São Paulo – O cantor e compositor Fauzi Beydoun, da banda de reggae Tribo de Jah, está para lançar o segundo álbum com seu novo projeto, Fauzi Beydoun & The Soul Vibe. Aos sessenta anos, o filho de libanês com brasileira descendente de italianos, nascido em Assis, interior de São Paulo, conversou com a reportagem da ANBA sobre o novo trabalho, a relação com o pai, os três anos em que morou na Costa do Marfim em uma comunidade libanesa e seus futuros projetos.
O pai de Fauzi, Mohamed Ali Abdul Hamid Beydoun, era muçulmano do Sul do Líbano e chegou ao Brasil no final da década de 1940. Sem falar português, foi para o interior de São Paulo ser mascate. Lá, conheceu a mãe de Fauzi, Emigdia Juliana Menegon Beydoun, filha de italianos. A primeira filha do casal nasceu no município de Iepê. Fauzi nasceu em Assis, alguns anos depois. Quando tinha dois anos, seu pai saiu do Brasil por problemas financeiros. Emigdia não quis acompanhá-lo na viagem por causa dos filhos pequenos. Mohamed passou por diversos países e acabou se estabelecendo na Costa do Marfim.
“Quando eu tinha treze anos, meu pai nos enviou cartas em árabe, que tiveram de ser traduzidas por uma amiga libanesa de minha mãe. Em uma das cartas, ele me convidava para morar com ele no país africano. Eu queria conhecer meu pai. Fui para Abidjan, então capital da Costa do Marfim [e tema de uma conhecida canção da Tribo de Jah, ‘Abidjan, Abidjan’], onde morei por três anos com meu pai, nos anos 1970”, contou Fauzi. Foi lá que ele aprendeu francês, língua oficial do país colonizado pela França até 1960. Ele se comunicava com o pai em português e contou que havia uma grande comunidade libanesa no local, de cerca de 35 mil pessoas. Também aprendeu um pouco de árabe. Com a Tribo de Jah, Fauzi canta em português, francês, espanhol e inglês.
“Quando eu morei na África tinha uma grande comunidade libanesa, muito unida. Apesar do colégio francês, foi uma imersão muito grande na cultura libanesa, a culinária, os costumes, as tradições, tudo me marcou muito positivamente, guardo até hoje. Me toca bastante, eu curto muito porque foi muito marcante, o Líbano na África, a comunidade estava sempre junta ali”, revelou.
No fim dos anos 1980, Mohamed voltou a morar no Sul do Líbano, na cidade de Tiro, onde constituiu nova família. Fauzi tem três meios-irmãos e uma meia-irmã libaneses. Há cerca de dez anos, o pai veio ao Brasil para passar um mês. Foi quando se viram pela última vez. “Quando ele veio para o Brasil, conversamos muito, fomos pescar, na época eu morava em Atibaia. Passeamos, fomos a restaurantes. Tenho orgulho da minha origem”, disse Fauzi.
“Acho que herdei o espírito aventureiro, meio nômade, de meu pai. O vento sopra e a gente vai junto. Outras coisas que temos em comum são o temperamento, afinidades políticas e sobre perspectiva de vida, a compreensão das coisas, a família”, divagou.
Mohamed Beydoun faleceu há dois anos no Líbano. “Não pude ir ao enterro de meu pai, estava com obrigações contratuais com a Tribo [de Jah], tinha que cumprir o contrato. Mas pretendo visitar o Líbano em breve, é um desejo, ele (o pai) queria muito que eu fosse, não deu, mas ainda vou lá”, declarou Fauzi, afirmando querer ir com sua família visitar os tios, o meio-irmão que ainda vive lá, além de outros parentes.
O artista não é muçulmano. “Fui criado cristão pela minha mãe e me considero um católico autodidata de diversas religiões”, disse. Atualmente, Fauzi mora em São Luís, no Maranhão, depois de viver muitos anos em São Paulo quando a Tribo de Jah começou a fazer sucesso.
Fauzi Beydoun & The Soul Vibe
Fauzi disse estar em seu auge criativo. Há dois anos, ele iniciou uma nova banda, a Fauzi Beydoun & The Soul Vibe, uma fusão de ritmos de world music, blues, reggae e bossa nova. “É um som diferenciado do da Tribo [de Jah]. Eu tenho mais de 40 anos como compositor e me sinto muito produtivo musicalmente, e a Tribo não comporta os estilos mais elaborados de música, é um som mais de raiz, reggae maranhense roots”, explicou.
