São Paulo – A questão do Oriente Médio foi apresentada à santista Letícia Sé (foto) ainda durante o Ensino Médio. Depois da aula na qual ouviu sobre a história dos países árabes e da Palestina, Sé passou a estudar o tema por conta própria das mais diversas maneiras. “Minha impressão é que a questão árabe é mal discutida. Minha meta é contribuir para que as pessoas tenham uma visão mais delicada, principalmente sobre a Palestina. É analisado como um problema apenas religioso, de extremistas religiosos, e não é bem isso. Espero contribuir para que as pessoas tenham um olhar menos cristalizado desse tema e dessas pessoas”, concluiu Letícia Sé.
Sua contribuição, a jornalista recém-formada dá em espaço para outras mulheres falarem. Ela produziu, ao longo de um ano de trabalho, em 2018 o livro ‘Baulistanas: Histórias de mulheres árabes em São Paulo’. O título brinca com o sotaque das entrevistadas já que, na língua árabe a letra ‘p’ como conhecemos não existe. O som mais próximo dela é o ‘ba’ no alfabeto árabe.
O texto foi produzido como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no último ano da faculdade de Jornalismo na Faculdade Casper Líbero, em São Paulo. Agora, o conteúdo foi editado e se tornou livro-reportagem que ela imprimiu de forma independente para distribuir algumas cópias. A autora busca editoras para publicar a obra. Ainda em 2015, quando se mudou para São Paulo, a estudante passou a cobrir eventos e manifestações que abordavam temas do Oriente Médio. “Por minha família materna ter história de migração, vem essa minha proximidade, mesmo que seja com o povo árabe. Entendo um pouco a questão da identidade, de estar fora um lugar de onde você veio de alguma maneira. Tem essa empatia, mas são situações muito diferentes”, revela ela, que tem ascendência portuguesa.
Foi essa paixão pela história árabe que levou a agora jornalista formada a dar aula de português aos refugiados. E com eles, aprender árabe. Nesse ciclo, Sé se interessou cada vez mais pelo idioma e seus dialetos. Em viagem com a faculdade ao Marrocos, durante a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP22), realizada em Marrakesh, ela teve contato com o árabe do país.
Desde então, a jornalista estudou o dialeto com o professor de árabe marroquino, Felipe Benjamin, da USP, e, hoje, aprende o chamado árabe padrão moderno. “Essa experiência me deu a dimensão das diferenças entre o mundo árabe. Conhecer dialetos abriu em mim a consciência de entender os contextos específicos de cada história de migração antes de simplesmente categorizar em uma mesma história. A própria questão de chamar de ‘turco’ tem uma questão política por trás”, relatou.
As experiências trouxeram a vontade de produzir o livro-reportagem. A introdução dá um panorama geral da imigração dos árabes no Brasil e quem eram eles antes de serem comerciantes na Rua 25 de Março. “Então, a partir das entrevistas eu começo a perceber as diferenças das comunidades árabes. A comunidade palestina, por exemplo, quis preservar sua identidade por questão de ativismo, resistência”, exemplificou.
‘Baulistanas’, mulheres árabes
Sobre a escolha pelas entrevistadas serem mulheres, Sé explica o foco em dar a palavra para que as mulheres árabes contem suas próprias histórias. “Foi vontade minha porque estou um pouco cansada de ver reportagens onde o homem, chefe da família, fala e a mulher apenas corrobora ou nem fala. Elas não são protagonistas. E no caso dos refugiados acho que isso é reforçado de alguma maneira. Os clichês que a mídia coloca. Então, pensei por que não falar da questão de gênero? O mundo todo está falando disso, acordando para pensar sobre isso. Qual nosso papel nessa sociedade onde o mundo inteiro ainda é machista?”, questionou.
Enquanto repórter, a autora também vê seu trabalho como oportunidade. “A fonte mais fácil é o homem. Só que como eu sou uma jornalista mulher, isso se inverte um pouco. Para mim, fica mais fácil entrevistar uma mulher. Sinto que é um movimento da própria mídia de ser mais masculina e, sendo assim, é mais fácil entrevistar alguém mais masculino. Tentei usar essa ferramenta do gênero como discussão mesmo”, explicou.
Com uma pausa para refletir, a jornalista prossegue. “Me deu um frio na barriga no começo. Será que elas vão querer falar dos problemas delas e do que pensam? Porque não quero expor a pessoa. Queria que fosse algo realmente humano, mostrasse que pessoas são pessoas em todos locais e situações. São mulheres. Elas têm suas lutas de gênero nos seus contextos. Têm hábitos árabes, e gostam da cultura delas. Eu quis mostrar esses dois lados”, afirmou Sé.
Dentre os três perfis que dão forma à obra, dois são de mulheres nascidas em países árabes e uma das entrevistadas é da segunda geração de árabes no Brasil. “Eu já conhecia essas mulheres de alguma maneira, porque vou a eventos, cobri manifestações. E elas toparam contar suas histórias”. O livro aborda principalmente a região da Síria, Líbano e Palestina, chamada ‘Levante’. A única limitação que a autora se impôs foi pela busca de personagens desses dos três países. “Cada pessoa tem um jeito de ser e isso transparece. Foi muito rico ver como cada uma tem um tom. A jovem artista tem um, a mulher ativista tem outro e a professora ainda outro”, relembrou.
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Letícia Sé
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