São Paulo – A 35ª Bienal de Arte de São Paulo apresenta ao público 1.100 obras de 121 artistas com o tema de “coreografias do impossível”, em que os conceitos pré-estabelecidos a partir do olhar ocidental são confrontados e questionados. Nesse contexto, obras de artistas do Egito, Palestina, Marrocos e Líbano se distribuem pelos três andares do Pavilhão da Bienal no Parque do Ibirapuera.
À ANBA o coletivo curatorial, formado por quatro curadores, afirmou que, embora a seleção dos artistas e dos trabalhos não tenha levado em consideração, prioritariamente, sua origem, a participação de artistas de origem árabe “enriquece a mostra com perspectivas únicas e histórias de vida significativas”.
“Suas obras contribuem diretamente com as reflexões propostas pelas coreografias do impossível ao desafiar as fronteiras culturais e geográficas, e ao explorar o que é possível, mesmo em contextos desafiadores. Cada artista traz consigo uma visão singular da arte, que se manifesta em suas obras, ampliando as narrativas representadas na Bienal. Além disso, a inclusão de artistas de origem árabe demonstra a riqueza que a pluralidade traz à arte contemporânea e à experiência da Bienal”, afirmaram à ANBA os curadores Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel.
Um dos trabalhos, da palestina Ahlam Shibli, retrata uma série fotográfica em Nablus, cidade da Cisjordânia. Dividida em três ambientes, a mostra é intitulada “Death” (morte, em inglês). Representa, por meio de 68 fotos, os mártires que lutaram e lutam contra a ocupação das terras palestinas seja por meio das suas ações ou por meio de pichações, fotografias e diários.
A egípcia Anna Boghiguian faz uma crítica ao colonialismo, às formas de exploração da terra e do trabalho na obra “Ventos entrelaçados – a formação de uma economia – commodities custosas”. Uma plantação de algodão é cercada por pinturas e textos escritos em um painel que retrata períodos históricos do colonialismo a partir da cultura do algodão, cultivado por escravos africanos traficados e leiloados. A primeira parte desta composição foi realizada em 2016, mas o mural que complementa a etapa inicial foi feito especialmente para a mostra paulistana.
Em outro projeto feito para esta Bienal, o marroquino M’barek Bouhchichi, apresenta versos de poetas africanos, negros brasileiros e norte-americanos escritos sobre vasos de cerâmica (foto de abertura). São dizeres que fazem referência à escravidão e à opressão. Os vasos, por sua vez, remetem ao ceramista escravo norte-americano David Drake (1800-1870). Intitulado “Nós somos aqueles que vocês não querem ver”, o projeto foi executado em parceria com o ateliê e escola de artes Sertão Negro, de Goiânia, em Goiás.
O jogo de letras e de palavras nos diagramas árabes está representado a partir de grandes cortinas, que são comumente utilizadas para bloquear a luz do sol, penduradas no Pavilhão da Bienal na instalação Sama’/Ma’as. A libanesa Mounira Al Solh aproveita o jogo de letras para formar palavras a partir dos dois lados do tecido.
Em outro trabalho feito para esta Bienal, intitulado “A câmera dos despossuídos”, uma instalação do cineasta palestino Kamal Aljafari recupera momentos de resistência do povo palestino à ocupação dos seus territórios a partir de imagens coletadas em arquivos, fragmentos de vídeos feitos com telefone celular e arquivos pessoais. O resultado é o retrato da ocupação, do sofrimento e da batalha palestina.
Outra das obras comissionadas (feita sob encomenda) pela Bienal de São Paulo, é a videoinstalação “Um canto de trabalho sazonal”, dos marroquinos Nadir Bouhmouch e Soumeya ait Ahmed. Ao retratar uma colheita de maçãs acompanhada pelo canto dos trabalhadores, a obra recupera a assinatura de outros trabalhos da dupla de cineastas, com referências à oralidade e à cultura popular. Essa videoinstalação se diferencia das outras da mostra ao ser posicionada no centro do pavilhão, cercada apenas por tecidos pretos e transparentes e em formato circular. O motivo: a obra deve se assemelhar a uma assembleia, uma praça.
No vídeo “Corvos” (2017), a marroquina Bouchra Ouizguen encena uma coreografia no deserto a partir de um espetáculo de dança. A cultura e a história árabe são, ainda, representados em obras do cipriota Philyp Rizk, que vive no Cairo, e da franco-marroquina Yto Barrada. Rizk recupera, em uma videoinstalação, filmes que registraram dois momentos de abertura da tumba de Tutancâmon, no Egito, em 1922 e em 1924. Barrada, por sua vez, recorre a blocos de madeira pintados com grafismos para remeter à ocupação francesa no Marrocos.
À ANBA, os curadores afirmaram que a Bienal buscou ampliar as perspectivas culturais e artísticas desafiando as narrativas tradicionais de tempo. Por consequência, disseram, resultou na pluralidade das pesquisas e interesses curatoriais. “As obras apresentadas oferecem uma multiplicidade de experiências e visões de mundo, criando novas perspectivas sobre as urgências do mundo contemporâneo. Isso enriquece a Bienal ao estimular diálogos interculturais e ao servir como uma plataforma para vozes poderosas ecoarem suas visões de mundo”, afirma o coletivo curatorial.
A temática árabe ou temas caros ao mundo árabe, como a diáspora e o deslocamento, se evidenciam em obras de artistas de outras nacionalidades e origens presentes na Bienal, inclusive brasileiros. E, mesmo entre os coreógrafos, pintores, escultores, cineastas que nasceram em nações do Oriente Médio e do Norte da África, alguns hoje vivem em capitais europeias, como Paris, Amsterdã e Berlim, ou em Nova York, nos Estados Unidos. Todos apresentam ao visitante da Bienal a proposta de, por ser contemporânea, sua arte ser um elemento de construção também a partir da interpretação de quem interage com ela.
Serviço
35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível
Curadoria: Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel
Até 10 de dezembro de 2023
Pavilhão Ciccillo Matarazzo
Parque Ibirapuera – Portão 3
Entrada gratuita
Mais informações aqui