São Paulo – Está nas mãos da Câmara dos Deputados avaliar, alterar e aprovar uma lei que promete mudar o setor de gás no Brasil. A Nova Lei do Gás prevê estimular a competição no setor, ampliar investimentos e promover o consumo. A PL 6407/2013 foi aprovado na Câmara dos Deputados em setembro, seguiu para Senado, e na noite de quinta-feira (10) voltou para a Câmara, após ser aprovado com alterações no Senado. Mas está cercada de questionamentos e divisões dentro do setor. Por isso, será novamente apreciada.
A lei beneficia as empresas que pretendem explorar o gás natural porque tira o monopólio da Petrobras. O Brasil tem cerca de 9,4 mil quilômetros de gasodutos, feitos a partir da criação do gasoduto Brasil Bolívia, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999. Todos esses dutos pertencem à Petrobras, que tem o monopólio sobre o seu uso. A nova lei determina que uma empresa dona de um gasoduto deve permitir que outras companhias utilizem essa rede, desde que não prejudiquem a preferência de uso do seu proprietário e desde que paguem pelo serviço.
A lei altera de “concessão” para “autorização” a atividade de transporte de gás natural no Brasil, o que torna o processo mais rápido e aberto. Deve-se pedir autorização à Agência Nacional do Petróleo (ANP). Antes, a concessão dependia do Ministério de Minas e Energia, necessitava de licitação e era um processo mais lento. Agora, será necessário um chamamento público e aprovação da ANP. Em tese, mais ágil.
Este cenário de monopólio começou a mudar recentemente, quando a Petrobras passou a disponibilizar parte da sua infraestrutura para outras empresas. Mas a infraestrutura brasileira é tímida: a Argentina tem 16 mil quilômetros de gasodutos, quase o dobro do Brasil.
Relator do projeto de lei aprovado na Câmara, o deputado Laercio Oliveira (PP-SE) explica que atualmente o Brasil está “muito atrasado” na produção, distribuição e comercialização de gás natural. E afirma que a nova lei, se aprovada, vai ajudar o país a sair deste atraso. “Ela dá uma nova garantia jurídica para o setor. Hoje, o gás (obtido a partir da exploração de petróleo) é reintroduzido nos poços por falta de infraestrutura (para levar o produto até a costa). A partir do momento em que a lei facilita a exploração, forma-se um mercado muito cobiçado”, afirma o deputado.
A maior parte do gás produzido no Brasil deriva da exploração de petróleo do pré-sal. Em razão da falta de mercado, as empresas optam por reinjetar esse gás no poço para extrair mais petróleo do que oferecê-lo como fonte de energia.
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De acordo com a professora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) e pesquisadora do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás (RCGI) Hirdan Katarina de Medeiros Costa, é possível que, da forma como está, a lei incentive a importação do gás antes de estimular a infraestrutura nacional. Para isso, diz, é preciso monetizar o mercado de gás.
“A entrada de mais agentes neste mercado deverá ser um processo de longo prazo. Agora, a Petrobras está abrindo mão de ativos, o que permite aumentar a quantidade de supridores e viabilizar um preço mais acessível e mais pessoas consumindo. Para construir mais gasodutos é preciso existir uma demanda que justifique o investimento e amortize os custos”, explica.
Lei boa, mas tímida
Sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires avalia que o Brasil, de fato, precisava de um novo marco regulatório para o setor. Ele considera a nova lei boa. Mas tímida.
Pires observa que a tecnologia de produção e distribuição de gás avançou muito e hoje é possível obter o gás, torná-lo líquido (liquefação), transportá-lo, e regaseificá-lo a um custo viável. Além disso, a exploração do shale gas (obtido a partir do faturamento de rochas como o xisto) tornou os Estados Unidos o maior produtor e exportador mundial do produto.
Hoje, diz Pires, o problema não é de oferta. “É de demanda. Precisa criar mercados e infraestrutura. E a lei não estimula nem uma das duas coisas. Ela acaba estimulando a importação”. Para representar um avanço ainda maior, a lei precisaria contemplar artigos que estimulem a construção de usinas termelétricas e de gasodutos, segundo Adriano.
De acordo com o diretor do CBIE, o gás natural é uma matriz energética de transição. Embora seja de origem fóssil, é menos poluente do que outras matrizes utilizadas para operar uma usina termelétrica, como o diesel. Também pode ser uma fonte de energia enquanto se reduz a dependência do petróleo e se desenvolve o uso de fontes limpas, como solares e eólicas.
Além disso, dispor de termelétricas a gás ajudaria o Brasil de duas formas. Elas podem ser utilizadas como “redundantes”, ou seja: se a fonte principal falha por algum motivo, como ocorreu na crise energética que deixou o Amapá sem luz em novembro, a termelétrica entra em ação para suprir a demanda. A outra forma é promover a diversificação de matriz energética e garantir o abastecimento. Os reservatórios de água, utilizados para movimentar as usinas hidrelétricas brasileiras, estão baixos e o presidente Jair Bolsonaro já alertou para o risco de apagão. Com usinas termelétricas alimentadas a gás isso possivelmente não aconteceria.
A nova lei, do jeito que está, resolve este problema em parte, afinal as usinas podem ser alimentadas por gás importado ou nacional. Mas para Pires, a lei poderia ser mais completa. “Se a lei não estimular a produção, ela vai estimular a importação. Como hoje sobra gás no mundo, as empresas não usam o que produzem no pré-sal e o país acaba”, diz Pires.
Diretor de Estratégia e Mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça também afirma que a lei tem pontos positivos, mas ainda é insuficiente para gerar demanda.
“O País tem no gás do pré-sal, e em outros campos exploratórios, uma fonte de riqueza que não pode continuar a ser desperdiçada. Os níveis de reinjeção superam os 40%. Não é um caminho sustentável continuar devolvendo mais de 40% da produção de gás nacional, todos os dias, para o fundo do poço. Esse gás só será aproveitado se houver demanda firme, de um lado, e infraestrutura suficiente para escoá-lo, processá-lo e transportá-lo até indústrias, comércios e residências. Então, é preciso criar políticas assertivas para incentivar os agentes a fazer os investimentos que mudem, de fato, o status atual”, afirma.
Assim como Pires, Mendonça destaca a importância das termelétricas no sistema energético. “Essas usinas têm que ser contratadas no interior do País, estimulando a construção de gasodutos que levem essa energia para diversas capitais e municípios ainda não atendidos. Do jeito que está hoje, o texto tende a incentivar a importação de gás. E gás importado não gera royalties”, diz.
A Rússia é dona da maior reserva mundial de gás natural, com aproximadamente 35 trilhões de metros cúbicos. É seguida pelo Irã, com reservas de 32 trilhões de metros cúbicos, e pelo Catar, que apesar do seu pequeno território, é dono de reservas de 24,7 trilhões de metros cúbicos de gás natural, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Os Estados Unidos ocupam a quinta posição no ranking, atrás do Turcomenistão, mas, apesar de ter reservas de 12,9 trilhões de metros cúbicos, é o maior produtor e exportador mundial do produto. De acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil tem reservas provadas de 365 bilhões de metros cúbicos de gás natural tanto em alto-mar como no continente, especificamente na Amazônia.
Mesmo sendo dono de grandes reservas, o Brasil importa grande parte do gás natural que consome. “O Catar é um exemplo de país que pode exportar suas reservas. Aqui no meu estado (Sergipe) tem um navio que recebe o gás do Catar e abastece as termelétricas. Eles importam porque o que se produz no Brasil é muito caro”, completa o deputado Laercio Oliveira.
- Reportagem de Marcos Carrieri, especial para ANBA