Geovana Pagel
São Paulo – No pequeno município mineiro de Nova Serrana, considerado um modelo de Arranjo Produtivo Local (APL), além do índice de desemprego ser zero, sobram vagas para quem tem qualificação. Com uma produção anual de 77 milhões de pares, a cidade de apenas 50 mil habitantes é responsável por 55% dos calçados esportivos fabricados no Brasil.
A maior parte da produção abastece o mercado nacional, especialmente os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Mas nos últimos anos as vendas externas vêm crescendo. Em 2003 totalizaram US$ 1,8 milhão, contra cerca de US$ 900 mil em 2002. A Argentina continua sendo o principal importador, absorvendo entre 50% e 60% das exportações. Entre os demais mercados de destino estão três países árabes: Líbano, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.
O projeto do arranjo produtivo, que visa incentivar parcerias entre os setores público e privado em benefício de áreas que concentram um grande número de empresas especializadas em um mesmo setor, foi implantado há cerca de dois anos na cidade. Desde então, o sucesso é evidente.
Nova Serrana é hoje o terceiro maior pólo calçadista nacional, atrás de Franca, em São Paulo, e do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Das 854 empresas instaladas por lá, 76,3% são micro e 21,5 são pequenas. Juntas elas geram 21 mil empregos diretos. Isso sem falar da criação de trabalho para cerca de 1,5 mil pessoas de cidades vizinhas, como Potangui, Divinópolis e Garatinga.
No arranjo de Nova Serrana existem cinco grupos de trabalho, que discutem e decidem as ações, liderados por empresários do pólo calçadista. Tais grupos cuidam da viabilização dos recursos para os projetos; trabalham na divulgação institucional do pólo; fazem consultorias de gestão e qualidade da produção nas indústrias; desenvolvem programas de capacitação dos empresários e dos funcionários; e realizam ações sociais.
"Cada grupo se reúne uma vez por mês para ver quais medidas poderão ser tomadas", afirma Júnior César Silva, presidente do Sindicato das Indústrias do Calçado de Nova Serrana (Sindinova). Segundo ele, as ações executadas em prol do APL só têm real sentido se beneficiarem os empresários. "O empresário tem que ver resultado na ponta, melhora na produção, etc. Não adiantam boas ações se a indústria não ganhar nada", diz.
Além da capacitação, o APL também oferece novas ferramentas para melhorar o planejamento das empresas, como o Programa de Qualidade e Planejamento e Controle da Produção (PCP). "Em 45 dias as empresas participantes do PCP tiveram um ganho de 20% em média", conta Silva.
Todas as ações do APL são realizadas por meio do sindicato das indústrias e coordenadas pelo comitê gestor do arranjo, formado pelo governo federal, por meio do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; pelo governo do estado de Minas; pela prefeitura e entidades de apoio.
Comércio
O comércio na cidade também vem sendo beneficiado pelo projeto. De acordo com os dados da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Nova Serrana, o setor emprega atualmente mais de 650 pessoas e, desde o ano passado, foram abertos entre 85 a 100 novos estabelecimentos comerciais no município.
O secretário municipal da Indústria e Comércio, Egino Martins, destaca também o projeto do aterro sanitário e o controle de lixo industrial, parte do APL. "Hoje cerca de 85% dos produtos que geram resíduos são reaproveitados", conta. "A prefeitura participa na área da divulgação, com recursos para a participação em feiras de máquinas e tecnologia. O arranjo melhorou muito a imagem da cidade", diz.
Segundo ele, em janeiro do ano que vem, 81 empresas estarão presentes na Couromoda, feira do setor de couros e calçados em São Paulo. Em fevereiro a prefeitura, com apoio da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) e da Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex), vai montar um showroom na Argentina, durante a realização de feiras importantes no país.
Diagnóstico industrial confirma crescimento
Publicado pelo Sindinova e pela Federação das Indústrias de Minas Gerias (Fiemg), em março deste ano, o "Diagnóstico das Indústrias Calçadistas de Nova Serrana" revelou números importantes sobre o comportamento industrial da "Capital Nacional do Calçado Esportivo", entre agosto de 2002 e agosto de 2003.
São 120 páginas que documentam a indústria calçadista e mostram dados comparativos sobre a estrutura produtiva do pólo, além apresentar as possibilidades de aprimoramento das empresas, em termos de capacitação tecnológica e gerencial, qualidade do produto e inserção nos mercados nacional e internacional.
Em 2001, o arranjo produtivo calçadista de Nova Serrana era constituído por 570 empresas, que empregavam 5,9 mil operários. Ao final de 2003, o número de fabricantes chegou a 854, sendo 691 de calçados esportivos, 110 de femininos e 53 de masculinos. O crescimento da renda per capita no período foi superior a 17% ao ano.
O documento também registra crescimento da produção de 3%, entre 2001 e 2002, e aumento de 8% no faturamento das indústrias, revelando que Nova Serrana tem apresentado produtos com maior valor agregado.
O desenvolvimento do design também aparece como fator de destaque no Diagnóstico Industrial. Relacionado com o aumento da produção e da competitividade, ele revela que o produto fabricado em Nova Serrana gradativamente passou a ocupar lugar de visibilidade na economia calçadista.
Em pouco tempo, os industriais do pólo poderão contar com a criação de um Centro de Design, que terá como finalidade agilizar o desenvolvimento de novos modelos.
A preocupação com o meio-ambiente também foi mostrada como fundamental para os calçadistas mineiros. O pólo já possui projeto para criação de uma central de tratamento e armazenamento de resíduos, que vai se somar ao trabalho de separação e reaproveitamento dos resíduos que já é feito pelas companhias.
Nova Serrana também tem um dos menores níveis de pobreza do estado de Minas Gerais. Entre 1991 e 2000, a renda per capita mensal do município cresceu, em termos acumulados, 101,51%, saltando de R$ 184,00, em 1991, para R$ 371,11 em 2000.
Na opinião de Júnior César Silva, o estudo é um marco na história do município. "Este é o primeiro grande projeto de bases sólidas que o pólo possui e não teria sido realizado sem o apoio dos 15 parceiros da Plataforma Tecnológica. Ele servirá de base para novos projetos que irão alavancar a indústria de Nova Serrana no cenário econômico nacional", diz.
Apoio do BNDES
Por ser considerada um modelo de APL, Nova Serrana também vai receber apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que vê em soluções locais a saída para a economia nacional. O município mineiro é um dos sete APLs que serão contemplados com recursos da ordem de US$ 10 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Nova Serrana deve receber cerca de US$ 1,5 milhão, no começo de 2005. As propostas que interessam diretamente ao município dizem respeito à implantação de Central de Tratamento e Armazenamento de Resíduos, estruturação de um Centro de Criação e Design do calçado e capacitação da força de trabalho, entre outras.