Roma, Itália – Cinco artistas contemporâneos, entre eles um de origem árabe, participam da mostra I Mutanti na Villa Médici, sede da Académie de France em Roma. A exposição fica aberta ao público até o dia 06 de junho e ocupa os espaços expositivos Grandes Galerias e Atelier du Bosco. As obras expostas são vídeos, instalações, quadros a óleo e esculturas contemporâneas. A curadoria é de Eric de Chassey, diretor da Académie de France, que reuniu um grupo de artistas considerados mutantes. São nomes que não fazem parte de nenhum movimento como o cubismo, por exemplo, mas simplesmente transitam num mundo em mutação, ‘do qual ainda pouco se sabe’, como escreve Chassey.
Adel Abdessemed é um dos artistas mutantes da mostra de Chassey. Argelino, estudou Artes em Argel até decidir ir para França, onde ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, em Lion. Se formou em 1998 e, a partir daí começou a seguir o seu percurso artístico, integrando diversos meios para produzir sua arte. Atualmente vive e trabalha entre Paris e Nova York. Participou de várias bienais, entre elas a 27ª Bienal, realizada em São Paulo, em 2006, e algumas edições da Bienal de Veneza, na Itália. Expôs em mostras individuais e coletivas nos Estados Unidos, França, Senegal, Suíça, Japão, Coréia do Sul e Eslovênia.
Na exposição da Villa Médici, Abdessemed apresenta dois vídeos: Pressoir, fais-le, mais antigo, de 2002, e Dio, de 2010. Pressoir dura apenas três segundos, mas cumpre o seu papel. Enquanto um pé descalço esmaga um limão siciliano, o visitante é preparado para ver Dio, o segundo vídeo. Dio dura quase três minutos e, nele, o artista mostra sua habilidade em transitar por diversos meios tecnológicos para concluir sua ópera. Usa fotografia, criando ângulos especiais, recortando Roma com uma cruz, usa a performance: as cruzes, feitas de papelão, são carregadas por homens de diversas nacionalidades, vestidos de camisa branca e calça jeans, e de longe se avista as torres do Vaticano, que estão na direção da caminhada. Por fim, Abdessemed usa o vídeo para captar a cena e exibi-la em continuação numa sala úmida, escura, com água escorrendo pelo chão. O espaço lembra uma gruta e faz o visitante esquecer que está dentro da iluminada casa principal da Villa Médici. A imigração é uma das temáticas do trabalho do artista argelino.
A exposição I Mutanti traz ainda os quadros a óleo de Djamel Tatah, os vídeos e as esculturas Stephen Dean, ambos franceses, este último um artista ex-residente na Académie de France, os quadros e a instalação da americana Ellen Gallagher, e o trabalho multimídia do artista albanês, que vive em Milão, Adrian Paci, que, para contar sua história aos visitantes da mostra, reúne fotografia, vídeo e uma instalação.
Artistas residentes
A Académie de France em Roma é uma das tradicionais instituições que possui um programa de residência para artistas em um país estrangeiro. Foi fundada 1666 por Luís XIV, monarca que governou o país de 1643 a 1715, e ocupou outros dois prédios em Roma, o Palazzo Caffarelli (1673), o Palazzo Capranica (1684) e o Mancini (1725), antes de ser transferida para a Villa Médici, pelas mãos de Napoleão, em 1803. A Académie serviu de base de estudo para muitos artistas e arquitetos franceses como, por exemplo, os pintores Ingres e Fragonard e os compositores Debussy, Bizet e Berlioz. Por meio Prix de Roma, instituído pelo Ministério da Cultura, o governo premiava artistas e arquitetos franceses com a estadia na Académie, para uma temporada na Itália. O período podia durar até quatro anos.
Na década de 1960, o escritor e pensador francês André Malraux assumiu o Ministério da Cultura e nomeou o pintor Balthus para a direção da Académie. Balthus assumiu em 1961 e iniciou uma grande reforma nas instalações da instituição e nas regras da Académie. Seguindo as diretrizes de Malraux, de abrir um espaço expositivo para promover a cultura francesa e integrar a Villa Médici no circuito artístico de Roma, Balthus criou três salas expositivas e o Atelier du Bosco, que, primeiramente, funcionava como atelier de Balthus e hoje é mais um espaço para mostras.
