São Paulo – No começo do século 20, a grande travessia do libanês Bechara Nassar Frange foi chegar do longínquo Líbano ao Brasil. Alguns anos depois, o seu filho Jorge Nassar Frange assumiu a empreitada de transformar as atividades de marcenaria que desenvolvia em um grande negócio. Hoje, as novas gerações da família levam adiante o desafio de fazer da indústria de móveis JB Bechara – que tem raiz nessa história familiar e fica no município paulista de Tanabi – uma empresa alinhada com os princípios corporativos modernos de inclusão, diversidade e sustentabilidade.
A produção de móveis faz parte da trajetória da família desde a chegada do bisavô imigrante, que nos primeiros anos no Brasil ganhava a vida fazendo trabalhos de marcenaria em Tanabi, até o estabelecimento, por seu filho, de uma fábrica no segmento na cidade, hoje um negócio industrial de médio porte, a JB Bechara. Ser uma empresa familiar e marcada pela imigração, no entanto, não foi empecilho para a companhia se transformar rumo a práticas avançadas de governança, em um processo interno iniciado há cerca de sete anos e liderado pelo atual CEO, Rodrigo Nassar Bautista.
Vindo do mercado financeiro, o executivo chegou na empresa com o intuito de levá-la a novos patamares. O processo começou aos poucos, por mudanças simples como a troca da logomarca e a adoção de novos processos internos, e foi avançando para uma renovação mais profunda, que atualmente pode ser constatada em práticas sociais, de sustentabilidade e diversidade aplicadas no dia a dia. “Estamos refazendo nosso DNA”, explica Rodrigo.
O setor administrativo da JB Bechara tem 66% de mulheres na sua composição, a produção conta com um gerente homem e uma gerente mulher, e no quadro de funcionários a empresa mantém e faz questão de incluir homossexuais, negros e índios. “A diversidade é que nos enriquece”, constata o executivo Rodrigo. A JB participa do projeto Favela 3D, que visa dar autonomia social e financeira a comunidades de baixa renda no Brasil, e é responsável por preservar 840 mil metros de Mata Atlântica, com a presença de animais em extinção e densa natureza intocável.
No processo produtivo, os princípios adotados se refletem em práticas como o uso de papel 100% reciclado, de madeira totalmente de reflorestamento, no tratamento e reuso da borra da tinta, na utilização do plástico verde e na transformação do pó de serra em briquetes ecológicos. A JB Bechara, no entanto, se prepara para fazer um grande lançamento no mercado inserido nas práticas ambientalmente corretas. Mas o executivo Rodrigo prefere não adiantar a notícia. “Em 60 dias, a gente vai ter uma novidade bem legal em prol da sustentabilidade”, diz.
A empresa, que tem cerca de 100 funcionários, produz todos os seus móveis na unidade fabril de Tanabi, em área de 18 mil metros quadrados. São fabricadas cerca de 28 mil peças ao mês, tais como escrivaninhas, aparadores, racks, painéis, cristaleiras, puffs, cabeceiras de cama, tocadores e mesinhas cabeceiras de cama. Os produtos são em MDF e MDP. Dois mil canais vendem os itens Brasil afora. A comercialização via e-commerce responde por 40% do total.
A indústria também é exportadora. Apesar de esse não ser o foco principal do negócio, a JB Bechara está interessada em oportunidades que possam surgir no exterior. Atualmente são 15 os países que adquirem os móveis da empresa no mercado internacional, onde os maiores volumes vão para a América Latina. Também há embarques para os Estados Unidos, África e Emirados Árabes Unidos. A exportação responde por 10% da comercialização.
Do imigrante ao novo
A JB Bechara pertence atualmente a três netos do imigrante Bechara: Leila, Marcos e Isabel, filhos do fundador Jorge. Apesar do negócio seguir na mão da família, ficou estabelecido que, pela profissionalização das atividades, cada núcleo familiar só pode ter um representante na administração. O CEO Rodrigo, por exemplo, representa a sua mãe, Leila, na companhia. “Temos governança corporativa, um conselho consultivo”, relata, sobre a profissionalização da administração. Apesar do sobrenome ser outro, por causa do nome do bisavô, eles são conhecidos como os Bechara.
O bisavô é motivo de muito orgulho na família. Bechara trabalhava com pastoreio no Vale do Bekaa e era ainda um rapaz, com cerca de 20 anos, quando se mudou para o Brasil atrás de uma vida melhor, em 1921. O irmão já morava em São José do Rio Preto. Bechara desembarcou no Porto de Santos, mas não tinha dinheiro para ir até a outra cidade. “Ele caminhou durante três meses de Santos até Barretos”, relata Rodrigo. Segundo o executivo, seu bisavó se alimentou apenas com banana e água no trajeto até ser buscado pelo irmão, em Barretos.
“No dia 06 de maio de 1921 ele chegou em Tanabi”, conta o CEO e bisneto Rodrigo. No Brasil, Bechara Nassar Frange se casou com uma libanesa, Joana Madi, e teve quatro filhos. Outros descendentes do imigrante também possuem negócios na área de móveis. A JB Bechara foi a empresa deixada pelo filho de Bechara, Jorge Nassar Frange, o fundador da companhia, para as filhas mulheres. Mais tarde, um irmão delas se juntou ao empreendimento.
Transformando a empresa, Rodrigo se percebe fazendo o que acredita como ser humano e indo de encontro à sua formação familiar. Ele entende que se trata de mais um desafio na trajetória dos Bechara (ou dos Nassar Frange), assim como os que tiveram seu bisavô e avô. “A JB deixou de ser uma empresa do mundo para ser uma empresa para o mundo. Eu não posso só visualizar lucro, eu tenho que usar essa estrutura gigantesca para fazer o bem”, afirma.