São Paulo – A pesquisa sobre a comunidade árabe no Brasil, realizada pelo Ibope Inteligência e H2R Pesquisas Avançadas, abriu caminho para novos estudos em torno do tema da imigração árabe ao Brasil. Foi o que concluíram estudiosos do tema durante o webinar ‘A Imigração Árabe no Brasil: Análise e suas interpretações’, realizado nesta segunda-feira (30). A pesquisa foi encomendada pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira e o debate virtual foi organizado pela Casa Árabe, iniciativa lançada pela entidade neste ano.
Na oportunidade, a diretora da H2R Pesquisas Avançadas, Alessandra Frisso, apresentou os dados da pesquisa. Para o doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, Salem Nasser, descendente de árabes, mesmo sendo engajado na comunidade, grande parte dos dados foi surpreendente. “Mesmo para nós que estamos nesse ambiente e vivemos essa história desde a primeira infância há muita coisa nessa pesquisa que nos aparece como surpresa, como novos fatos e informações. É quase como uma mina que te é entregue. Um presente cheio de surpresas”, declarou.
Para ele, os dados ligados à nacionalidade, por exemplo, que apontam que 25% dos entrevistados não sabe dizer de que país vêm seus ancestrais, deixam abertura para novos questionamentos. “Há algumas coisas que os próprios números não revelam completamente. O perfil da comunidade árabe mostra que a maior parte, 27% se sabe libanesa, mas 25% se sabe apenas como parte de uma população árabe sem mais, sem detalhamento. Será que são sírios da imigração mais antiga? Ou libaneses? Ou outros árabes?”, indagou.
Nasser acredita que ao colocar em números a presença de pessoas de outras nacionalidades, como a saudita e a somali, o estudo fala também sobre as relações intercomunitárias dos árabes no Brasil. “Se quem está inserido na comunidade síria tradicional, como eu, não percebe com clareza isso, quer dizer que há partes dessa comunidade árabes que estão segregadas e que não se conhecem mutuamente”, destacou o doutor.
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Comércio e mobilidade social
Também no debate online, o professor titular da Universidade Federal de São Carlos e professor de pós-graduação em Sociologia, Oswaldo Truzzi (foto do topo), levantou novos aspectos para se aprofundar. Um deles foi a diferença entre a comunidade árabe e a realidade brasileira quanto à distribuição em classes sociais. “Na mobilidade social é muito impressionante e notável que se tenha 45% da população árabe nas classes A e B. No Brasil essa proporção é 24%. E, ainda, que você só tenha 13% da população árabe nas classes D e E. Como se dá essa articulação? É claro que eu não pretendo naturalizar e dizer que isso está no sangue árabe. De algum modo a trajetória trilhada pela colônia acarretou essa mobilidade socioeconômica muito bem sucedida”, disse.
Para Truzzi, essa mobilidade social influenciou outro dado: o da escolaridade. A pesquisa apontou que 29% dos árabes ou descendentes têm diploma de ensino superior. “Essa escolaridade foi conquistada aqui [Brasil], num país de recepção. Assim como a inserção no comércio, nos negócios, nas profissões liberais”, afirmou. Os dados apontam, inclusive, que quem declarou ter ensino superior, geralmente afirmou ter a formação em áreas de negócios.
Gênero dos imigrantes
O sociólogo destacou, ainda, que também os dados de gênero dos árabes mostram-se diferentes do que se vê no País como um todo. Na comunidade árabe, 60% são homens. “O que é discrepante em relação à média nacional, onde as mulheres estão mais sobre representadas. Eu me pergunto se isso tem a ver com a imigração ter sido mais masculina. Outro dado é a respeito da primeira geração a se estabelecer. 68% disseram que a primeira geração foi a do pai e apenas 34%, a da mãe. Creio que as coisas estão inter-relacionadas e apontam uma composição do fluxo migratório, recente principalmente, preponderantemente masculino”, declarou o professor.
Região e religião
A distribuição geográfica na comunidade também chamou a atenção de Truzzi. “Me chamou atenção a relevância do Nordeste como região onde se implanta a comunidade árabe. Provavelmente isso é decorrente de um viés meu próprio, que estudei mais a colônia paulista. Acho que esse é um dado muito interessante, isso abre toda uma agenda”, apontou ele.
Para Truzzi, as informações de religião também têm importância ímpar, já que dentro da comunidade árabe os muçulmanos (20%) têm maior tendência a preservar o idioma árabe, utilizado no Alcorão. Já Nasser destacou que se aprofundar nas informações sobre evangélicos (17%) e católicos (44%) pode trazer dados mais ricos sobre a identidade árabe no Brasil. O estudioso se questiona quem seriam esses evangélicos e se entre os cristãos estariam inclusos também os maronitas.
O evento foi o primeiro organizado pela Casa Árabe, instituição lançada pela Câmara Árabe neste ano. O evento está disponível no YouTube da Câmara Árabe. Participam também o secretário-geral da Câmara Árabe, Tamer Mansour, e o presidente da entidade, Rubens Hannun, que faz a moderação. Para Hannun, o debate também colaborou para entender como os dados deste levantamento inicial podem ser trabalhados daqui em diante. “Estamos somando as contribuições. Estamos aproveitando para ir montando a continuidade da pesquisa com novos dados para ir fazendo crescer esse conhecimento”, pontuou o presidente da Câmara Árabe.
Também participou dos debates o diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina (Cecal) da Universidade Saint Esprit de Kaslik (Usek), do Líbano, Roberto Khatlab, que falou sobre a história dos fluxos migratórios árabes ao Brasil.
Acompanhe reportagens anteriores da ANBA com dados da pesquisa: