São Paulo – A história da imigração árabe no Brasil está registrada em diversos aspectos, entre eles na alimentação. E dentro da alimentação, um universo de possibilidades. Para analisar um destes possíveis tópicos, o Museu do Café de Santos (SP), investiga e ouve imigrantes de países árabes com abordagem no grão que é sua especialidade.
No projeto de história oral Memórias do Café Árabe, os pesquisadores Bruno Bortoloto e Pietro Amorim estão ouvindo pessoas que vieram destes países e residem, hoje, no Brasil. “O objetivo é ter maior acesso a uma cultura que temos pouco conhecimento no Brasil e, principalmente, vê-la pelo olhar do árabe e não por nosso olhar viciado de ocidental. Às vezes, enxergamos com um olhar que não é o mais acertado”, disse Bortoloto à ANBA.
A iniciativa surgiu quando a diretoria do museu santista estabeleceu contato, em 2016, com o Museu do Café de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. “A ideia é dar um pouco de voz a essas pessoas. Percebemos que a cultura do café árabe mesmo na área do barismo é pouco estudada. Você tem só a forma de fazer o café, mas não vê que tem por trás ritos e tradições. Procuramos em restaurantes árabes e são poucos os que têm disponível. Pode ser até questão do paladar do próprio brasileiro”, afirmou o pesquisador. A ideia inicial era realizar uma exposição que entrasse em cartaz tanto aqui quanto lá sobre o café árabe. O diretor executivo do Museu do Café de Dubai, Khalid Al Mulla, chegou a doar alguns objetos (foto acima) ao museu do Brasil.
Desde esse primeiro esboço até aqui, se passaram dois anos. “Ficamos interessados no assunto e fui saber o que existia de bibliografia do tema. Descobrimos que o café árabe foi tombado em 2015 como Patrimônio da Cultural e Imaterial da Humanidade pela Unesco. Achamos os inventários de tombamento de Omã, Emirados Árabes, Catar e Arábia Saudita. Ali vimos que tinha alguma coisa para pesquisar. Os inventários dos Emirados são bem completos sobre tradições, ritos e os objetos que usavam no preparo, e pontuam como existem estes itens específicos dos povos beduínos”, contou Bortoloto. A Unesco é a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Pensando em como poderiam aprofundar esse estudo no Brasil, os pesquisadores passaram a procurar a resposta na própria comunidade árabe no país. “Buscamos os emigrados propriamente, tanto os que chegaram nos anos 60 e 70 quanto os atuais, das mais variadas proveniências. Até agora entrevistamos libaneses e sírios. E, com base no documento da Unesco, pontuamos algumas questões para saber se o café árabe ainda é presente na vida deles. Como era lá em seus países de origem? E como são aqui no Brasil os ritos do café árabe? Nas pesquisas vimos que se fala bastante do café nos funerais, casamentos, por exemplo”, destacou Bortoloto.
O processo começou em 2017 e segue em aberto com triagem dos pesquisadores com possíveis entrevistados. A ideia é que os áudios e textos fiquem disponíveis na internet futuramente. Por enquanto, o acervo pode ser acessado pessoalmente, no próprio Museu do Café de Santos. Até agora foram seis entrevistados. Entre eles, pessoas em situação de refúgio, de origem síria, que chegaram aqui entre 2013 e 2015, e libaneses.
Assim como o próprio idioma se modifica de um país para outro da região árabe, o pesquisador explica que com os utensílios do preparo do café acontece o mesmo. Do lado do Mediterrâneo, é utilizado o chamado rakwe. Já no Golfo, o nome dado ao instrumento é dallah. Alguns destes objetos, como as funjals ou finjians (xícaras) e a Altawa e Almehmas (panela de torra e mexedor), doados pelo museu de Dubai estarão disponíveis na exposição. A expectativa é que a mostra seja realizada até o final do ano com o material selecionado.