir deste ano, alguns países tornaram a vacinação obrigatória, como Emirados, Arábia Saudita e Bahrein. Os Emirados Árabes estão fazendo uma das campanhas de vacinação mais rápidas do mundo, disse Hamdi.
Mas as ações foram desiguais entre os países árabes por diversos motivos, como a hesitação em se vacinar, a desinformação, as teorias da conspiração e a forma de cada governo gerenciar a crise advinda da pandemia.
Segundo Hamdi, diversos países do GCC compraram, desde o seu verão de 2020, mais vacinas do que o necessário para atender a sua população. Estes países começaram a vacinar em dezembro de 2020 ou janeiro de 2021, e estimam imunizar grande parte de sua população até o final deste ano.
Outros países árabes como Argélia, Djibuti, Egito, Iraque, Jordânia Líbano, Palestina e Tunísia começaram a vacinação para grupos de risco e devem imunizar boa parte da população até meados de 2022. “Muitos outros países do bloco 2 nem começaram suas campanhas de vacinação e ainda estão esperando para receber suas primeiras doses, como é o caso da Líbia”, disse Hamdi.
Um ano depois
A implementação de todas essas medidas preventivas, juntamente com a vacinação e políticas de auxílio emergencial mantiveram as economias do GCC resilientes, afirmou o economista. “Muitos deles estão se recuperando mais rápido do que o previsto, em grande parte pela aceleração da vacinação em massa e pela alta no preço do petróleo”, disse Hamdi.
Como resultado, as fronteiras estão reabrindo e aos poucos voltando a ter tráfego aéreo, com companhias aéreas como Emirates, Qatar Airways e Gulf Air voltando a operar. Shoppings, lojas e restaurantes estão reabrindo, bem como escolas e universidades. “Isso significa que a atividade econômica teve sua retomada e a vida está voltando ao normal gradualmente, especificamente nos países do GCC”, informou. Em maio, a Arábia Saudita deve reabrir suas fronteiras, que estavam fechadas desde abril de 2020.
Perspectivas
Os países árabes estimam um crescimento no PIB de alguns países para este ano. A Arábia Saudita, maior economia do Golfo, espera crescer 2,8% em 2021. Os Emirados Árabes contraíram em 5,8% no ano passado e esperam alcançar crescimento de 2,5% para este ano. O Kuwait estima alta de 2,2%, enquanto Omã e Bahrein devem chegar a 2,1% e 2,5% de aumento do PIB, respectivamente.
Também é esperado crescimento do PIB não petrolífero para a região, puxado, entre outros fatores, pela estabilização do mercado imobiliário, com a recuperação da confiança e com a realização da Expo 2020 em Dubai.
“Esta é uma ótima notícia para o mundo árabe e também para seus parceiros comerciais como o Brasil”, disse o presidente da Câmara Árabe, Osmar Chohfi.
Pesquisa
No webinar, o gerente de Inteligência de Mercado da Câmara Árabe, Marcus Vinícius, falou sobre a pesquisa de tendências nos hábitos de consumo árabe pós-pandemia, encomendada pela entidade e realizada pela H2R Pesquisas Avançadas.
A pesquisa revelou que no período de quarentena as comunidades foram obrigadas a se fechar, o que resultou no aumento das compras online. “A população entra no modo sobrevivência, realizando apenas saídas restritas para compras, preocupada com o aumento dos preços de medicamentos e alimentos e lidando com o stress do isolamento”, disse.
Com o afrouxamento das restrições da quarentena nos países árabes, surge uma cautela maior em relação à saúde e o uso obrigatório de máscaras. “O medo do vírus e o anseio em voltar aos velhos hábitos serão um ponto de conflito, e o varejo precisou entender como fazer parte de um novo ecossistema de cuidados, com saúde e bem-estar para reconquistar a confiança dos consumidores”, disse o gerente.
Grande parte de aplicativos e sites cresceram nos países árabes durante a pandemia, principalmente de mensagens e mídias sociais, mas também de compras online, saúde, delivery, plataformas de videoconferência e jogos, entre outros.
“O e-commerce vinha apresentando um crescimento antes da pandemia, e de 2018 a 2020 cresceu 100%. A estimativa é que cresça mais ainda, para US$ 30 bilhões em 2021, uma alta de 36%”, disse Marcus. Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes correspondem a 80% do setor de e-commerce da região.
Cerca de 48% dos usuários já faziam compras online antes da pandemia, e as redes sociais, como Facebook e Instagram, passaram a ser muito mais utilizados para compras.
O webinar “Os impactos da vacinação contra a covid-19 na retomada econômica dos países árabes” contou com a presença do gerente de exportações da empresa brasileira de alimentos Bauducco, Alain Wehbe, e o empresário brasileiro libanês Issam Hassan, que tem uma trading nos Emirados Árabes para comercializar marcas brasileiras.
O evento virtual foi moderado pela diretora de Marketing e Conteúdo da entidade, Silvana Scheffel Gomes. O presidente da Câmara Árabe, Osmar Chohfi, fez a abertura da conferência, e o secretário-geral Tamer Mansour, o encerramento. Participou ainda o chefe do escritório internacional da Câmara Árabe em Dubai, Rafael Solimeo.