São Paulo – O diplomata Ahmed Eltigani Mohamed Swar acaba de ser formalizado como o novo embaixador do Sudão para o Brasil, onde, já de posse do cargo, começou a trabalhar para ampliar a cooperação entre os dois países.
Na tarde de quinta-feira (18), ele visitou a Câmara de Comércio Árabe Brasileira na capital paulista, pedindo à entidade dedicada ao desenvolvimento do comércio entre Brasil e os países da Liga Árabe, da qual o Sudão faz parte, apoio para atrair investimento brasileiro ao Sudão e divulgar oportunidades de trocas comerciais.
Direto, objetivo e com a fala tranquila característica dos profissionais da diplomacia, Mohamed Swar disse à ANBA que deseja ver o Brasil participando da reabilitação do Sudão, quando a guerra civil enfrentada pelo país tiver fim. Para o diplomata, Sudão e Brasil compartilham a vocação para produzir e exportar produtos agropecuários, e a experiência brasileira no setor pode ser decisiva na retomada econômica.
Desde abril do ano passado, o conflito vem prejudicando a produção econômica em diversas regiões do Sudão. Segundo conta Swar, um dos maiores projetos produtivos de plantio e beneficiamento de algodão do mundo instalados no país foi interrompido. Fazendas de agricultores brasileiros que se estabeleceram por lá na década de 2000, atraídos pela disponibilidade de terras e pelo clima mais favorável ao controle de pragas, estão entre as propriedades afetadas.
O conflito também tem dificultado as exportações do principal produto sudanês, a goma arábica, que tem várias aplicações na indústria alimentícia. Atualmente a maior parte da produção chega ao mercado internacional via Egito e países europeus já industrializada na forma de pó e redução líquida, processos antes realizados no próprio Sudão.
Além de conquistar o apoio do Brasil para a retomada econômica, o diplomata quer intensificar desde já as trocas comerciais. No ano passado, as exportações sudanesas para o Brasil somaram apenas US$ 33 mil, a maior parte em goma arábica. Há cinco anos, eram cerca de US$ 506 mil, incluindo, além da goma, tubos de aço e insumos para perfumes.
Na visão dele, a retomada passa pela reconstrução da infraestrutura ao fim do conflito. Para Swar, o Brasil poderia contribuir com a expertise de suas empresas de engenharia, mas principalmente do agronegócio, área em que busca apoio do governo brasileiro para viabilizar a formação de mão-de-obra e o acesso a tecnologias de produção.
As de demanda imediata são matrizes, reprodutores, material genético de animais e cultivares agrícolas que, na experiência prévia dos produtores brasileiros radicados no país, registraram boa produção no ambiente sudanês. O país também quer melhorar suas capacidades de refino de açúcar e viabilizar a produção local de etanol de cana-de-açúcar.
Confira a seguir os outros trechos da entrevista que Mohamed Swar concedeu à ANBA.
ANBA – Pode, por favor, falar um pouco sobre sua trajetória como diplomata, abordando os principais postos que teve e o trabalho que neles desenvolveu?
Ahmed Eltigani Mohamed Swar – Comecei minha carreira como diplomata em 1992. Minha primeira missão foi em Beirute, no Líbano. Foi um posto importante para mim, porque, naquela época, o conflito entre árabes e Israel estava se desenrolando no meio das negociações para o acordo de Oslo. Aprendi muito sobre esse acordo. Depois voltei para o Sudão e segui de lá pouco tempo depois para a Líbia, como cônsul-geral em Benghazi. Nossas relações com a Líbia na época permitiam que cidadãos sudaneses trabalhassem lá e fizemos, creio eu, um bom trabalho. Da Líbia, voltei para o Sudão, onde fiquei por dois anos, antes de ser transferido para a China. Fiquei dois anos e aprendi a falar um pouco de mandarim. Voltei então para a África. Servi na Mauritânia por quatro anos e em Gana por dois anos. Depois fui para Riad [Arábia Saudita]. Voltei para o Ministério de Relações Exteriores [no Sudão], para dirigir o departamento de protocolo. Então fui designado para o Egito, como diretor de recursos humanos da embaixada no país. Agora fui nomeado embaixador para o Brasil.
