São Paulo – “Imagine que você precisa sair de seu país e deixar tudo para trás, chegando em um lugar totalmente diferente, com outra cultura, outro idioma e outro alfabeto, e de repente você vai a uma biblioteca e encontra um livro na sua língua. É como um abraço, não é? É como um gigante abraço, como se o país estivesse te recebendo, te aceitando, e você se sente bem-vindo, em casa”.
Foi assim que a diretora Amna Al Mazmi contou como surgiu a Fundação Kalimat, em Sharjah (Emirados Árabes Unidos), que neste sábado (04) doou uma biblioteca árabe com 100 livros infanto-juvenis no idioma para a Biblioteca de São Paulo, localizada no Parque da Juventude, na zona norte da cidade.
Além da diretora da Fundação Kalimat para o Empoderamento de Crianças e de uma pequena delegação do emirado, estiveram presentes o cônsul geral dos Emirados em São Paulo, Ibrahim Salem Alalawi, o secretário da cultura do estado de São Paulo, Romildo Campello, e a coordenadora da unidade de difusão cultural, bibliotecas e leitura do estado de São Paulo, Silvia Antibas, que é também diretora cultural da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. Crianças do Lar Sírio (foto acima) também participaram do evento.
Segundo Al Mazmi, a presidente da Kalimat, Bodour Bint Sultan Al Qasimi, iniciou o projeto em 2016 com o sonho de ter uma fundação que servisse crianças árabes em regiões menos favorecidas e zonas de conflito, de forma que a literatura pudesse alcançá-las em todos os lugares. Em dois anos, a Kalimat conquistou patrocínios privados e hoje tem mais de 100 bibliotecas árabes (com 100 livros cada) distribuídas por diversos países, entre eles, Suécia, França, Hong Kong e Tunísia.
Esta é a primeira doação ao Brasil, e Al Mazmi diz que espera que seja o início de uma longa parceria. “Fazemos uma longa pesquisa e somos muito cuidadosos na escolha dos locais que irão receber os livros, mantendo contato com as bibliotecas inclusive após as doações. Aqui, nós fomos recebidos com muito entusiasmo, gostamos muito do trabalho da Biblioteca de São Paulo e temos certeza de que escolhemos o lugar certo”.
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A Kalimat trouxe seis bibliotecas árabes para o Brasil, com 100 livros cada. Uma foi esta, doada à Biblioteca de São Paulo, e outra irá para as crianças do Lar Sírio. As outras quatro devem ser doadas a outras bibliotecas estaduais, a serem divulgadas. As doações são uma parceria com a secretaria da cultura do estado de São Paulo.
Durante a visita, o diretor executivo da SP Leituras (organização responsável pela Biblioteca de São Paulo) Pierre Ruprecht mostrou as instalações da biblioteca, que conta com livros infantis e adultos, internet, filmes e jogos, e tem seções para pessoas com necessidades especiais, com livros em braile, audiolivros, livros falados e até um equipamento que segura o livro e vira as páginas automaticamente, para pessoas com deficiência física. “Estamos recebendo esta doação com muita surpresa e alegria porque essa é uma biblioteca de inclusão, de acessibilidade, e a gente se preocupa muito com pessoas da comunidade que de alguma forma estão isoladas”, informou Ruprecht.
De acordo com o diretor, não é usual receber doações de livros, ainda mais internacionais, e esta é uma oportunidade muito importante para a biblioteca que tem como missão principal a inclusão, social, física, de todas as ordens, e aproximação da comunidade através do conhecimento e da leitura. “Esta doação traz uma oportunidade de troca com as comunidades de língua árabe e as demais comunidades que frequentam a biblioteca, dando acesso a uma cultura diferente”, completou.
Para Silvia Antibas, “É muito importante receber essa doação aqui na Biblioteca de São Paulo, aproximar culturas é uma das nossas missões, isso vai dar oportunidade para a gente trazer novos visitantes e promover um maior intercâmbio cultural, fazendo um trabalho com as crianças árabes refugiadas em conjunto com as crianças brasileiras”.
“Ficamos honrados em receber a doação da Biblioteca Árabe, e acreditamos que o intercâmbio cultural e a leitura são o segredo para a união dos povos e o sucesso das duas nações [Brasil e Emirados]”, disse o cônsul Alalawi.
História
A Biblioteca de São Paulo foi inaugurada em 2010 no Parque da Juventude, onde ficava a Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, onde ocorreu uma rebelião em 1992 que resultou na morte de 111 detentos, e ficou conhecida como o “Massacre do Carandiru”. A prisão foi demolida em 2002 e o parque que está hoje no local foi inaugurado em 2003.
Para Ruprecht, o fato de a biblioteca estar neste terreno tem uma dimensão simbólica extraordinária. “É muito importante que uma prisão, aquela prisão, tão conhecida pelo massacre, tenha se tornado um parque e abrigado a nossa biblioteca; e do ponto de vista urbano, você não desativa um presídio com nove mil detentos e aquilo simplesmente desaparece, porque se criou uma comunidade em volta, e a biblioteca entra com o papel de pacificadora e de aproximar a comunidade”, finalizou.