Giuliana Napolitano
São Paulo – A guerra no Iraque é controversa mesmo entre norte-americanos e ingleses. Para pelo menos um país, porém, a queda do regime de Saddam Hussein só vem trazendo boas notícias: o Kuwait. O país viveu uma década sob a ameaça de mais uma invasão por parte das tropas iraquianas – como a que ocorreu em 1991, durante a Guerra do Golfo. A segurança interna e externa progrediu. Mas a economia quase parou.
Entre 1998 e 1999, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 1,6%, já descontada a inflação. Dois anos mais tarde, outra retração, de 1%. Em 2002, houve crescimento, mas de apenas 2,3%. Percentual considerado baixo diante do potencial do país.
"Na época de Saddam Hussein, nossa maior preocupação era com a segurança. Não dava para pensar em economia tendo que cuidar tão fortemente da segurança", afirma Hamad Ali Alihazeem, encarregado de negócios da Embaixada do Kuwait no Brasil.
Agora o governo quer recuperar o tempo perdido. A prioridade, afirmou o diplomata, é estimular o desenvolvimento econômico, e a avaliação corrente é de que, para crescer, o país precisa se abrir cada vez mais para o mercado internacional.
"O plano é abrir o país. Queremos aumentar nossa relação econômica com todos os países, exportar e importar, investir e receber investimentos", declarou Alihazeem.
Porta de entrada para o Iraque
O governo vem tentando vender o Kuwait como porta de entrada para empresários que estão interessados em participar da reconstrução do Iraque mas não conseguiram firmar contratos diretos no país. Na prática: companhias fora do eixo Estados Unidos-Reino Unido, como lembrou o ministro brasileiro Luiz Fernando Furlan.
"Os grandes projetos no Iraque já têm dono", afirmou Furlan, durante o seminário "Como crescer em 2004", promovido pela revista Exame no mês passado.
Para o ministro, o Brasil tem chance de participar da reconstrução se optar por caminhos alternativos. Ele citou, especificamente, o Kuwait. "Visitamos o Kuwait neste ano e há grandes oportunidades para brasileiros lá", disse.
"O Kuwait fica a 120 km de Basra, que é a segunda maior cidade do Iraque. É como estar em São Paulo e vender para Campinas (cidade do interior paulista)", acrescentou Furlan.
Alihazeem concorda: "Somos porta de entrada para o mercado iraquiano". Ele informou que o governo já organizou pelo menos duas conferências sobre o tema. "Convidamos empresários para falar sobre as vantagens de investir no país e as chances de entrar no Iraque via Kuwait", contou.
O argumento não é apenas retórico. Além da proximidade geográfica, que facilita os contatos comerciais, o Kuwait também controla três portos que podem dar acesso ao mercado iraquiano. Isso não era feito no passado em razão do clima hostil que havia entre os dois países. Com a queda de um dos protagonistas do conflito, no entanto, as perspectivas animam as autoridades locais.
"Esperamos ser um dos pólos de comércio da região", afirmou o diretor da Autoridade de Portos do Kuwait, o xeque Sabah Jaber al-Ali al-Salem al-Sabah. "Vamos trabalhar para criar um nicho, já que os negócios são promissores", completou, em entrevista à revista Meed – Middle East Economic Digest, publicada em outubro.
O governo do Kuwait também espera que empresários locais se interessem em participar da nova fase do Iraque, disse Alihazeem. Segundo ele, o país tem boas chances no setor de construção, principalmente. Para os estrangeiros, existe ainda a opção de firmar parcerias com as companhias kuwaitianas.
Petróleo estatal
A economia do Kuwait é aberta a investimentos externos em muitos setores industriais. Há restrições para bancos – estrangeiros só podem ter 40% de participação em instituições financeiras. E um segmento que está inteiramente nas mãos do governo é o de petróleo e gás.
O Kuwait tem a quarta maior reserva de petróleo do mundo, de 97 bilhões de barris. A produção da commodity – de 1,9 milhão de barris por dia – é o que sustenta a máquina estatal: estima-se que mais de 90% das receitas públicas venham dessa indústria.
O lado positivo dessa estrutura é que ela permitiu que o governo conservasse um balanço de pagamentos saudável. No ano passado, o Kuwait teve um superávit em conta corrente de US$ 4,4 bilhões, volume que representou cerca de 12% do PIB, segundo números oficiais. A conta corrente engloba os saldos da balança comercial, da balança de serviços (que inclui gastos com fretes, royalties, turismo, juros da dívida etc.) e transferências de renda, e é considerada o melhor termômetro da situação do país com o exterior.
O problema é depender quase que exclusivamente de uma única fonte de recursos – ainda mais se o controle sobre a quantidade de produção e preços dessa fonte estiver nas mãos de terceiros, como é o caso do petróleo. O nível de produção é fixado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) e o preço, determinado pelo mercado internacional.
Por isso, o governo vem investindo para diversificar a origem das receitas. Novos projetos vão consumir cerca de US$ 2 bilhões do orçamento público para 2003/04, de acordo com a Meed. Na economia como um todo, o setor não-petrolífero já contribuiu com a maior parte de tudo o que é produzido no país. No ano passado, por exemplo, do PIB total de US$ 36,5 bilhões, US$ 21,3 bilhões, ou 58%, vieram desse segmento.
O país pretende ainda levar adiante o plano de integração regional. O Kuwait já faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), união aduaneira formada também pela Árabia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã. O objetivo do bloco, que reúne os maiores produtores mundiais de petróleo, é evoluir para um mercado comum.
"A união não é só econômica, mas social, política e cultural", explica Alihazeem. "Não queremos trabalhar sozinhos. Vamos fazer como o resto do mundo, formar blocos. Por exemplo, como faz o Brasil com o Mercosul", concluiu.