O senhor tem o desafio de promover a relação bilateral Brasil-Sudão no meio de um conflito. Como o senhor vê essa situação?
Meu país agora está enfrentando este conflito [civil], que espero seja encerrado em breve. Este é um dos nossos maiores desafios: a guerra. Não há estabilidade. Se você precisa contatar o governo central ou certos ministérios, às vezes é difícil, o que dificulta bastante as relações exteriores. No caso da relação do Brasil com o Sudão, o comércio é baseado na troca de produtos agropecuários. Temos uma cooperação em produtos de origem animal, um pouco em minérios. Nem sempre conseguimos ter respostas do governo central por causa da guerra. Mas estamos confiantes de que logo será encerrada. E então vamos trabalhar com o lado brasileiro [da diplomacia] pela reabilitação sudanesa. As trocas comerciais do Sudão e do Brasil são baseadas em produtos agrícolas. Esperamos que esse intercâmbio com o Brasil possa nos oferecer experiências e ferramentas que favoreçam a reabilitação do nosso país.
O Sudão também contribui com a economia brasileira, ao fornecer produtos importantes para a indústria alimentícia. Como Brasil e Sudão podem se desenvolver conjuntamente, na sua visão?
O Sudão tem vários produtos que podem ser exportados para o Brasil, como diferentes tipos de gomas arábicas [do qual o Sudão é o maior exportador mundial], óleo de gergelim e hibisco. Hoje o Brasil fornece ao Sudão, por exemplo, máquinas agrícolas. Nós temos empresas que já cultivam no Sudão cana-de-açúcar e que precisam da experiência do Brasil nesse segmento. Além disso, o Brasil também tem mais experiência em pecuária e produção animal do que o Sudão. Estamos tentando criar as condições em Brasília para essa troca de experiências e acreditamos que, com o fim da guerra, teremos condições de implementá-la.
A reconstrução também não poderia gerar oportunidades para o Brasil, no setor de engenharia?
O Brasil não tem a mesma agenda dos países ocidentais [na relação diplomática com o Sudão]. Falamos abertamente com nossos amigos [do Itamaraty] em Brasília que as empresas brasileiras podem perfeitamente compartilhar sua experiência conosco. Com o fim da guerra, creio que vamos precisar reconstruir a infraestrutura, especialmente as estradas, as pontes, a rede hoteleira. Para isso, vamos certamente precisar da experiência de empresas [que podem ser as] brasileiras. Especialmente no setor agrícola, as empresas e o governo brasileiros podem ajudar. Temos um acordo entre os ministérios de Agricultura do Sudão e do Brasil para implantar um programa de capacitação de mão-de-obra no Sudão baseado na experiência brasileira no setor agropecuário. Podemos ativar esse programa depois da guerra, para que profissionais sudaneses façam formações aqui, no Brasil. A força de trabalho também será fundamental no processo de reabilitação do Sudão.
Como estão os agricultores brasileiros que migraram para o Sudão há cerca de duas décadas para estabelecer cultivos por lá?
De fato, tivemos há alguns anos empresas brasileiras que investiram em estados no Sudão para o cultivo de grãos e de algodão. Infelizmente, muitas delas se localizavam em áreas que hoje estão conflagradas. Tivemos um histórico muito bom de intercâmbio com empresas agrícolas brasileiras participando do desenvolvimento do Sudão, especialmente no segmento de algodão. Esperamos que, finda a guerra, possamos criar as condições para que essas empresas retomem suas operações e que elas possam retornar ao nosso país.
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*Reportagem de Daniel Medeiros, em colaboração com a ANBA