São Paulo – O Brasil é o primeiro país a ter um selo de Carne Carbono Neutro (CCN). A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realizou pesquisa desde 2012 e desenvolveu um protocolo para a neutralização de emissões de metano em parceria com o frigorífico Marfrig, que detém os direitos de comercialização dos produtos por dez anos. Após esse período, o selo vira domínio público. Por enquanto, somente a fazenda Santa Vergínia Agro, no Mato Grosso do Sul, tem a certificação, mas já há sete certificadoras independentes habilitadas. Certificadoras independentes podem fazer o curso com a Embrapa para se habilitar.
Os produtos da nova linha de carnes com atributos de sustentabilidade Viva Carne Carbono Neutro, da Marfrig, estão sendo comercializados em dez lojas da rede Pão de Açúcar na cidade de São Paulo desde o dia 27 de agosto, e posteriormente irão para outras capitais. A Marfrig investiu cerca de R$ 10 milhões no projeto com a Embrapa, entre pesquisa, certificação de propriedade, criação da marca, construção dos padrões de corte, divulgação, royalties, entre outros.
“Ao incentivarmos a produção sustentável geramos valor para a empresa e para a cadeia de negócios. Além disso, o desenvolvimento da carne carbono neutro, em parceria com um dos mais respeitados centros de pesquisa e de inovação do agronegócio mundial – a Embrapa, reafirma o nosso compromisso com quatro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU ” disse em nota o CEO da Marfrig, Miguel Gularte. Os quatro objetivos são o combate às alterações climáticas, vida sobre a Terra, consumo e produção responsáveis e parcerias em prol das metas.
Segundo o pesquisador líder do projeto da Embrapa Gado de Corte, Roberto Giolo, essa é a primeira iniciativa do tipo no mundo. “Esse tipo de apelo no mundo corporativo é muito demandado, um selo desse tem um grande apelo no mercado internacional”, disse à reportagem da ANBA. A Austrália, grande produtora de carne bovina, deve lançar um selo como esse somente em 2030, ele informou.
A perspectiva é que mais de 90% dos produtos com o selo CCN seja exportado, segundo Giolo. “Isso vai dar uma maior visibilidade para a carne brasileira, e um processo certificatório independente, além do protocolo da Embrapa. Nossa visão é uma perspectiva muito interessante para quem vai comprar a carne”, declarou.
Como funciona
A ideia do selo, segundo Giolo, é minimizar a problemática do desmatamento, favorecendo o Brasil como produtor de carne e de um produto diferenciado. Mas a produção ainda é pequena e não deve alcançar grande escala porque é preciso plantar cerca de 200 árvores para neutralizar as emissões de em média quatro cabeças de gado por ano, informou o pesquisador.
Giolo contou que a fazenda precisa separar uma área de pasto com essas cabeças de gado e plantar as árvores, geralmente eucaliptos, e o gado deve viver em meio a essas árvores para que a emissão seja neutralizada e a fazenda obtenha o selo de carbono neutro.
Os três pilares do selo, segundo ele, são a neutralização do carbono, o bem estar animal em termos de conforto térmico e a qualidade da carne. O pesquisador afirma que as árvores no pasto garantem a neutralização das emissões de carbono dos animais, ou seja, o gás metano, dão uma melhor qualidade de vida ao animal, pois refrescam as altas temperaturas dos estados brasileiros criadores de gado, e ainda proporcionam uma carne de melhor qualidade, pois o animal não gasta tanta energia regulando sua temperatura corporal e pode ser abatido mais jovem.
“Dentro do protocolo amarramos uma série de estratégias de manejo que permitem melhorar a qualidade da carne. Pensando na qualidade, o animal que tem conforto térmico ganha mais peso, o tempo de abate é menor, e por consequência, a carne mais nova é de melhor qualidade. Além disso, a pastagem que tem nível mediano de sombreamento garante um pasto de melhor qualidade e valor nutritivo, assim, o animal se alimenta de uma forragem mais nutritiva e ganha mais peso em menor tempo”, disse.
A fazenda deve seguir todas as regras da legislação brasileira quanto ao desmatamento. Mas como saber se a carne que está no supermercado é realmente daquele boi que viveu no pasto com o bosque de eucaliptos? O protocolo exige uma identificação individual dos animais para haver rastreabilidade e garantir a qualidade do produto final, contou o pesquisador.
A certificação, por enquanto, não é para a fazenda toda. No caso da fazenda Santa Vergínia, 60% do gado é criado no pasto com as árvores, e eles pretendem chegar a 100% até 2026, disse Giolo. “É raro a fazenda toda ser silvipastoril [ter floresta e pasto], e este sistema de carne carbono neutro tem que ser silvipastoril, tem que ter tudo na mesma área, o gado, as árvores e o pasto, não pode ser em qualquer lugar”, contou.
Para o produtor, a integração pecuária-floresta resulta em ganho para o meio ambiente, conforto animal e produtividade. “A certificação CCN coroa a nossa dedicação a um projeto de integração que iniciamos em 2009”, disse em nota Arthur Pollis, presidente da Santa Vergínia Agro, que é a primeira fazenda no Brasil certificada com o selo CCN e fornecedora de gado para a Marfrig.
Giolo disse que o plano de agricultura de baixa emissão de carbono, ou plano ABC, do governo federal, lançado no plano safra 2009-2010, foi o pontapé inicial para o projeto. “Nessa toada que veio o nosso projeto, puxamos para o gado de corte e chegamos à carne carbono neutro, específico para a agropecuária”, disse.
Halal
A certificação tem uma marca internacional, a Carbon Neutral Brazilian Beef, em inglês, para exportação. Por enquanto, não há um selo específico voltado ao mercado halal. “Mas a certificadora halal pode ser habilitada pela Embrapa para certificar também o protocolo CCN. Além disso, para haver os dois selos, os animais têm que ser vendidos para um frigorífico halal da Marfrig”, informou Giolo.
No site da Embrapa há mais informações e é possível baixar um documento com as dúvidas mais frequentes sobre a carne carbono neutro.