Durante a gestão Malraux, o Prix de Roma foi eliminado e criou-se um concurso mais amplo, que dava oportunidade a artistas e pesquisadores de várias partes do mundo. A nacionalidade não era mais requisito, mas apenas o domínio da língua francesa, o que abria oportunidade para os pesquisadores e artistas árabes, principalmente do norte da África. O conhecimento mínimo da cultura italiana também é uma das exigências do curso, além, claro, de um projeto interessante para ser desenvolvido no período de um ano. As áreas de pesquisa também foram ampliadas, atualmente a Académie recebe artistas contemporâneos que desenvolvem projetos com vídeo, internet e instalações, diretores de teatro e cinema, escritores, cenógrafos, restauradores, compositores e até quem desenvolve trabalho na área da culinária (esses ficam apenas seis meses).
Os selecionados, anualmente, são, no máximo 24, e recebem uma bolsa mensal, de acordo com o projeto e a área de atuação. O valor total pode chegar a 3.200 euros. A idade limite para os inscritos é 45 anos, e a mínima, 20. No final da estadia, a Académie promove uma mostra com os trabalhos desenvolvidos pelos artistas residentes. Este mês, quando coincide a entrada de novos residentes e saída dos antigos, 27 artistas estão alojados na Académie, entre escritores, arquitetos, músicos, artistas plásticos, historiadores de arte e diretores de cinema. Dois deles são de origem árabe: o compositor Saed Haddad, da Jordânia, que desenvolve o projeto Música árabe: passado, presente e futuro, e o escritor Abdourahman Waberi, do Djibuti. Waberi tem nove livros publicados em francês. Alguns foram traduzidos para o inglês, italiano e alemão. Em português, apenas Maya, a filha branca do sonho africano.
A Villa Médici e o seu jardim
A Académie de France ocupa o prédio da Villa Médici, que fica na colina do Pincio, que seria a oitava colina de Roma (a cidade é conhecida por suas sete colinas), se a região integrasse o que os romanos chamam de pomoerium, uma linha que criava uma fronteira imaginária, separando a cidade sagrada das outras terras, também romanas. Mas o Pincio, apesar de garantir ao visitante uma vista perfeita de Roma e de seus terraços, está fora do pomoerium.
A Villa Médici começou a ser desenhada entre 66 e 63 antes de Cristo, com a criação, primeiramente, do jardim, mas foi só em 1564, quando o cardeal Giovanni Ricci da Montepulciano, comprou o lugar é que se ergueu a residência principal. O cardeal chamou um famoso arquiteto fiorentino, Nanni di Baccio Bigio, e o encarregou da construção do prédio. Dez anos depois, Montepulciano faleceu, Bigio também, e o projeto ficou para os herdeiros, que nunca o executaram. A Villa ficou inacabada.
Outro cardeal, Ferdinando de Médici, em 1576, comprou a Villa dos herdeiros de Montepulciano, chamou outro arquiteto fiorentino, Bartolomeo Ammannati para, enfim, dar vida ao suntuoso projeto da Villa Médici. Ferdinando de Médici era um colecionador de arte e um mecenas, fez da casa principal uma verdadeira galeria, com espaço para esculturas inclusive nas paredes externas, na parte de trás da casa, que dá para o jardim à moda italiana, ou seja, sem flores, cortado seguindo formas geométricas, principalmente formando quadrados.
Ferdinando de Médici também mandou construir um bosque, onde podia caçar, e um estúdio privado, fora da casa principal. Para o estúdio, ele escolheu o jardim. O espaço tem afrescos do final de 1500. Na sala principal, pássaros e aves pintados no teto são as mais diversas espécies convivendo em perfeita harmonia. Alguns são raros, outros desconhecidos, que representavam o que se imaginava serem as espécies do Novo Mundo. Na sala de vestir, mais afrescos, com desenhos da época, entre outros, ilustrações das fábulas de Esopo. Os desenhos eram sempre acompanhados do símbolo dos Médici, que eram esferas, simbolizando a riqueza da família.
Em 1587, mais uma interrupção no projeto da Villa Médici, o cardeal foi chamado a Firenze para ocupar um posto importante. Deixou a Villa e quando decidiu se estabelecer definitivamente em Firenze, mandou buscar toda a sua coleção de arte. Com sua morte, a propriedade foi passada aos herdeiros de Ferdinando de Médici e ficou com eles até a venda a Napoleão, em 1803. A Villa era estratégica para o francês. Com Benito Mussolini no poder, a Villa foi confiscada da França em 1941, mas o período foi curto e, em 1945, a Académie de France voltou a ocupar a Villa Médici.
Serviço:
I Mutanti
Onde: Villa Médici, Viale Trinità dei Monti, 1, Roma, Itália
Hora: das 11h00 às 19h00 (Fechado às segundas-feiras)
Site: www.villamedici.it