Belo Horizonte – Entre provadores de café de diversos países, em sua maioria homens, uma mulher chama a atenção dos fotógrafos, que fazem seguidos registros de seu empenho em cada xícara. Ela se chama Sara Alali e é da Arábia Saudita. Veste um véu roxo e, entre uma sala de cupping (prova de cafés profissional) e outra, faz registros em foto e vídeos.
“Postei algumas coisas no Instagram mas, na Arábia Saudita, o que é mais popular é o Snapchat. É para eles que quero mostrar o que está acontecendo, então posto muito mais lá”, ela me conta, enquanto caminhamos pela Semana Internacional do Café (SIC), em Belo Horizonte, feira que visitou a convite da organização junto com um grupo de profissionais organizados pela Associação de Cafés Especiais (SCA, na sigla em inglês).
Sara tem mais de 10 mil seguidores no Instagram e já perdeu a conta da audiência no Snapchat. A fama local é por seu pioneirismo. Ela é campeã de preparo de café no método turco. “Fui a primeira saudita, entre homens e mulheres, a ficar entre os melhores do mundo”, revela com orgulho. A saudita explica que o café brasileiro e o colombiano são os mais populares em seu país, mas que não se contenta com os sabores mais comuns que têm chegado lá.
“Estou provando aqui cafés muito exóticos! Quero levar cada vez mais grãos assim para a Arábia Saudita conhecer esse café brasileiro”, anima-se.
A saudita estudou no Canadá e lá se apaixonou pelo café. “Comecei como um hábito e quando voltei para a Arábia Saudita queria focar no café como bebida. Aos poucos, percebi como café um jeito de compartilhar conhecimento. Então, fui para a França estudar e fiz cursos na SCAE (antiga Associação de Cafés Especiais da Europa). E quando tirei meu primeiro espresso, nesse momento eu percebi: ‘É isso o que quero fazer da minha vida’”, declarou.
Um momento que mudou para sempre a vida dela, e que também mudaria a de outras mulheres. “Como sou instrutora autorizada pela associação, comecei a dar aulas no meu país. Eu dou aulas para homens e mulheres, sem nenhum problema, mas sei como é importante para diversas mulheres que eu esteja lá. Elas vêm ter aulas comigo e dizem que sou uma inspiração. É tão importante e emocionante. Me sinto honrada por isso”, conta a profissional.
Antes de ser arrebatada pelo grão, Sara trabalhava em uma Organização Não Governamental. E conta que sente, agora, como ser instrutora de barismo une suas duas vocações: ajudar o próximo e estar próxima ao café. Com o tempo, já na Arábia Saudita, ela e se aprofundou cada vez mais, dessa vez com o apoio do amigo Osama, cofundador da The Roasting House, casa de torrefação saudita. Foi Osama que a incentivou a competir como barista profissional.
“Ele me encorajou a participar de competições. No começo eu disse ‘nem pensar!’. Mas, percebi que isso podia incentivar outras pessoas. Quando comecei, não podia mais parar. É um desafio, o que eu gosto, e você aprende muito! É uma experiência enriquecedora”, conta ela. Seguindo em busca dos desafios de que gosta, Sara sagrou-se vice-campeã do preparo turco na região do Oriente Médio e Norte da África em 2016, e em 2017 foi finalista mundial da categoria, em Budapeste, chegando na 6ª colocação.
Apesar da carreira promissora, Sara não pôde competir em 2018. Após a união da SCAE com a SCA (antiga Associação Americana de Cafés Especiais) para formar a atua SCA, ela explica que não pode mais competir. “Ainda não temos uma competição nacional, então neste ano não foi permitido que eu competisse no mundial. Estamos nos organizando para criar a competição nacional e, assim, podermos ter um representante internacional”, afirma a saudita.
That Coffee Shop
Agora ela vive mais uma possibilidade que o mundo dos cafés lhe rendeu, a de ser dona de uma cafeteria. A That Coffee Shop, localizada na capital do país, Riad, tem um sentido profundo para ela. “O café, de fato, mudou minha vida. Ele fez com que eu me conhecesse muito mais. É por isso que coloquei este nome na minha cafeteria. Em árabe, ‘that’ significa ‘self’, porque é isso: sou eu mesma no café e o quanto ele me fez me ver melhor”, declara a barista.
“Claro, no começo foi difícil. Eu entrava na sala para estudar (nos cursos) e era a única mulher. Olhava em volta e era difícil me colocar, falar”, revela. No entanto, a história de Sara seguiria para outro caminho. “É muito bom poder falar isso, porque conforme fui buscando aprender mais, conheci homens que me deram apoio. O Osama me auxiliou muito, incentivou mesmo! O café que compro hoje é ele quem torra”, conta Sara.
Hoje, a That Coffee Shop, que começou apenas com Sara, conta com uma equipe com mais três mulheres trabalhando. “É uma felicidade para mim ter essas mulheres lá. Eu confio tanto nelas que posso viajar para cá tranquila. Eu sei que elas estarão lá cuidando de tudo como se fosse delas”, conta ela, que aproveita a feira para conhecer cafés brasileiros.
Movida pela cafeína de cada prova, ela não quis parar para almoçar junto com os demais estrangeiros que vieram no grupo. “Quero aproveitar tudo! Estou provando os cafés e, como não torro, vou indicar para meus amigos. Quero mostrar como o café brasileiro pode ser diferente do que estamos acostumados a tomar nos países árabes”, destaca.
E a viagem vai além da busca por negócios. “Eu vou realizar meu sonho de conhecer uma fazenda de café. E vai ser no Brasil! Estou mesmo muito feliz por isso”, revela Sara. Ela vai seguir para uma viagem ao Cerrado Mineiro, uma das regiões produtores de café no Brasil que vai receber a excursão dos compradores do exterior nas próximas semanas. Assim como fez durante a Semana Internacional do Café, Sara quer registrar cada momento. A barista premiada e dona de cafeteria quer mais do que conhecer. “Quero compartilhar esse conhecimento”, arremata.
*A repórter viajou a convite da organização da SIC