São Paulo – Há 800 anos um líder cristão viajou até o Egito em missão de paz. O encontro aconteceu em meio à época das Cruzadas, expedições medievais militares de cristãos do Ocidente contra territórios do Oriente. A visita de Francisco de Assis ao líder religioso muçulmano, o sultão Al-Malik al Kâmil al Ayoubi, marcou um passo em direção à tolerância religiosa. Agora esse gesto será reproduzido com a visita de franciscanos a muçulmanos na Mesquita de Santo Amaro (foto acima), em São Paulo.
O evento ocorrerá no dia 28, a partir das 21 horas. O convite da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil foi aceito pela Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), e tem apoio da União Nacional Islâmica e da Sociedade Beneficente Muçulmana.
Se em 1219, na época de Francisco e do Sultão, a visita se deu em contraposição ao cenário de uma guerra motivada pelas diferenças religiosas, quais os desafios desse novo encontro? “No mundo em que nós vivemos hoje, um em cada quatro pessoas professam o Islã. E a maior religião do mundo é o catolicismo (cristianismo). Os habitantes dessa Terra precisam esquecer as diferenças e se alicerçar sobre a preservação desse ser humano, antes de tudo. É pela paz, pela integridade física e contra violência”, declarou o vice-presidente da Fambras, Ali Zoghbi, à ANBA.
No Brasil, 35.167 pessoas se declararam muçulmanas em 2010, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já os católicos, entre ortodoxos e os que se declaram católicos apostólicos brasileiros e católicos apostólicos romanos, somaram 123,97 milhões de pessoas.
Para Zoghbi, a mensagem de tolerância é extremamente atual. “Principalmente na nossa sociedade brasileira tão polarizada. É importante para darmos a mensagem de que as pessoas de bem estão juntas. Uma sociedade harmônica, com justiça social. Uma sociedade com construção de pontes e não de muros”, completou.
Além de acompanhar a oração da noite na Mesquita, os franciscanos e muçulmanos vão partilhar cânticos árabes e músicas ligadas à paróquia dos franciscanos, além de assinar um documento manifestando o desejo da manutenção do diálogo muçulmano-cristão. A declaração será assinada pelo xeique Mohamed al Bukai, a irmã Cleusa Aparecida Neves, presidente da Conferência da Família Franciscana do Brasil (CFFB), e o frei César Külkamp, presidente da Conferência dos Frades Menores do Brasil (CFMB).
Entre as propostas do documento estão próximos eventos em conjunto. Uma das possibilidades é uma visita dos muçulmanos ao Mosteiro São Bento, na capital paulista. Zoghbi vê o encontro como oportunidade de mostrar o empenho em promover o diálogo inter-religioso. “Vivemos tempos difíceis, marcados por intolerância religiosa, e isto precisa ser combatido. E no que tange à islamofobia, só venceremos este tipo de preconceito com oportunidades de mostrar o verdadeiro Islã – uma religião que promove a paz, a tolerância, a compaixão, a justiça social e, acima de tudo, a preservação da vida”, disse, em nota.
Veja, abaixo, o vídeo gravado pelo xeique Mohamed al Bukai, convidando ao evento:
Intolerância em 2019
Já em 2019, o registro de atos de intolerância religiosa dobrou na cidade de São Paulo, no primeiro quadrimestre do ano, em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo dados da Polícia Civil, entre janeiro e abril de 2019 foram 562 notificações, frente a 280 nos mesmos meses de 2018.
No dia 20, o Estado de São Paulo estabeleceu punições administrativas aplicadas por atos de discriminação por motivo religioso. As denúncias poderão ser feitas na Ouvidoria da Secretaria da Justiça e Cidadania, por meio do Fórum Inter-Religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Crença, acessando este site.