Fauzi contou que o segundo álbum da banda está em fase de produção. “Ainda este ano ou ano que vem, vamos lançar o segundo CD, que é o suprassumo, o melhor produto musical da minha vida, espero eu, e espero deixar esse legado. É um trabalho que vai ficar aí para gerações futuras”, afirmou.
“Modéstia à parte, é um trabalho de alto nível, eu sou suspeito, eu curti todo esse trabalho de contracultura, Janis Joplin, Eric Clapton, Jimi Hendrix, antes de me deparar com o reggae, e curtia música brasileira, rock progressivo, Frank Zappa, coisas alternativas. De todo esse aprendizado musical de uma vida, estou tentando fazer uma síntese do que eu acho que seja uma música palatável, boa de ouvir. Antes de fazer reggae eu fazia blues, e aí a Tribo foi me consumindo e não tinha tempo dar vazão a outros trabalhos, então de tudo que eu pude aprender, tentei fazer um extrato do melhor que eu podia e surgiu esse trabalho do Soul Vibe”, elaborou Fauzi.
O clipe da música “Soul in Love” (em português, o título é ‘Apaixonado’) foi lançado em 28 de agosto.
(Continua após o vídeo)
https://www.youtube.com/watch?v=nnE4DNADl1s
Tribo de Jah
Com a Tribo de Jah a premissa é outra, afirmou Fauzi. “A banda se firmou como uma referência do roots reggae (reggae de raiz). É a banda que representa o estilo maranhense de se gostar de reggae, e imprimiu essa identidade e acho que isso que tornou a Tribo tão longeva a ponto de permanecer firme e forte depois de trinta e tantos anos, à margem da grande mídia. Nos tornamos referência no reggae de raiz, quando se fala em reggae brasileiro, se pensa em Tribo de Jah”, declarou o artista.
Para Fauzi, o reggae jamaicano se perdeu, não é mais o mesmo de Bob Marley. “O reggae jamaicano perdeu a sonoridade da década de 1970. Na verdade, a Tribo é muito mais purista do que as bandas jamaicanas atuais. Lá, você vai ouvir um reggaeton, uma música mais eletrônica, que fala de drogas, sexo, ostentação; mudou completamente, alguns poucos grupos ainda preservam a tradição do reggae. Na verdade, o reggae está sendo muito mais preservado por bandas de fora [da Jamaica], dos Estados Unidos, Inglaterra, Ilhas Virgens. Se você ouvir os últimos CDs da Tribo [de Jah], você vai ver que é muito orgânico, muito de raiz, e somos muitos respeitados fora do país, em festivais”, atestou.
A banda de reggae Tribo de Jah tem 34 anos, e a formação atual é quase a mesma de seu início. “Somente o tecladista mudou, Frazão se aposentou e entrou Luan Richard, e o primeiro vocalista saiu há sete anos, agora meu filho [Pedro Beydoun] canta no lugar dele”, contou. Aquiles Rabelo (baixo), João Rodrigues (bateria) e Neto Enes (guitarra) são da formação original. Os três são deficientes visuais e se conheceram na Escola de Cegos do Maranhão, onde surgiu a banda.
“Nossa banda agora é todo mundo coroa, pai de família. Mas quando éramos jovens tínhamos esse espírito revolucionário que a banda carrega até hoje. Os temas das nossas músicas sempre foram contra o sistema, criticamos a corrupção, a impunidade, a globalização, o capitalismo selvagem, o cassino financeiro que é a bolsa de valores. Não sou comunista, sou crítico da desigualdade social. Essa grana toda que é desviada daria pra fazer um país mais justo, mas não temos pessoas capazes de governar para o bem da maioria”, declarou.
Com dezenove discos lançados, Fauzi afirmou que a Tribo de Jah continua crítica, mas também tem um tom espiritualista. “Temos músicas como ‘Farsa da Democracia’, ‘Traidores da Pátria’ (ambas do álbum ‘Confissões de um Velho Guerreiro’), é a ditadura da grana. Mas também temos músicas com um teor mais espiritual, falamos de Deus sem uma religião específica, e temos uma legião de fãs muito fiéis, é muito gratificante ter esse retorno”, disse.
O próximo projeto da Tribo de Jah é gravar um DVD acústico. “Acho que é um produto para coroar a banda, um trabalho com muito esmero, com muito carinho, acústico, bem roots, bem orgânico. O projeto já foi aprovado, falta captar recursos, mas deve acontecer até o primeiro semestre do ano que vem”, declarou Fauzi.