São Paulo – A 15ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, que este ano tem formato virtual em plataformas digitais, respeitando o distanciamento social por conta da pandemia de coronavírus, teve sua abertura na noite desta sexta-feira (28). Com público de cerca de 350 pessoas, os participantes do painel virtual falaram sobre os filmes da mostra, a importância da difusão da cultura árabe, a pandemia que levou o evento a ocorrer de forma virtual e a tragédia no Líbano.
A fundadora do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe) e idealizadora da Mostra Mundo Árabe de Cinema, Soraya Smaili (foto acima), falou sobre o resgate do primeiro filme que a mostra exibiu, quinze anos atrás, no Cinesesc. O filme Nós e os Outros – um retrato de Edward Said (54 min., França, Estados Unidos, 2004) traz um pouco da biografia e vários diálogos com o intelectual Edward Saïd, falecido em 2003.
“Este filme retrata um pouco sua vida, sua trajetória, e fala da importância do outro para a compreensão de nós mesmos. E essa questão da compreensão do outro é fundamental tanto para nos entendermos como pessoas que têm a origem numa cultura que é milenar, mas também numa sociedade que hoje trata o outro como uma coisa estranha e por isso dificulta o diálogo e o desenvolvimento humano e social. Este filme tem um significado muito grande não só para o instituto, mas porque ele norteou uma série de outras atividades a partir do intelectual Edward Saïd”, disse Smaili.
Este ano a mostra traz quatro filmes inéditos. O curador Arthur Jafet fez uma apresentação dos filmes. “Começo falando do Líbano dentre os inéditos, não apenas pela desairosa tragédia que ocorreu no dia 4 de agosto na capital, mas também pela força cinematográfica que o país tem ostentado nos últimos anos”, disse Jafet.
Um dos filmes é Beirute, La Vie en Rose (73 min., Espanha, 2019) do diretor Èric Motjer. “Em Beirute, La Vie em Rose, desconstrói-se a forma como grande parte dos meios de comunicação em massa costumam retratar a região, ou seja, como uma zona de conflito. Através de depoimentos dados por célebres personalidades dos setores mais tradicionais da sociedade libanesa, imergimos em um mundo em que os indivíduos superam seu temor do futuro para viver a vida ao máximo como se nada houvesse mudado”, contou o curador.
Online
Smaili afirmou que a realização virtual da mostra este ano faz com que o diálogo permaneça, além de ajudar no desenvolvimento das sociedades árabe e brasileira. “Estamos seguindo todas as normas de distanciamento, como deve ser neste momento, mas que certamente vai levar a nossa querida Mostra Mundo Árabe de Cinema para todo o Brasil e também a América Latina”, disse.
A diretora cultural da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Silvia Antibas, afirmou que o fato dessa mostra ser em casa vai ampliar o público que assiste. “A última informação que eu tive foi de que tinha mais de 600 inscritos na plataforma, o que é maior que a capacidade dos cinemas quando você vai fisicamente”, declarou.
O presidente do Icarabe, Mohamed Habib, disse que o instituto fez questão de não interromper a “nossa peregrinação anual para o cinema árabe”, que ao longo desses quinze anos se tornou um marco cultural da cidade de São Paulo.
“A pandemia de coronavírus sem dúvida tem seu lado bastante triste e doloroso para todos nós, e nessa conjuntura realizamos a mostra de cinema, pois nossa missão é de interagir culturalmente com o que acontece no cotidiano do mundo em geral e do mundo árabe em particular”, disse.
Para o presidente da Câmara Árabe, Rubens Hannun, a mostra em casa também significa dar continuidade ao conhecimento da cultura árabe. “Ela não deixa de se realizar em um ano tão atípico e tão significativo, e essa é uma grande vitória. É extremamente importante e nós precisamos mesmo dar continuidade ao conhecimento da cultura árabe, do comportamento árabe, das atitudes árabes, para os brasileiros e para a comunidade árabe”, disse.
Hannun também concorda que sendo virtual, esta mostra irá atingir um número muito maior de pessoas em todo o Brasil. “Com certeza um contingente muito maior de pessoas vai assistir a essas obras, e com isso teremos gente do Brasil que não teria acesso se ela fosse presencial como foi nos outros 14 anos. Quem sabe nos próximos anos possamos fazer algo híbrido, que seja presencial e também virtual, para que todos os brasileiros tenham acesso”, sugeriu.
Mundos árabes
Antibas afirmou que o mundo árabe é muito diverso. “A mostra do mundo árabe é a mostra dos mundos árabes, que são muito diferentes entre si. É uma variedade de pontos de vista e só enriquece aqueles que assistem e discutem. Aprendemos muito vendo e assistindo esses filmes, do ponto de vista de diretores e diretoras que contam para a gente um pouco desses mundos, gosto de falar no plural porque realmente o mundo árabe é diverso”, disse.
O diretor do departamento Regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, afirmou que esta é mais uma importante manifestação da arte contemporânea cinematográfica “É significativo para nós termos conhecimento da realização dessa produção em países que muitas vezes não têm a possibilidade de mostrar no Brasil”, disse. Para ele, trazer a produção cinematográfica do mundo árabe ao Brasil se trata de conhecer mais profundamente o imaginário, as tradições, o conhecimento, a visão de mundo e tudo o que está presente na cultura árabe de maneira geral.
Assista a abertura completa no Youtube.
Todos os participantes do painel de abertura declararam sua solidariedade ao Líbano e à comunidade libanesa. Rubens Hannun lembrou que a Câmara Árabe está realizando uma campanha de doações ao país.
Após o evento virtual de abertura, houve exibição do documentário inédito no Brasil, Gaza (100 min., Irlanda e Palestina, 2019), dirigido por Garry Keane e Andrew Mcconnell. O filme narra o cotidiano de moradores da Faixa de Gaza, o que pensam e como convivem com o bloqueio econômico. Os enfrentamentos na fronteira com Israel que deixam jovens locais feridos e atrofiam vidas são mostrados como rotina em Gaza. Nas falas dos moradores é comum ouvir: só queremos viver nossas vidas em paz.
Mais informações sobre a mostra nesta reportagem. Todos os filmes já estão disponíveis na plataforma da mostra. Eles poderão ser vistos pelos usuários cadastrados a qualquer hora entre os dias 29 de agosto e 13 de setembro. Pela plataforma do Sesc, as exibições ocorrem somente às segundas-feiras, nos dias 31 de agosto e 7, 14 e 21 de setembro.
A mostra de filmes árabes vai até 21 de setembro. Com quatro títulos inéditos no Brasil, a seleção traz também 12 filmes que já passaram pela mostra desde seu início. Além da exibição dos filmes, serão promovidos quatro encontros online com diretores e convidados.
A realização da mostra é do Icarabe com correalização do Sesc-SP e patrocínio da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, e apoio do Instituto do Sono e da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras).