São Paulo – A imigração árabe ao Brasil passa por momentos de grandes fluxos e outros de menor volume desde o final do século 19. Mas não para. Diretamente relacionada a êxodos provocados por conflitos e instabilidades nos países de origem, a imigração também tem relação com a presença de descendentes nas cidades brasileiras e com iniciativas do governo brasileiro em recebê-los. Nesta quinta-feira, 25 de março, é o Dia da Comunidade Árabe.
Professor de História Contemporânea do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Murilo Meihy afirma que não há uma imigração recente ou antiga de árabes para o Brasil. “A imigração árabe ao Brasil nunca acabou, ela é cíclica e está relacionada a conflitos no Oriente Médio. O Brasil é um destino porque aqui já há uma rede integrada que mantém esse fluxo ativo”, diz.
Professora de História de Ásia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora do livro “Imigração Árabe no Brasil: história de vida de libaneses muçulmanos e cristãos”, Samira Adel Osman também observa que os conflitos na região foram e são grandes impulsionadores de imigrantes.
“Podem ser exemplos questões locais e regionais: no final do século 19 questões como a vinda de cristãos para fugir do endurecimento de medidas do Império Turco-Otomano (do qual Líbano e Síria atuais faziam parte) ou dos conflitos religiosos entre drusos e maronitas; as guerras mundiais como outro motivo, já que as condições de vida precárias e a presença das potências europeias na região impulsionaram outras levas. A Guerra Civil do Líbano (1975-1990) também pode ser apontada como um fator local e mais atualmente a Guerra Civil da Síria em curso desde 2011”, afirma Osman. Nos últimos anos, a imigração de árabes ao Brasil assume uma outra condição: a de refugiados.
De acordo com dados reunidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e divulgados pelo Ministério da Justiça havia, em 2019, 79,5 milhões de deslocados forçados no mundo, dos quais 45,7 milhões eram deslocados internos; 20,4 milhões eram refugiados sob mandato do Acnur; 5,6 milhões sob mandato da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (Unrwa); 4,2 milhões solicitantes de refúgio e 3,6 milhões eram venezuelanos deslocados no exterior.
Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, a quantidade de sírios solicitantes de refúgio no País – a maioria entre os árabes – somou 429 indivíduos em 2019. No mesmo ano, houve 229 solicitações de refúgio de cidadãos do Marrocos e 196 do Líbano.
Coordenadora de Atendimento aos Refugiados do Instituto ADUS, Laura Lopes afirma que a ONG registrou um grande fluxo de refugiados sírios nos anos 2013 e 2014, mas esse fluxo tem se reduzido nos últimos anos. O motivo, avalia, é possivelmente financeiro porque deixar a Síria rumo ao Brasil tem um custo maior do que buscar refúgio em países próximos, como a Turquia e a Jordânia.
“O Brasil adotou políticas para receber os refugiados sírios no auge da crise e se apresentou como um país receptivo a eles. No entanto, não há uma estrutura de inserção na sociedade aqui”, afirma Laura. Em todo o ano de 2020, 27 refugiados sírios foram registrados no ADUS, volume que em 2013 e 2014 passou de 300 refugiados assistidos pela instituição, que oferece cursos de capacitação, orientação jurídica e aulas de português, entre outras atividades de apoio.
Estatísticas
A quantidade de árabes que migram ou migraram para o Brasil é motivo de controvérsia. Samira Osman cita dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostram que em 1940 aproximadamente 40 mil imigrantes sírios e libaneses chegaram ao Brasil, um número que não parou de crescer no decorrer dos anos.
“As estatísticas são controversas, sobretudo do ponto de vista de uma avaliação histórica desse fluxo migratório. O principal problema refere-se à forma como esses imigrantes foram registrados, sem uma padronização. Nos dados oficiais podem aparecer como turcos, turcos árabes, turcos não árabes, sírios, libaneses, sírios-libaneses, sírios e libaneses, árabes. O que podemos ter certeza: entre o final do século 19 e o final da Primeira Guerra eram registrados como turcos porque era o Império Otomano que expedia os passaportes. A região de origem (Líbano ou Síria) poderia ser especificada, mas não necessariamente era registrada pelos órgãos oficiais. Além disso, mesmo que provenientes desses lugares, também poderiam incorporar outras comunidades como armênios ou judeus”, afirma Osman.
Em julho do ano passado, a Câmara de Comércio Árabe Brasileira divulgou uma pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência e a H2R Pesquisas Avançadas sobre os imigrantes árabes. O estudo mostrou que, em 2020, viviam no Brasil 11,6 milhões de árabes e seus descendentes, sendo que 10% do total é imigrante e 41% são netos de imigrantes.
O futuro
Assim como ocorreu no passado e ocorre no presente, há uma tendência de que a imigração árabe se mantenha no Brasil, com momentos de maior fluxo e outros, de menor intensidade.
“Há regiões do Líbano, como o Vale do Bekaa, com famílias inteiras no Brasil, com divisões que se formaram em razão da instabilidade do país”, diz Meihy. “E como esse fluxo é histórico, ele deve permanecer. Afinal, existe patrimônio envolvido, vínculos nos dois países”, diz Meihy.
Enquanto isso, quem já está por aqui se esforça para construir a vida. Em 2013, o engenheiro sírio Talal Altinawi (foto acima), de 48 anos, veio para São Paulo com a mulher e seus dois filhos. Era mais um entre tantos refugiados que precisaram deixar suas casas em meio ao conflito que atinge o país desde 2011. Ele passou pelo Líbano antes de seguir para a capital paulista.
“A vantagem de estar no Brasil é que aqui as pessoas ajudam muito umas às outras e fazem isso com o maior prazer do mundo. Isso não acontece em todos os países”, diz. Desde que chegou ao país, Altinawi já vendeu comida sob encomenda, abriu um restaurante após juntar recursos em um rateio virtual e fechou o restaurante dois anos depois.
Altinawi já morou no bairro do Brás, na região Central. Hoje, no Campo Belo, zona Sul da capital paulista, voltou a fazer comida sob encomenda, em um processo que ele define como o de construção em sua vida no Brasil. “A desvantagem que vejo aqui, e não só aqui, é que a crise financeira dificulta o nosso crescimento”. Com a pandemia, as dificuldades cresceram: “Estávamos nos estabilizando, crescendo, mas a pandemia atrapalhou tudo. Ainda não estamos como gostaríamos, mas continuamos a tentar”, diz.
Mesmo em meio aos desafios, Talal se estabeleceu no Brasil. Hoje seus filhos mais velhos têm 18 e 15 anos. E a caçula, que nasceu em São Paulo, tem seis anos. “Volto para a Síria um dia para visitar o país, mas não para morar. Meu lugar de viver é o Brasil”, afirma.
*Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA