São Paulo – A alfafa brasileira tem grande potencial para ampliação de sua cultura para abastecimento interno e, a longo prazo, pode até ser exportada para países com demandas expressivas, entre eles Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito. Considerada a melhor forrageira para gado de leite e cavalos, além de ser alimento para caprinos, ovinos, roedores e até pets e humanos, a alfafa tem pequena produção no Brasil, principalmente vinda da agricultura familiar. Mas há grande interesse na ampliação dessa cultura.
Na América Latina, a maior produtora de alfafa é a Argentina, com cerca de 4 milhões de hectares plantados. O Brasil produz apenas 40 mil hectares, principalmente na região Sul, no Rio Grande do Sul e Paraná, e ainda não consegue atender a demanda interna.
Duarte Vilela, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, informou à ANBA que o Brasil é grande importador de sementes de alfafa da Califórnia, nos Estados Unidos, e da Argentina. “Infelizmente, porque temos toda a condição de produzir mais e nos abastecer”, disse. A Embrapa é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
A comercialização da alfafa no Sul do Brasil atende principalmente haras e criadores de gado de leite. “O gado de leite de alto desempenho, que produz de 20 a 40 quilos de leite por dia, demanda muitas exigências nutricionais, e a alfafa é o alimento perfeito para esse tipo de rebanho”, disse Vilela.
Outros usos para a alfafa têm surgido por parte da agroindústria de cosméticos e fármacos, com extratos da alfafa, comprimidos e o broto da alfafa para remédios e cremes. “O mundo todo já usa alfafa nessas áreas, extrato de alfafa estimula a atividade celular e ajuda a rejuvenescer a pele”, contou.
Mercado
As sérias limitações no uso da água em vários países da Ásia e do Oriente Médio e o aumento global na demanda por proteínas de origem animal fizeram o comércio mundial de feno de alfafa e gramíneas se expandir nos últimos 20 anos. A demanda mundial de feno de alfafa em 2016 foi de 6 milhões de toneladas, totalizando US$ 2,7 bilhões.
Os maiores produtores de alfafa atualmente são Estados Unidos, União Europeia, Argentina, Rússia, Canadá e Austrália, com área total de 32 milhões de hectares plantados. Na América Latina, são mais de quatro milhões de hectares, sendo quatro milhões na Argentina, 170 mil hectares no Chile, 120 mil no Peru, 70 mil no Uruguai e 40 mil no Brasil.
Os principais importadores de alfafa são Arábia Saudita, Emirados Árabes, China, Japão e Coreia do Sul, que juntos representam 84% da demanda mundial. Os principais exportadores são Estados Unidos, Espanha, Canadá, Itália e França.
“Há grande potencial de expansão da alfafa no Brasil”, disse Vilela. A alfafa pode ser produzida no cerrado e no semiárido brasileiro, com irrigação. “A longo prazo, estamos em conversa na região de Matopiba, grande região produtora de grãos e algodão. Eles estão olhando a alfafa com olhos comerciais, têm maquinário, irrigação. A alfafa pode ser uma alternativa para fazer rotação de cultura principalmente com milho e algodão”, disse Vilela.
Matopiba é o acrônimo da junção de quatro estados do cerrado brasileiro, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, região que responde por grande parte da produção brasileira de grãos e fibras. Essa região já conta com toda a infraestrutura necessária para exportação, com malhas viárias e maquinários, disse Vilela, e assim o Brasil poderia entrar no mercado externo a preços competitivos.
Árabes
Em visita ao Egito, a ministra da Agricultura Tereza Cristina se reuniu com representantes do governo que demonstraram interesse em comprar alfafa do Brasil. “O Egito está aumentando sua criação de gado de corte e de leite, e eles mostraram a importância da importação de alfafa para utilizar como ração para animais de grande porte”, disse o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Tamer Mansour, que acompanhou a visita da ministra ao país árabe.
“Acho que continua existindo grande interesse não só do Egito, mas também da Arábia Saudita, Jordânia”, disse. A Arábia Saudita, segundo Mansour, tem a maior fazenda de gado de leite do Oriente Médio. Os Emirados Árabes Unidos também criam gado de leite no emirado de Fujairah. A Arábia Saudita, segundo Mansour, importa alfafa da Austrália. “É preciso mudar a mentalidade do agricultor brasileiro, ele precisa acreditar que o que ele plantar, ele vai vender, aceitar novos produtos, entender a necessidade mundial”, disse.
