São Paulo – O culto ao boi Ápis no Egito Antigo foi uma das referências para a criação do espetáculo de teatro, dança e performance Urrou, da atriz, dançarina e pesquisadora da cultura popular brasileira Mônica Alvarenga. A peça é um solo da artista, com direção de Ederson Cleiton, e faz uma passagem pelos bois na história da humanidade, desde o Ápis até o Bumba Meu Boi, personagem das festas populares do estado do Maranhão, no Brasil. Veja teaser do espetáculo abaixo.
O espetáculo partiu de uma pesquisa da autora e começou a ser apresentado no ano passado. Ele pode ser visto no final deste mês, no dia 24 de maio, no Sesc São José dos Campos, no interior de São Paulo. “Meu espetáculo é inspirado nas manifestações populares da festa do Bumba Meu Boi e nos rituais do culto ao boi”, contou Mônica em entrevista à ANBA.
A autora chama o espetáculo de poético, ritualístico e político, e conta que ele tem como base o nascimento, batizado, morte e ressurreição do Bumba Meu Boi, o mesmo ciclo da natureza, com suas estações primavera, verão, outono e inverno, e de Jesus Cristo, segundo ela.
“Antes do cristianismo existiu o mitraísmo, do deus Mitra, onde sacrificavam o boi e bebiam o seu sangue, e isso foi levado para o cristianismo, beber o sangue de Cristo, que é o vinho”, diz. O boi Ápis, com seu chifre dourado, é considerado o boi em sua fase de nascimento, e o último boi da humanidade é para a artista o Bumba Meu Boi, da morte, com o chifre vermelho.
Essa história começa no palco com a atriz nua, em um espaço de performance definido por cordas com nós vermelhos, e cercada pela plateia, que participa da peça. Os nós são referência ao boi Ápis, que tem um nó na língua, e à língua do Bumba Meu Boi. A festa do Bumba Meu Boi é baseada na lenda de um boi que morreu e ressuscitou. A escrava Catrina, grávida, pediu ao marido uma língua de boi para comer. Depois de matar o bicho, ele descobriu que o boi era o preferido do dono da fazenda, e o animal foi ressuscitado por curandeiros.
A artista começa tudo nua para que dê partida ao espetáculo sendo ela mesma e depois vá se transformando no boi. “É como se fosse o nascimento do boi, o bordado do couro do boi”, explica. O fato de uma artista, mulher, interpretar um boi, masculino, dá um tom político ao espetáculo, com empoderamento feminino. A corda está posta no palco na diagonal fazendo referência ao Labirinto de Creta, local em que o rei Minos prendeu o Minotauro, personagem com corpo humano e cabeça de boi, segundo a mitologia grega.
O espetáculo tem outros elementos, como tambor xamânico – instrumento usado em rituais com música e dança muito antigos-, o cântico da religião afro terecô, o vinho para distribuição à plateia como acontece na festa do Bumba Meu Boi, cabeças de bois feitas com arame, cuia com água para lavar as mãos, entre outros. A movimentação corporal da peça está baseada na dança do arcabouço (ou corpo) do Bumba Meu Boi conectada com o Laban, técnica de dança pela qual os movimentos vão criando formas. A pesquisa do espetáculo partiu desta técnica.
O espetáculo é o trabalho de conclusão do curso Formação em Laban e a Arte em Movimento feito por Mônica com a diretora de teatro Denise Telles-Hofstra. O curso foi feito em 2017 e concluído em março de 2018, tendo como resultado o TCC em formato de espetáculo. Foram três meses de muita pesquisa, segundo a autora. “Tive a ideia de retratar a relação da figura mitológica e totêmica do boi com a humanidade no mês de dezembro de 2017. Em janeiro de 2018, comecei a pesquisa e a criação do espetáculo”, conta.
Na pesquisa sobre a relação da figura totêmica mitológica do boi com a humanidade, Mônica chegou ao boi Ápis. “Considerado a primeira figura mitologia reverenciada pela humanidade, onde tinha cultos, celebrações ao boi”, afirma. A autora fala que África, onde fica o Egito, e Brasil, estavam juntos na Pangeia, supercontinente que teria existido na Terra até o período Cretáceo, segundo alguns estudiosos. O espetáculo também traz referências a outros bois, como os das touradas, dos autos medievais, a constelação de touro, a criação de um bezerro de ouro pelo povo de Moisés. “Faço toda essa relação do boi com a humanidade”, diz.
Além da apresentação no Sesc São José dos Campos, o espetáculo Urrou vai participar de alguns festivais até julho, entre eles o Festival de Teatro Nacional de Bolso, em Brasília, o Festival Nepopó, de São João Nepomuceno, e o Festival Internacional de Teatro Sapucaia, de Santa Rita do Sapucaí, os dois últimos no estado de Minas Gerais. “Urrou” já recebeu vários prêmios.
O diretor do espetáculo, que é marido da artista, é também cenógrafo, criador do projeto de luz, iluminador, técnico e produtor. Na operação de som, assistência de produção, maquiagem e fotos está Elisa Monteiro. A concepção e criação é toda de Mônica. Ela trabalha com artes cênicas há 23 anos, com pesquisa cultural há 15 anos, e tem um estúdio de dança, o Ateliê Cênico de Dança, em Pindamonhangaba, cidade em que nasceu e na qual mora.
Mônica é formada em Artes Cênicas pela Faculdade Santa Cecília (FASC), de Pindamonhangaba, e especialista em Dança e Consciência Corporal pela FMU, de São Paulo, entre outros cursos. A artista também dirige uma companhia de dança profissional, a Clã de Dança, e uma companhia de teatro popular, de rua e palhaçaria, chamada Cia Núcleo Cênico, e criou o grupo de estudos da cultura popular brasileira para mulheres Elekô Coletivo Cultural, entre outras iniciativas. Ela é neta de escritora e poetisa Maria José de Alvarenga.
Serviço
Espetáculo Urrou
Dia 25 de maio de 2019 (sexta-feira), às 21h
Sesc São José dos Campos
Av. Dr. Adhemar de Barros, 999 – Jardim Sao Dimas – São José dos Campos – SP
Ingressos: R$ 5 (matriculados no Sesc), R$ 8,5 (meia) e R$ 17 (inteira)
Mais informações aqui
https://www.youtube.com/watch?v=ZtzD5ibsFrY