Marco Bahé, enviado especial
Vale do São Francisco – O Vale do São Francisco é considerado uma das melhores regiões do mundo para o plantio de uvas. O motivo: quase não chove. É que a chuva durante a colheita pode rachar ou azedar a uva. Como só há possibilidade de chuva entre dezembro e março, é possível produzir praticamente o ano todo no Vale. Em regiões produtoras de clima temperado, como Rio Grande do Sul, África do Sul, Chile, Argentina, Nova Zelândia, Califórnia e Europa, consegue-se produzir apenas uma vez por ano, num período curto de dois meses. No Vale, os produtores conseguem até dois ciclos e meio por ano.
Essa boa convivência entre o clima e as plantações de uvas acabou gerando uma nova atividade também na região. O Vale, principalmente os municípios de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, está se constituindo num importante pólo vitivinícola do país. Atualmente, além da uva, são produzidos cerca de sete milhões de litros de vinhos finos por ano lá, o que representa 23% da produção brasileira. O Brasil todo produz 30 milhões de litros por ano e importa outros 30 milhões de litros de vinhos finos.
Há 27 anos, o enólogo gaúcho Jorge Garziera foi convidado para viajar ao Nordeste e desenvolver projetos de uva de mesa. Cerca de 14 anos depois nascia o primeiro vinho do São Francisco, o Boticelli. "Plantei a semente de um sonho antigo que agora começa a dar frutos através da implantação do pólo vitivinícola. Temos hoje sete vinícolas produzindo vinhos de ótima qualidade (alguns já premiados internacionalmente)", diz o enólogo. Outras cinco já estão com protocolo de intenção para começar a produzir. Garziera investiu R$ 6 milhões para lançar suas próprias marcas, Garziera e Carrancas do São Francisco.
Pela margem de lucro oferecida, porém, a produção de uva in natura ainda é mais atrativa. A fruta está mudando o perfil do agricultor do Vale. Mais da metade da produção é responsabilidade das pequenas propriedades. Tendo que trabalhar com técnicas agrícolas novas, esses produtores assimilaram o conceito de empresários rurais. É o caso do casal de agrônomos André Lira Machado, 38 anos, e Adriane Pinto de Sá Machado, 36. Em 1993, eles trocaram o Recife para trabalhar em fazendas de uva na região. Com a poupança que juntaram, mais um empréstimo no Banco do Nordeste, compraram 18 hectares de terra e iniciaram a carreira de produtores de frutas.
Hoje, a produção deles é de 400 toneladas de uva por ano. Também produzem 150 toneladas de manga. O faturamento atinge os R$ 500 mil anuais. "Nos juntamos com outros sete pequenos produtores e montamos uma exportadora, a Néctar Agrícola. Conseguimos exportar 220 toneladas este ano", festeja André. O empreendedor afirma que a exportação direta é bem mais atrativa. "No mercado interno, o quilo da uva é comercializado a R$ 1,30. Se vendemos para uma exportadora, o dinheiro é garantido, mas não ultrapassa os R$ 2,70 por quilo. Exportando direto alcançamos até R$ 3,60 pelo quilo da mesma uva. Não dá para comparar", explica.