Porto Alegre – A criativa indústria brasileira transformou o produto utilitário em necessidade de moda. Homens, mulheres, crianças de todas as classes sociais e culturais usam o tradicional chinelo de casa também para passear, ir às compras, à escola e, em alguns casos, até ao trabalho. Enxergando todas as possibilidades é que os calçadistas passaram a apostar firme nos chinelos dentro de sua grade de produção e fizeram do calçado o grande produto de exportação do setor. Grandes, pequenas e até microempresas diversificam suas linhas e investem nos chinelos.
O chinelo responde por mais da metade das vendas internacionais da indústria calçadista nacional. De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), de janeiro a setembro deste ano, o produto gerou 52,4% dos embarques do setor em quantidade, apesar de responder por apenas 18,8% da receita da exportação por causa do preço menor comparando a outros modelos. Nada menos que 45 milhões de pares de chinelos saíram dos portos brasileiros para ganhar o mundo neste ano, fazendo do País um importante player na área.
A empresa boaonda, localizada na cidade de Sapiranga, no estado do Rio Grande do Sul, existe desde 2008, sendo o chinelo o primeiro produto de lançamento, junto com o clog, produzidos em poliuretano, borracha termoplástica, EVA e PVC. A marca atende todos os estados brasileiros e exporta para mais de 30 países. “Desde sempre, foi o principal produto da marca, que tem como objetivo entregar conforto e bem-estar com design diferenciado”, conta o gestor de Marcas, Cássio Romani. Com uma produção atual de 5 mil pares ao dia, a boaonda conta com cerca de 30 linhas de calçados, sendo mais da metade de chinelos.
Os consumidores da marca são homens e mulheres que buscam produtos com conforto e design, que valorizam o bem-estar e, principalmente, no seu momento de descanso. Segundo Romani, o consumidor boaonda valoriza e entende os recursos da natureza como finitos e busca alternativas para contribuir com uma cadeia mais sustentável. Dessa forma, busca produzir um calçado de conforto gerado por meio de palmilhas, engenharia, design diferenciado, além da adoção de práticas sustentáveis na produção.
Durante o período a pandemia, a boaonda conseguiu manter sua produção. “Tivemos boas vendas em consequência do tipo de produto desenvolvido e o espaço que já havíamos conquistado no mercado. Com a junção destes pontos, conseguimos nos estruturar ganhando mais força de marca”, comemora o gestor.
A empresa atende o varejo físico e atua no virtual em redes multimarcas, além do e-commerce próprio. Para 2022, a boaonda pretende seguir crescendo, ganhando mercado e valor de marca. “Projeta-se um crescimento acima de 10% para o próximo ano”, avalia Cássio Romani.
Nova fonte de renda
A indústria de sandálias Lucapé, da cidade de Iguaraçu, no estado do Paraná, nasceu faz três anos, como uma alternativa de complemento de renda da família. A empresa funciona em um espaço que já começa a ficar pequeno, segundo a proprietária Karen Rayane Ribeiro da Silva Batista, que aos 28 anos decidiu largar o emprego formal em vendas e abrir seu próprio negócio. “Atendemos o mercado nacional, mas também já fizemos vendas para a Itália e Espanha pelo marketplace. Produzimos chinelos em borracha desde o tamanho infantil até adulto, com linhas femininas e masculinas”, explica.
Antes da pandemia, uma parte da produção era voltada para encomendas de produtos personalizados, para casamentos, aniversários e formaturas. Esse segmento foi descontinuado por hora, mas deverá ser retomado assim que o mercado de eventos se restabelecer. “Atendemos atacados e varejos, além de bordadeiras que compram nossos chinelos para serem decorados e personalizados com pedrarias”, explica.
Karen é a responsável geral da marca e conta com mais dois funcionários, sua produção é por demanda, mas em média produz 150 pares por dia. Ela observa que nunca ficou sem encomendas e o mercado para o seu produto sempre se manteve aquecido. “Temos planos de crescimento, o que também implicará na ampliação do espaço para que possamos retomar a produção de produtos personalizados”, planeja a proprietária da Lucapé, cuja inspiração para o nome é seu filho Lucas.
A Lucapé oferece duas linhas de chinelos, a tradicional com tiras largas e a linha slim, com tiras finas. A cartela de cores vai do preto, branco, passando pelo amarelo, verde, azuis, vermelho, rosas e com tiras metalizadas. E comercializa apenas as palmilhas. “Nosso produto utiliza matéria-prima de excelente qualidade e temos um design próprio de palmilha tendo em vista o conforto e a durabilidade dos chinelos”, ressalta a microempresária.
Um calçado eclético e confortável
O jornalista e pesquisador de moda Nelson Batista Zimmer lembra que no Brasil a produção mais famosa de chinelos se iniciou na década de 1960. Era assinada pela Alpargatas S.A, com o nome comercial: Havaianas. De lá para cá, o modelo se popularizou, ganhou inúmeras versões e acabamentos. Tornou-se hit entre jovens em diversos momentos históricos e hoje é o calçado mais eclético do Brasil. “Um dos símbolos do Brasil no exterior, conhecidas nas principais capitais de moda do mundo. Seu sucesso é, também, um case de marketing incrível, que conta a transformação de um produto simples, que viria a se tornar um ícone fashion popular e democrático”.
Zimmer lembra que “Nada mais libertador e confortável que um belo par de chinelos. Os calçados que atravessam barreiras culturais e econômicas, estão nos pés de todas as classes sociais e estilos, combinando com um guarda-roupa amplo. Ele destaca que com o tempo e a evolução, os chinelos passaram a também a comunicar através de suas estampas e cores, mensagens e informações de todos os tipos. “Bandeiras de países e movimentos sociais, personagens da cultura, combinações de cores, é possível ver basicamente de tudo nesses calçados que estão absolutamente nos pés de todos os amantes de praias e piscinas ao redor do globo”.
Novas propostas apresentam versões que incluem pedras e detalhes sofisticados às tiras dos chinelos, elevando os status desses calçados a verdadeiras joias. “Um movimento de glamourização que ganha fashionistas pelo mundo afora”, ressalta o pesquisador Nelson Batista Zimmer.
Na antiguidade:
– Os egípcios usaram folhas de palmeira e papiro para seus chinelos.
– Os indianos confeccionavam em madeira com tramas de palhas.
– Os chineses e japoneses produziam seus pares utilizando a palha de arroz.
– O povo Massai, originário da África, já utilizava o couro cru.
Nos Tempos Modernos:
Os chinelos ou sandálias de dedo, como costumamos denominar, têm origem após a Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos. Os soldados americanos que tiveram contato com a cultura japonesa levaram em suas malas, ao retornarem para casa, o zõri, chinelo usado naquele país, o que inspirou a sua produção com novos designs, cores, enfeites, materiais. O objetivo era oferecer um produto confortável para todas as idades e classes. A popularidade se deu nos anos 60, quando passou a ser adotado pelos que buscavam um estilo casual, principalmente, quem frequentava as praias californianas.
*Reportagem de Lisiane Mossmann, especial para a ANBA