São Paulo – A inflação elevada que afeta as principais economias desenvolvidas e emergentes deverá mostrar sinais de força no decorrer de 2022 e perder impulso em 2023 em consequência de um amargo remédio: o aumento das taxas de juros. No Brasil, os preços altos são influenciados pelo contexto global e, também, por questões particulares: cotações crescentes de commodities produzidas aqui e importadas, câmbio valorizado no decorrer de 2020 e 2021 e uma redução muito acelerada dos juros nos últimos dois anos, que obrigaram a uma alta igualmente rápida nos últimos meses.
De acordo com o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marco Antonio Rocha, a inflação elevada e resistente que se observa no mundo é uma consequência direta da pandemia, que desequilibrou as cadeias de suprimento globais e levou a problemas nos portos, pressionou preços de insumos para a indústria e elevou os custos com energia.
Com o fim da pandemia, avalia Rocha, outro elemento contribuiu para o agravamento dos preços: o conflito no Leste Europeu. Tanto Rússia como a Ucrânia estão entre os maiores produtores globais de trigo e milho, produtos que são, inclusive, insumos para a agropecuária.
Este cenário desafiador deverá se manter por todo o ano. “Achou-se que o conflito na Ucrânia seria rápido, mas com o começo da guerra viu-se que não. Agora, ninguém sabe quanto tempo vai durar. Além disso, há as sanções à Rússia, que vão continuar mesmo com o fim do conflito, e o mercado de energia não deve se normalizar. A inflação vai ser forte em 2022. Em 2023, talvez não seja tão elevada como neste ano”, afirma.
Assim como Rocha, o economista da Terra Investimentos, Homero Guizzo, avalia que a inflação irá desacelerar nos próximos anos devido à “dissipação dos choques de preços de commodities e energia”, aperto monetário e redução do crescimento, o que se reflete em menor demanda. “Em 2023, a inflação ainda será relativamente alta, mas provavelmente já terá cedido bastante em relação a 2022”, diz.
Guizzo cita dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) que indicam a desaceleração do aumento de preços. Nos Estados Unidos, a inflação deverá reduzir de 5,3% neste ano para 2,3% em 2023 até chegar a 2,0% em 2027. Na Zona do Euro, a projeção é de inflação em 5,0% neste ano, 4,2% em 2023 e 2,1% em 2027. “No Brasil, nossa estimativa para a inflação é que ela passe de 6,9% este ano para 3,5% ano que vem”, diz Guizzo.
Professor de Economia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Paulo Feldmann avalia que os preços subiram porque, na pandemia, diversas cadeias produtivas foram interrompidas, como, por exemplo, a de circuitos integrados. “Houve falta de produtos e quando há falta no fornecimento, sobe o preço, é a lei da oferta e da procura. A alta (de preços de alguns produtos) levou a uma repercussão generalizada”, diz.
Além de afetada pelo contexto global, diz Feldmann, a economia brasileira teve um elemento extra: a inflação dos alimentos. “O produtor, em vez de vender seus produtos aqui preferiu exportar porque os preços eram maiores”, afirma.
Como exemplo do aumento de preços decorrentes de pandemia e guerra, o barril de petróleo do tipo Brent atingiu cotação recorde em 2022 em 28 de março, cotado a US$ 127,98, valor que caiu para US$ 107,62 em 28 de abril. Em 24 de fevereiro, quando começou o conflito na Ucrânia, o trigo era cotado a US$ 9,34 por bushel (o equivalente a 35 litros), valor que subiu a US$ 12,94 em 07 de março e encerrou em US$ 10,91 em 27 de abril.
Oportunidades
Tanto Rocha como Feldmann alertam que o remédio aplicado para conter a inflação, que é o aumento da taxa de juros, pode levar a uma desaceleração da economia, redução do consumo e da geração de empregos. “Com juros a 12%, o empresário que pretendia investir e comprar uma máquina vai preferir investir em títulos do tesouro, afinal a máquina não vai trazer uma rentabilidade de 12% ao ano. E, portanto, deixa de gerar empregos que, eventualmente, o investimento geraria”, argumenta Feldmann.
“Aproximadamente 65% do PIB brasileiro é composto pelo consumo das famílias. A inflação prejudica esse consumo, aliada à taxa de desemprego. Afeta, portanto, a retomada do mercado doméstico e, então, do crescimento”, afirma Rocha. Entre as oportunidades, Rocha avalia que a inflação elevada ajuda a compor o superávit comercial do Brasil, que, contudo, tem um efeito limitado para a economia porque é pequeno em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do país. “Os efeitos positivos e em algumas áreas devem ocorrer nos setores de produção de soja, etanol e milho”, avalia.
Guizzo afirma que o agronegócio é um dos setores beneficiados com a alta dos preços porque Ucrânia e Rússia estão fora do mercado global de grãos. “Ainda que a guerra também tenha resultado em sérios problemas para o fornecimento de fertilizantes, o saldo para o agricultor brasileiro em termos de preço parece positivo”, afirma.
Neste cenário desafiador, Feldmann ainda vê oportunidades de negócios do Brasil com os países árabes. “Agricultura é muito importante para o Brasil e depende de fertilizantes, que vêm da Rússia, o que é um problema para o Brasil. Os árabes são grandes produtores de fertilizantes. Então é um excelente momento para substituírem o espaço da Rússia neste mercado aqui”, diz.