São Paulo – O setor de caprinos e ovinos do Brasil tem uma nova oportunidade aberta no cenário internacional. Desde março deste ano, já é possível exportar este tipo de carne ao Kuwait. O país do Golfo já havia manifestado interesse pela carne ovina do Brasil em 2017, através da Autoridade Pública para Agricultura e Recursos da Pesca.
A demanda, no entanto, não tem perspectiva de ser atendida no curto ou médio prazo. Isso porque o Brasil ainda precisa importar carne ovina para atender seu consumo próprio de países como o Uruguai, enquanto o setor de caprinos tem pouco incentivo para produzir e carece de maior organização. Segundo os indicadores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil importou 6,39 milhões de quilos de carne de ovino e caprino em 2019.
Hoje, o rebanho nacional de caprinos gira em torno de 9,8 milhões de animais, sendo que 90% se concentra no Nordeste. Já os ovinos são 18 milhões – 60% está no Nordeste e 25% no sul do País. A produção de carne de ovinos é de 91 milhões de toneladas. Para suprir o mercado interno, o Brasil ainda importa pelo menos 10% do volume que consome, a maior parte do Uruguai.
Exportação
Segundo o pesquisador Marco Bomfim, chefe-geral da unidade Caprinos e Ovinos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que participou da missão da Embrapa aos Emirados Árabes Unidos, o Brasil está atento à procura externa. “Temos um mercado de exportação demandante. Tivemos demanda do mercado árabe, de países como o Egito. Mas hoje o sistema da caprinocultura no país não está preparado. Normalmente, a necessidade é de animais vivos. Há uma perspectiva porque a cadeia tem crescido. Nos últimos anos cresceu 75% no país. A cadeia está se organizando. Temos vários abatedouros especializados visando esse mercado no Oriente Médio”, afirmou em entrevista por telefone.
Uma fonte no Kuwait informou à ANBA que a demanda pelo produto realmente existe, mas seria preciso um longo planejamento para definir o volume, a qualidade e a que preço o Brasil poderia entregá-la. Segundo a fonte, assim como o mercado de frango é todo brasileiro no Kuwait, o de ovinos e caprinos é totalmente da Nova Zelândia. Já os caprinos comprados pelo país árabe são vendidos principalmente por nações como a Somália e a Índia, ambos mais próximos geograficamente ao Kuwait do que o Brasil.
Para driblar estas barreiras, Marco Bomfim acredita que os produtores têm a seu favor experiências prévias do setor de bovinos e aves. “Como o Brasil tem uma ótima relação com esses países, há uma perspectiva de fazer esse mix para comercialização. A ministra da Agricultura [Tereza Cristina] esteve no ano passado no Egito, onde houve demanda por 10 mil cabeças de caprinos. Não estamos ainda preparados para suprir isso, mas é uma demanda real”, explicou.
A ideia é que o setor se beneficie da logística já estabelecida pelos embarques das outras carnes. “As perspectivas são muito boas. Não é para curto prazo, mas o Mapa tem incentivado a diversificação. Já há um interesse muito grande em animais vivos, mas em alguns países é importante que o abate seja halal aqui”, explicou ele.
Entre os árabes, a maior procura é por cordeiros, enquanto os caprinos são mais vistos como rebanho para produção de leite. Os Emirados possuem, segundo Bomfim, pequenos criadores de caprinos e ovinos. Esse é um dos pontos que o país árabe quer que a Embrapa apoie ao estabelecer um escritório lá, o que está em negociação. “Lá há pequenos criadores de caprinos e ovinos e, entre outras, há a ideia de levar tecnologias que a Embrapa utiliza no semiárido brasileiro para apoiar essa criação”, disse.
Organização: o ponto chave
Para chegar ao mercado externo, no entanto, o pesquisador lembra que é preciso que o país se estruture melhor. A expectativa é que sejam levados pelo menos cinco anos para amadurecer o ambiente interno e, só então trabalhar em contratos internacionais. “A organização da cadeia talvez seja nosso maior desafio. A ideia é fortalecer esses grupos produtivos, associações e cooperativas ligadas a abatedouros. O primeiro passo seria ocupar esse espaço no mercado nacional com carne de valor agregado e na sequência ganhar musculatura para entrar em contratos internacionais”, apontou.
Uma das soluções pode estar em unificar cooperativas para que produção e abate ganhem maior escala. “Essa é uma perspectiva de futuro, das cooperativas se associarem”, explicou Bomfim. Mesmo pensamento tem o presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Caprinos (ABCC), Arlindo Ivo, que vê necessidade de organização, especialmente no abate. “Uma exportação agora não poderia ser muito expressiva por conta disso, o abate é muito pulverizado. Para enfrentar uma exportação de carne teria que ter toda uma reorganização na cadeia e a produção ser dirigida praticamente para dois ou três abatedouros apenas”, explicou.
Ainda assim, Ivo tem visto iniciativas do setor privado para fazer um abate em maior escala. “Deve começar a funcionar no próximo ano, em Pernambuco, um abatedouro específico para caprinos e ovinos. Aí acho que se começa a ter uma organização dessa cadeia dirigida para um objetivo específico”, relatou o presidente, frisando que essa planta será apenas para abastecer o sul e sudeste do Brasil. Para Ivo, investimentos como esse são o início de processo de organização da cadeia. “Daqui uns 10 anos pode ser que exportemos. Que tem futuro, tem. Acho que primeiro tem que dar certo e o criador ser melhor remunerado se não ele não continua abatendo”, concluiu ele.