São Paulo – Em 2021, o petróleo foi o terceiro produto mais exportado pelo Brasil. Foram mais de 67 milhões de toneladas enviadas à China, EUA, Índia, Chile, Portugal e Coreia do Sul. Em contrapartida, o País importou derivados do produto principalmente da Arábia Saudita, Estados Unidos, Argélia e Iraque, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e da Secretaria do Comércio Exterior (Secex), ligada ao Ministério da Economia. Mas uma quantidade pequena de derivados veio da Rússia.
“Apesar do Brasil ser autossuficiente na produção de petróleo, exportamos o tipo mais pesado, que não é ideal para as refinarias do País, e importamos do tipo leve. Compramos derivados como óleo diesel e gasolina”, disse Mauro Rochlin, economista e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV). Na foto de abertura, planta de processamento de gás no sul do Iraque.
Não obstante a Rússia tenha tido uma pequena participação nas importações do petróleo do Brasil de 2021, só 0,6% do total, ainda foi um valor importante: 365 mil barris.
De acordo com Florival Carvalho, engenheiro químico e coordenador geral do Laboratório de Combustível do Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Eduardo Costa Pinto, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Instituto de Pesquisa do Setor Petróleo (INEEP), se o Brasil parasse de importar derivados russos, os países da Liga Árabe poderiam trabalhar para substituir os produtos.
“Por causa da situação financeira atual do Brasil, não existe muita perspectiva de aumento das importações, mas no caso hipotético de acontecer essa mudança, há espaço para que o petróleo russo possa ser substituído pelos derivados dos países árabes. Para ter essa troca, é necessário haver uma reestruturação nas refinarias brasileiras, porque o petróleo russo é mais pesado do que o da Arábia Saudita”, disse Costa Pinto.
Mudança de exportadores
Levando em conta o restante do mundo, a participação da Rússia como exportador de petróleo é bem maior. De acordo com a análise do Instituto Oxford para Estudos de Energia, os russos aparecem em segundo lugar como os maiores produtores de petróleo bruto do mundo. O país foi responsável por cerca de 14% da extração mundial e quase 40% das exportações de petróleo russo tiveram como destino a Europa em 2021, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).
Com as sanções impostas contra a Rússia em razão da guerra, diversos países, como o Brasil e a Arábia Saudita, podem aproveitar a oportunidade para aumentar as negociações da mercadoria com outras nações. “Há outras formas de substituir o suprimento do petróleo vindo da Rússia, e essa substituição pode ser feita principalmente pelo Oriente Médio, se tiver a capacidade de aumentar a produção. O Brasil também pode aproveitar quando o país sair de cena como exportador porque somos o oitavo maior mercado exportador do mundo”, disse Florival Carvalho.
O professor do Instituto de Economia da UFRJ concorda com o engenheiro químico, mas diz que outras coisas devem ser analisadas no quesito importações de petróleo. “Como a Arábia Saudita tem custo de produção mais baixo, vai ter um papel importante neste momento. Se for olhar o mercado de petróleo como commodities, vendo custos e preço, diria que a Arábia Saudita ganharia a disputa com os EUA em razão da produção mais barata, mas essa questão não é só econômica, como geopolítica.”
Para Carlos Henrique Canesin, professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), as sanções impostas à Rússia podem favorecer não só Arábia Saudita, como os outros países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), como Líbia, Kuwait, Iraque e Emirados Árabes Unidos. “Tem uma janela de oportunidade de elevar o poder relativo do grupo no sistema internacional. A curto prazo poderão direcionar estoques e a médio prazo aumentar a produção e elevar a oferta internacional do produto.”
Importação de gás
A escalada global do bloqueio ao gás russo ocorre em um momento em que o Brasil está cada vez mais dependente do Gás Natural Liquefeito (GNL) importado. No primeiro bimestre deste ano, o volume de importação de GNL subiu 42%, de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Esse tipo de produto é usado para alimentar a produção de energia nas usinas termelétricas, serve como combustível nas indústrias, nos navios, veículos pesados, etc.
Mesmo que a Rússia não seja um dos principais fornecedores para o Brasil, as mudanças na economia causadas pela guerra podem influenciar o valor de compra do gás. Com as sanções, deverá haver pressão sobre os preços internacionais, o que pode ter impactos na conta de luz dos brasileiros e nos custos industriais. Esse aumento é decorrente da corrida que começará por novos fornecedores de energia e da retração da oferta no curto prazo.
O Catar é um dos países que podem entrar na disputa pelo mercado de gás nacional. “É possível que a gente aumente a importação de gás do Catar na indústria, para substituir o óleo combustível, diesel”, contou Florival.
Os especialistas também acreditam que o Catar possa aumentar as exportações de gás para a Europa. Atualmente 30% do total do produto usado pelo bloco vem do país árabe e outros 32% são oriundos da Rússia. “Considerando as grandes reservas do país, localizadas na fronteira com o Irã, há espaço para uma substancial ampliação de oferta. No entanto, não deverá ocorrer no curto prazo porque demandará investimentos e parcerias na extração e construção de redes logísticas adequadas para direcionar a produção ao mercado europeu”, diz Carlos.
Para Eduardo e Florival, a mudança na logística é a chave para essa mudança. Já existem tubos e áreas centrais pré-estabelecidas que levam o gás da Rússia para a Europa. Por isso, a forma mais fácil de transportar o gás do Catar seria por navio. Mas essa mudança poderia encarecer o valor do produto. Tendo em vista esse cenário, é necessário aguardar as movimentações futuras dos países da Liga Árabe.
*Reportagem de Rebecca Vettore, especial para a ANBA