São Paulo – Uma técnica de agricultura começa a ganhar espaço no mercado brasileiro. Trata-se da biodinâmica, que, graças ao plantio livre de agrotóxicos e ao fato de ser feita em ambientes naturais equilibrados, que integram homem, animais e plantas, promete entregar produtos mais saborosos e resistentes ao consumidor. Melhores até do que os orgânicos. Embora em algumas culturas essa técnica seja mais difundida do que em outras, quem produz por meio da agricultura biodinâmica afirma que ela é mais rentável. O grande mercado consumidor, contudo, ainda fica fora do país.
A agricultura biodinâmica foi criada pelo filósofo e educador suíço Rudolf Steiner em 1924. A técnica determina que a fazenda que produz alimentos biodinâmicos deve respeitar o ciclo da lua, dos planetas e até dos astros para que as plantas sejam energizadas. Desde 1998 a empresa Fazenda Tamanduá planta, comercializa no Brasil e até exporta para Holanda e Espanha alimentos biodinâmicos. Manga, melão, goiaba e arroz vermelho são alguns dos produtos biodinâmicos que ela produz no sertão da Paraíba, a 300 quilômetros de João Pessoa.
O técnico agrícola e gerente da fazenda, Manoel Zacarias Lima Neto, afirma que o que se colhe na fazenda é resultado de um equilíbrio ecológico entre homem, plantas e animais. "Com o esterco do gado fazemos a compostagem para a plantação de manga. A manga que não é boa para o consumidor é utilizada para alimentar o gado. Em outra área, as abelhas polinizam a flor do melão. Em troca, produzimos mel", exemplifica.
Na Fazenda Tamanduá, que ocupa uma área de aproximadamente três mil hectares, não se usa agrotóxicos. A urina do gado serve como repelente. O soro do leite é utilizado para prevenir as pragas. "Usamos muito os bacilos, que são organismos vivos, fungos que matam alguns tipos de lagarto. São inseticidas naturais", diz Manoel.
Um dos diferenciais da biodinâmica em comparação com as outras técnicas de agricultura é o uso de preparados, compostos naturais para dar vida à terra. Há sete tipos de preparados. Num deles, o preparado 500, esterco é colocado dentro de um chifre de vaca e enterrado por seis meses. Depois, o chifre é desenterrado e um grama deste esterco é misturado em 200 litros de água durante uma hora. Depois, é espalhado por um hectare de plantação.
Cada um dos sete tipos de preparados tem uma característica. O 500, por exemplo, leva vida ao solo. O 501, feito com pó de sílica, ajuda a tornar os frutos mais resistentes. Os outros utilizam camomila, mil folhas, urtiga, casca de carvalho, dente de leão e casca de carvalho.
Além dos preparados, o cultivo de plantas biodinâmicas segue datas estabelecidas por calendários criados pela alemã Maria Thun. Segundo o professor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Estadual Paulista (FCA/Unesp) e diretor do Instituto Biodinâmico e da Comissão da Produção Orgânica de São Paulo (Ceporg-SP), Francisco Luiz Araújo Câmara, esses calendários mostram qual é o dia ideal para trabalhar com cada cultura. O calendário é baseado no alinhamento dos astros com os planetas e o sol.
Os calendários utilizados no hemisfério sul são adaptados, pois Maria Thun desenvolveu esta agenda de acordo com as condições do hemisfério norte. Segundo Câmara, o uso dos preparados, dos calendários e o estabelecimento do equilíbrio na plantação resultam, em teoria, em produtos mais saborosos e resistentes.
Café e vinho biodinâmico, por exemplo, fazem sucesso entre seus apreciadores. "Os biodinâmicos podem apresentar mais qualidades de aroma e de sabor, que são valorizadas pelos consumidores do vinho e do café. São aspectos sutis", afirma Câmara. Assim como a agricultura orgânica, ele explica que a biodinâmica não utiliza agrotóxicos e que ambas usam solo coberto [que recebe menos sol]. A orgânica, no entanto, não utiliza os preparados nem segue o calendário da biodinâmica.
Coordenador geral da Associação Biodinâmica, Pedro Jovchelevich diz que uma das características da agricultura biodinâmica é valorizar as características organolépticas do produto, ou seja, que podem ser identificadas pelos sentidos humanos. “O vinho biodinâmico é famoso no exterior. Mas já há um produtor de vinho biodinâmico em Santa Catarina. O café biodinâmico também tem crescido no mercado nacional”, diz.
Produtor de vinhos na França, Nicolas Joly é adepto da técnica biodinâmica e comanda a associação Renaissance des Appelattion, que reúne mais de 170 produtores de 15 países. A maioria produz vinhos, mas os dois brasileiros do grupo produzem chocolate e café. Henrique Sloper é o dono da Fazenda Camorcim, que produz café biodinâmico no Espírito Santo. “Há cinco anos, a associação do Nicolas Joly tinha 70 pessoas. Hoje são 170. A biodinâmica ainda representa pouco no total de produtos agrícolas, cerca de 1%. Porém, cresce de 20% a 30% por ano”, diz.
A fazenda de Sloper tem 300 hectares, 50 deles com seis variações de pés de arábica biodinâmico que rendem mil sacas por ano. Sloper exporta a produção do fruto para Nova Zelândia, Finlândia e França, entre outros. “Eu reajo à demanda que existe, mas quero ampliar [os clientes], claro”. Ele vende outras quatro mil sacas em associação com outros produtores de café biodinâmico. Uma saca de 60 quilos de café produzido na fazenda de Sloper varia entre US$ 800 e US$ 1.500. Uma saca de café arábica “normal” custa, em média, R$ 550.
O motivo que o faz apostar nesta técnica não é apenas comercial. Está, também, relacionado à qualidade de vida. “Este conceito está presente no primeiro mundo, na Europa especialmente. Compreende uma mudança de estilo de vida. Não é apenas comercial. As pessoas só vão abandonar isso se não tiverem mais dinheiro. Biodinamismo é respeitar as energias. São frutas de melhor qualidade, mais resistentes. Se você abrir uma maçã normal, ela irá oxidar em 10 minutos. Se for uma maçã proveniente de agricultura biodinâmica, ela vai demorar uma hora e meia para oxidar”, diz.
Segundo Jovchelevich, o Brasil tem cerca de 200 produtores adeptos da técnica biodinâmica. A maioria é de pequenos agricultores. No entanto, a tendência é que esse método ganhe mais adeptos no País nos próximos anos. “A agricultura biodinâmica é mais exigente, valoriza os ritmos da natureza, é como uma alquimia no campo. O mercado interno é semelhante ao mercado de orgânicos. Lá fora esse tipo de produto é mais valorizado do que aqui, especialmente na Alemanha, Suíça e Austrália. Mas temos um crescimento contínuo [nas vendas], pois os produtos biodinâmicos têm relação direta com a qualidade de vida”, diz.