São Paulo – A expansão do plantio de trigo para novas regiões do Brasil abre a perspectiva de o País se tornar autossuficiente e ter excedente do grão para exportar. Do Sul brasileiro, de onde vem a maior parte da colheita, as lavouras se espalharam para a área de Cerrado, a grande promessa para mudar o mapa da produção e do abastecimento de trigo no País. O desenvolvimento de cultivares adequadas ao clima e ao solo do bioma é um dos responsáveis pela boa notícia.
No Cerrado, Minas Gerais vem se destacando no avanço do plantio do trigo. O estado tem a terceira maior área de cultivo no Brasil, com 87,9 mil hectares na safra 2019, atrás apenas do Paraná, que possui a maior extensão em lavouras, com um milhão de hectares, e do Rio Grande do Sul, que tem a segunda maior área, 702,2 mil hectares semeados neste ano, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
De acordo com o chefe da divisão de Trigo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Osvaldo Vasconcellos Vieira, o estado de Minas Gerais produzia cerca de 50 mil toneladas de trigo há cinco anos. Na safra 2018, produziu 207,2 mil toneladas, segundo a Conab. “Estamos fazendo um trabalho forte dentro do Cerrado nos últimos quatro a cinco anos”, afirma Vieira, um entusiasta do trigo. Vieira lida diretamente com a pesquisa e está certo de que o Brasil será autossuficiente e terá excedente para exportar em alguns anos.
O chefe da Embrapa trigo conta que as cultivares mais adaptadas para o Cerrado foram lançadas há cerca de cinco anos, a partir das pesquisas da Embrapa, e que a produtividade na região pode ser altíssima, e chegar a sete mil quilos por hectare em lavouras irrigadas. O desenvolvimento de sementes de trigo para o Cerrado partiu justamente da necessidade de encontrar uma cultura adequada para fazer rotação com a soja na lavoura e da observação de região áridas ao redor do mundo produtoras do grão, segundo relato de Vieira.
A tolerância à seca dá ao trigo do Cerrado uma vantagem competitiva em relação ao milho, normalmente usado para revezar a terra com a soja. O trigo também tem se mostrado eficiente na dobradinha com a soja pelos resquícios que deixa na terra. No plantio direto, a semeadura é feita diretamente sobre a palhada da cultura anterior. “A quantidade de raízes que o trigo faz na terra aumenta a porosidade do solo para entrada de água e ar, beneficia muitíssimo a cultivar que vem depois”, afirma Vieira, citando ainda como fatores positivos a umidade deixada pela palha do trigo e a sua demora para se degradar.
O Cerrado mineiro avança a passos largos em direção ao trigo, mas outras regiões que detém o bioma, como Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste, e Bahia, no Nordeste, também fazem parte do grupo de novos produtores de trigo no Brasil. São Paulo, que assim como Minas está no Sudeste, integra o movimento. O estado de São Paulo vem logo atrás de Minas em tamanho das lavouras de trigo, com 82,3 mil hectares plantados na safra 2019. Algumas destas regiões já produziam trigo, mas vêm dando impulso ao segmento.
A Conab estima que o Brasil vai colher neste ano 5,48 milhões de toneladas de trigo, volume 1,1% maior do que em 2018. Afetadas principalmente por doenças na lavoura e clima, algumas regiões terão redução significativa de colheita. O maior aumento na produção, de 61,3%, é esperado em Goiás. Em São Paulo, a produção deve crescer 21,6%, em Minas Gerais, 5,6%, em Santa Catarina, 3,9%, e no Rio Grande do Sul, 3,4%. Nos demais estados haverá queda.
Na cidade mineira de Uberaba predomina o entusiasmo pela produção de trigo. A Embrapa abriu no município o Núcleo Avançado de Pesquisa e Transferência de Tecnologia para Trigo Tropical, que era uma vontade da prefeitura local e vem fomentando o cultivo do grão na cidade e arredores. O secretário de Desenvolvimento do Agronegócio de Uberaba, Luiz Carlos Fernandes Saad, conta que o município começou a se voltar para o trigo há cerca de três anos e que a área cultivada, que não chegava a mil hectares, hoje está na casa dos 6 mil a 7 mil hectares.