Valor agregado
Edison Machado de Oliveira é proprietário da Alf Nutrição Animal, empresa há dezoito anos no mercado que faz processamento de feno de alfafa e o transforma em pó e também em pellets. Sua empresa familiar fica em Roque Gonzales, região das Missões no Rio Grande do sul, na fronteira com a Argentina.
A região, segundo ele, tem uma vocação para a produção de alfafa de muitos anos. “Nós agregamos valor à matéria-prima que é produzida na região, processando a alfafa e comercializando em forma moída, em farelo, pellets e fardos”, explicou Oliveira à ANBA por telefone.
Pellets de alfafa são pequenos cilindros de alfafa comprimida e têm uma série de benefícios. “É mais fácil de transportar, conservar, e de dosar para os animais, sem desperdício”, contou. A alfafa em pellets tem valor cerca de 80% maior que um fardo de feno de alfafa, é um produto industrializado com valor agregado.
O empresário conta com uma rede de fornecedores da região que o abastecem. A alfafa chega em sua fábrica em fardos e eles são processados nas máquinas. Sua capacidade de produção é pequena, mas ele diz que pretende ampliar se conseguir apoio de investidores.
“Existe aqui na nossa região uma oportunidade de médio prazo, estamos buscando investimentos e entendemos o nosso negócio e nosso produto como uma excelente oportunidade de investimento para quem tiver como investir. Estamos receptivos e precisamos desse aporte de capital de alguma empresa ou grupo para melhorar a infraestrutura e a capacidade de produção”, declarou. Ele considera também a possibilidade de investimentos estrangeiros de países com alta demanda.
“Já recebemos algumas consultas a respeito de exportar para os árabes, Arábia Saudita e Abu Dhabi (Emirados), mas as conversas não evoluíram porque a quantidade que eles precisavam era muito maior do que a nossa capacidade de atendimento”, disse Oliveira.
Para Oliveira, é preciso haver uma política de desenvolvimento por parte do governo para a produção de alfafa no Brasil. “É preciso aumentar a cadeia produtiva e regularizar o mercado, é preciso uma política de desenvolvimento na produção de alfafa, assim como temos para outras culturas, mas no contexto geral, como ela representa uma parcela muito pequena, quase insignificante no mercado, não se dá muita importância para ela, mas nos tempos de hoje, em que a procura pela alimentação animal cresce cada vez mais, está começando a haver um interesse mais focado, justamente por ser um alimento nobre e de alta qualidade”, disse.
A Alf Nutrição Animal vende ração para criadores de ovinos, aves, suínos, coelhos e roedores, e também para empresas que fazem ração para pets. “A alfafa tem aplicação em toda alimentação animal desde que adequadamente formulada”, disse.
Características
A alfafa é considerada a melhor de todas forrageiras por ter alta qualidade, com 18% a 26% de proteína bruta (PB), fixadora de nitrogênio, baixa estacionalidade de produção, oito a dez cortes por ano e potencial de produção de 20 a 25 toneladas de matéria seca por hectare ao ano.
Segundo André Brugnara, coordenador geral de produção animal da secretaria de inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a alfafa é o cultivo que tem maior teor de proteína bruta.
“Esse é um valor muito alto, além disso a qualidade dessa proteína é melhor que a proteína das gramíneas, e a produtividade também é alta, uma variável muito importante. Eu diria que alfafa é insuperável na produção de proteína e para nutrir esses rebanhos, a proteína mais barata é a alfafa, então teria tudo a ver tentar massificar o uso da alfafa”, disse.
Publicação
Duarte Vilela está para lançar um livro, um manual sobre o multiuso da alfafa para o Brasil e toda a América Latina. “A minha ideia foi criar uma rede de pesquisa e desenvolvimento. Podemos exportar e criar mais uma pauta de exportação, o feno, que até hoje não temos”, disse. A impressão do manual foi adiada devido à pandemia de coronavírus.
Mas André Brugnara informou, no fechamento desta reportagem, que sua coordenação apoiará a impressão do livro de Vilela. “É a maior obra sobre a cultura da alfafa que teremos no Brasil”, disse. A ideia era traduzir para o espanhol, para ter abrangência na América Latina, mas por enquanto será editada somente em português com previsão de lançamento até o final deste ano.
“A América Latina pode sair na frente na expansão do sistema agroalimentar e agroindustrial tendo a alfafa como pilar, desde que estruture redes de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica”, diz Vilela em seu estudo.