Giuliana Napolitano
São Paulo – As exportações brasileiras para os países árabes atingiram um patamar recorde no ano passado, ao chegar a US$ 2,6 bilhões. É o maior volume desde 1970, de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. As importações, porém, já foram muito maiores. No início dos anos 1980, por exemplo, passaram dos US$ 7 bilhões. Em 2002, ficaram em apenas US$ 2,3 bilhões.
A reviravolta é resultado da mudança no perfil de comércio entre o Brasil e os países árabes. Em primeiro lugar, diminuiu a dependência brasileira por petróleo importado. Hoje, segundo a Petrobras, o país compra do exterior apenas 15% do petróleo de que precisa. Na década de 1980, estava em 45%.
Essa foi a principal razão para as importações dos países árabes pelo Brasil despencarem. Como conseqüência, no ano passado, o país conseguiu um superávit histórico na balança comercial com o Oriente Médio, de US$ 306 milhões.
Foi o segundo – e maior – saldo positivo desde o começo da década de 1970 – o primeiro, de US$ 242 milhões, foi registrado em 1998, quando o câmbio ainda era controlado pelo governo.
Fim da "moeda de troca"
Mas, se por um lado a diminuição da dependência é positiva, por outro, também contribuiu para esfriar as relações comerciais entre o Brasil e o mercado árabe. A principal razão é que deixou de existir "a moeda de troca", explica o diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
"O governo brasileiro chegou a subsidiar o transporte para o Oriente Médio, que é bastante custoso. Havia linhas pioneiras", lembra. Isso porque o país precisava garantir o abastecimento de petróleo.
Foi nessa época, por exemplo, que o governo federal fechou grandes negócios com o Iraque. Além da construção de diversas obras de infra-estrutura por empresas brasileiras – como a estrada que liga Bagdá à Jordânia, feita pela Mendes Júnior -, a Volkswagen do Brasil vendeu 175 mil carros da marca Passat ao parceiro árabe. Esses automóveis, aliás, ainda circulam pelo país.
"Mas o Brasil começou a produzir mais petróleo e também começou a comprar óleo de outros países, como a Venezuela. A partir daí, o comércio decaiu", explica Castro.
Para o superintendente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), Benedito Pires de Almeida, fatores políticos também explicam o afastamento. "Alguns brasileiros chegaram a ser detidos no Iraque, contratos não foram cumpridos", conta. Ele acredita, inclusive, que a lembrança desses fatos negativos é outra razão que vem retardando a aproximação comercial dos Brasil com o bloco árabe. "Isso fica na memória", diz.
A conseqüência dessas mudanças foi a retração na pauta de negócios do Brasil com o mercado árabe: no final da década de 1980 e início da de 1990, os empresários nacionais exportaram praticamente apenas produtos alimentícios para a região, como açúcar, carnes, café e soja. "Era uma pauta bem restrita", afirma o secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB), Michel Alaby. "Mas, nos últimos anos, isso começou a mudar", ressalta.
Início da diversificação
Segundo Alaby, a partir de 1998, o governo federal e entidades como a CCAB passaram a investir em ações de promoção comercial do mercado árabe. "Começaram a ocorrer missões, feiras, no Brasil e nos países árabes, e isso vem contribuindo para alavancar as relações bilaterais", destaca.
Prova dessa reaproximação foi a visita ao Brasil, em setembro de 2000, do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Abdullah Bin Abdul Aziz Al Saud. Foi a primeira vez que um alto mandatário saudita veio ao país, de acordo com Alaby.
O resultado da visita não foi apenas diplomático: em meio à crise da doença da "vaca louca" na Europa – que é o principal parceiro econômico dos países árabes – Al Saud pôde conhecer o rebanho brasileiro, que estava livre da epidemia. Conclusão:da visita do príncipe para cá, as exportações de carne bovina do Brasil para a Arábia Saudita aumentaram mais de 1.000%.
De forma geral, a pauta de produtos comercializados entre o Brasil e os países árabes também começa a se diversificar. "A pauta ainda é bastante concentrada em frango, açúcar e café, principalmente", diz Michel Alaby. "Mas já começamos a vender automóveis, madeira, produtos têxteis, calçados, carne bovina. Enfim, o perfil está mudando", avalia.
Um exemplo dessa mudança é o caso da Marcopolo, líder nacional na fabricação de carrocerias para ônibus: as exportações da empresa para o Oriente Médio cresceram 9.200% desde 2000. Apenas neste ano, a Marcopolo já embarcou 328 ônibus para os Emirados Árabes Unidos, Omã, Bahrein e Arábia Saudita. Até outubro, mais 200 unidades serão vendidas.
Michel Alaby destaca ainda as oportunidades que começam a surgiu com os recentes processos de industrialização e abertura comercial. Segundo ele, países como os do Norte da África, a Síria e o Líbano, que vêm implementando políticas para o desenvolvimento industrial, "precisam de matérias-primas e bens de capital para as indústrias. É uma chance para o Brasil".