Assim como em todo o Cerrado, Uberaba produz tanto trigo de sequeiro quanto irrigado. A escolha normalmente depende das condições financeiras do produtor, já que a produção irrigada demanda investimento maior. Saad afirma que o município de Uberaba é o maior produtor rural de Minas Gerais e que tem alta diversidade na agropecuária, com rebanho bovino, lavouras de soja, de cevada, entre outros itens. O trigo deve favorecer diversificação ainda maior, segundo o secretário.
Um dos produtores de Uberaba que vem acreditando no potencial do trigo é João Ângelo Guidi Júnior. Para a reportagem da ANBA, ele contou que há cerca de nove anos plantava entre 80 e 90 hectares com a cultura. Na época, as sementes usadas não eram adaptadas para o Cerrado. Hoje, a área é de 450 hectares e são usadas as novas cultivares. A produção foi avançando em área e produtividade na medida em que foram surgindo as variedades para o Cerrado, conta ele.
Para Guidi, o trigo é uma opção de safra de inverno, após a colheita da soja. “Te dá cobertura de solo para plantio direto”, afirma ele. A soja é plantada em outubro e colhida em abril. No intervalo desses meses, a terra recebe o trigo. O produtor fala que o cultivo do produto é vantajoso financeiramente. Guidi produz tanto trigo com irrigação quanto de sequeiro.
Doença
Um dos desafios para a expansão da produção de trigo do Cerrado é a brusone, uma doença que afeta a planta e é capaz de dizimar as lavouras. Ainda não há sementes totalmente resistentes à doença. A Embrapa está trabalhando no desenvolvimento das variedades e espera lançá-las comercialmente em dois ou três anos. “Se resolvermos o problema da brusone, podemos nos tornar um dos maiores produtores de trigo do mundo, e de trigo de altíssima qualidade”, afirma Vieira.
O Brasil produziu 5,5 milhões de toneladas de trigo no ano passado e consumiu 12,4 milhões de toneladas, segundo dados divulgados pela Conab. Quase todo o trigo importado pelo País é da Argentina. A partir do uso das sementes resistentes à brusone, Vieira acredita que o Brasil tem condições de ter autossuficiência e excedente para exportar em cinco a oito anos.
Atualmente, o Brasil exporta principalmente trigo para ração animal, e não para consumo humano, segundo a analista de mercado do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), Isabela Rossi. São raras as exportações de trigo para farinha, segundo ela. Em junho, o Brasil exportou trigo para países como Libéria, Panamá, Ilhas Marshall, Portugal e Antígua e Barbuda. Não houve venda de trigo para farinha, só para ração.
As variedades introduzidas no Cerrado, porém, podem mudar esse cenário, já que geram um trigo de alta qualidade, principalmente para panificação. A produção oriunda das novas regiões produtoras foi muito bem recebida pelos moinhos brasileiros. “Atendeu à necessidade dos moinhos”, diz Vieira. “É o trigo melhorador”, fala o produtor Guidi sobre sua produção e a prática dos moinhos de misturar esse trigo a outros para elevar a qualidade final da farinha.
Nem todas os mercados mundiais têm demanda para esse trigo. Mas o chefe da Embrapa Trigo acredita que o Cerrado produzindo os grãos para o mercado interno, libera regiões produtoras de outras variedades para exportar. Os mercados árabes demandam trigo com alto teor de proteína, produzido no Sul do Brasil, uma variedade que não faz a massa crescer, que permite fazer o pão chato, segundo Vieira. O Egito é maior consumidor de trigo do mundo e outro país árabe, a Argélia, também é um grande consumidor, de acordo com o chefe da Embrapa Trigo.
Isabela Rossi, do Cepea, não acredita muito na possibilidade de o Brasil exportar trigo para farinha para os países árabes, em função das necessidades atuais de abastecimento do mercado interno, do custo com o frete marítimo e da concorrência com a Rússia. Mas ela admite que o cenário ideal para o trigo brasileiro é a exportação, no entanto, com autossuficiência e excedente na produção para tal.