São Paulo – Enquanto o transporte marítimo de cargas a granel entre o Brasil e o Oriente Médio segue fluindo, a exportação de produtos por navios de contêineres e por aviões foi bastante afetado desde que a pandemia da covid-19 começou. Em entrevista à reportagem da ANBA, dois executivos de empresas do Unigroup, holding da área de logística, contaram como funciona o transporte de cargas entre o Brasil e o Oriente Médio e o que mudou com a covid-19.
A normalidade da operação a granel tem como base um comércio de alto volume nas duas pontas que precisa do mesmo tipo de navio: o Brasil envia alimentos ao Oriente Médio e recebe fertilizantes da região. “O transporte de carga a granel vai muito bem, não teve impacto nenhum do coronavírus”, afirma Pedro Oliveira, gerente de desenvolvimento de projetos e negócios da Unimar, que é parte do Unigroup.
O transporte é feito por navios contratados por operação que vão dos portos brasileiros direto para o porto de destino no país árabe. Oliveira diz que os portos no Brasil funcionam normalmente no momento. Só há algum congestionamento por conta da produção recorde de açúcar, que começa a ser embarcada. “A grande maioria ao Oriente Médio”, diz o executivo, sobre o açúcar. O congestionamento, porém, não tem a ver com a pandemia e sim com o alto volume da safra.
Para produzir os alimentos que são enviados em cargas a granel, o Brasil traz do exterior também grandes volumes de fertilizantes para uso nas lavouras e esse adubo chega no mesmo tipo de carga, a granel, na qual partem os grãos. “Também estamos tendo um ano muito bom de fertilizantes, o Brasil importa por volta de 33 milhões de toneladas de fertilizantes”, diz Oliveira. Os árabes são importantes fornecedores do produto.
Contêineres
Já o transporte por navios de contêineres ao Oriente Médio foi bastante afetado na pandemia. Mesmo antes disso, o Brasil só tinha linha direta para esse tipo de transporte com o mundo árabe até o Marrocos, no Mediterrâneo. “Do Brasil, não há um serviço que vá direto para a maior parte dos países, os produtos que saem do Brasil com destino ao Oriente Médio sofrem transbordo”, explica Rafael Agustinelli, gerente comercial nacional da Logitrade e Almex, também empresas do Unigroup.
As cargas de contêineres que partem do Brasil ao Oriente Médio costumam parar em portos no Mediterrâneo, Norte da Europa e Ásia. Nestes locais são descarregadas e depois carregadas em outra embarcação, normalmente menor, na qual vão ao país de destino, juntamente com mercadorias de outras nacionalidades. “A demanda não é tão alta, o que acaba inviabilizando o serviço regular, então os donos dos navios acabam otimizando o espaço deles”, diz Agustinelli.
Diferente do granel, o Brasil e o Oriente Médio não têm um comércio equilibrado em produtos que são transportados em contêineres. “Você tem países que importam muito e não exportam tanto”, afirma Agustinelli. Há três saídas de navios de contêineres do Brasil ao Oriente Médio por semana, incluindo ao Mediterrâneo (Marrocos) e as indiretas. “O problema é a volta, eles não exportam tanto para a gente em contêineres”, diz o gerente.
O prazo para fazer um transbordo é de dois a três dias. Se a parada da embarcação retarda um pouco a chegada da mercadoria brasileira no mundo árabe, é também ela que garante a volta dos contêineres cheios. Isso porque se os navios não enchem seus contêineres no Oriente Médio para retornar ao Brasil, o fazem na Europa e na Ásia.
Os executivos acreditam que no comércio exterior esse tempo necessário para a troca de navio não é longo. “Hoje em dia, o tempo de trânsito de Santos ao norte europeu é de dez a doze dias, mais três dias no transbordo, mais uma semana (até o Oriente Médio), em menos de um mês a carga chega no destino”, fala Agustinelli.
A China
A ligação entre todos esses portos, no entanto, fez com que o transporte de contêineres entre Brasil e Oriente Médio ficasse sujeito não apenas ao que aconteceu nos seus mercados na pandemia, mas também ao que ocorreu nesses hubs. “Quando o Brasil entrou em quarentena, os shoppings fecharam, o comércio fechou, o dólar subiu, o Brasil parou de vender, a grande maioria da importação que havia da Ásia caiu drasticamente”, diz Oliveira. Com isso, os navios tinham menos carga (da Ásia) para retornar ao Brasil.
A baixa demanda por cargas fez o frete da China para o Brasil cair de US$ 1,5 mil para US$ 400 por contêiner e a quantidade de navios que viajam entre os dois países também diminuir para cerca da metade. Os executivos da Unimar e Logitrade relatam que os navios que fazem linhas até a Ásia ficaram mais concentrados em atender a própria Ásia e o transporte de contêineres ao Oriente Médio foi direcionado à região do Mediterrâneo.
“Aí acaba sobrecarregando os outros serviços”, explica Agustinelli, sobre o Mediterrâneo e Norte da Europa. Os navios do Brasil para o Mediterrâneo ficaram altamente demandados, nem sempre com possibilidade de fazer o transporte imediatamente para as empresas. Ao chegar no Mediterrâneo, o tempo de transbordo ficou maior devido à redução nas linhas de conexão para os demais destinos, precisando de mais tempo para as entregas.
Os maiores problemas relacionados ao transporte marítimo de contêineres ocorreram em maio, mas a situação ainda não se normalizou, segundo os executivos entrevistados pela ANBA. Oliveira afirma que há mais otimismo para o segundo semestre deste ano, mas ele acredita que não haverá uma retomada muito forte e haverá um bom período de transição até a normalidade.
Carga aérea
O transporte de cargas por via aérea foi o mais afetado pela pandemia. De acordo com Agustinelli, os serviços de duas companhias aéreas do Oriente Médio, que eram oferecidos de forma diária, passaram a ocorrer três vezes por semana. Também as linhas para enviar mercadorias com conexão, pela Europa, por exemplo, diminuíram. “A quantidade de carga carregada para o Oriente Médio caiu de 50% a 60% em relação a antes da pandemia”, relata Agustinelli.
O frete, que era tabelado, passou a ser cotado caso a caso, e os preços subiram. “Mas isso não é específico para o Oriente Médio, é mundial”, afirma Agustinelli. As cargas que vão por via aérea são transportadas em aviões de passageiros ou em aviões cargueiros, nesse último caso se forem mais pesadas e volumosas. Os produtos embarcados por via aérea costumam ser os de maior valor agregado ou com urgência para chegar ao destino, segundo os executivos.
Oliveira afirma que além da oferta de espaço reduzida para transportar produtos nos aviões, a carga que é prioridade atualmente é de equipamentos de proteção individual e hospitalares, como máscaras, de insumos hospitalares, respiradores. “Você não vai trazer um respirador de navio, vai levar 30 dias para chegar, você vai trazer de avião”, afirma.
Segundo os executivos, no transporte de cargas aéreas a volta à normalidade ainda é incerta e vai depender, assim como no caso do transporte de contêineres, do desenrolar dos acontecimentos relacionados à covid-19, como a criação de uma vacina e a confiança dos consumidores. “O que a gente transporta é o consumo, se não há consumo, não tem transporte”, diz Oliveira.
Unigroup
O Unigroup é uma holding que comporta várias empresas da área de logística sob seu guarda-chuva, tendo como foco principal o agenciamento marítimo. As empresas de agenciamento marítimo fazem a ligação entre o armador, que é o dono ou responsável pelo navio, e as autoridades locais, como Receita Federal e outros, para o transporte das mercadorias.
O Unigroup tem 150 funcionários no Brasil e filial em todos os portos brasileiros, menos nos estados de Alagoas e Ceará. Entre as empresas do grupo estão a Unimar, de agenciamento marítimo portuário, a Uniocean, a Multiseas e a Uniline, que são escritórios de armadores de contêineres que a empresa representa, a Logitrade, de logística marítima, a Almex, de logística aérea, e a Casa Marítima, para novos projetos.