São Paulo – As micro e pequenas empresas brasileiras foram fortemente afetadas pela pandemia do coronavírus, mas parte delas está conseguindo sobreviver e até exportar. As que seguem enviando produtos ao exterior são principalmente as ligadas a cadeias de commodities, tais como energia, minérios, e alimentos como soja e carnes. “Tiveram um impacto pequeno, mas estão conseguindo sobreviver na exportação”, disse à ANBA o analista de competitividade do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Gustavo Reis (foto acima), que deu um panorama do que vivem as micro e pequenas empresas brasileiras na pandemia.
Grande parte dos pequenos negócios exportadores do Brasil são produtores de manufatura, uma das áreas que mais foi prejudicada na pandemia e onde se encaixam as indústrias de calçados, gemas e joias, e de confecções de moda. Como o consumidor está em isolamento social e o varejo desse tipo de produto está fechado na maioria dos países, esses setores foram bastante afetados. “Por não serem itens essenciais e as pessoas estarem em isolamento social, essas empresas acabaram sofrendo”, afirma Reis.
O Brasil tem 20 mil empresas exportadoras, das quais 40% são pequenos negócios. O valor comercializado, porém, não chega a 1% do total do Brasil. Uma das vias de embarques de exportação para essas empresas é a aérea, por serviços postais como o Exporta Fácil, dos Correios. Reis conta que das 30 empresas aéreas que operam no Brasil, metade teve 100% dos voos cancelados, e esses produtos eram transportados nas cargas dos voos comerciais. Segundo ele, há voos fretados para o serviço, mas os preços dispararam na pandemia. “O modal aéreo trouxe um impacto sim para os pequenos negócios exportadores”, afirma.
As micro e pequenas brasileiras como um todo, que representam 99% do setor empresarial no Brasil, estão sofrendo bastante com a crise. “Quando você analisa o perfil dessas empresas, muitas são voltadas para segmentos que exigem um contato social muito grande”, afirma Reis, citando que boa parte delas são da área de turismo, como hotéis e pousadas, de alimentação, como bares e restaurantes, além de salões de beleza, academias, petshops. Todos pararam com o atendimento direto ao público. O faturamento das micro e pequenas empresas como um todo recuou 69% na pandemia. “Houve um baque grande nos pequenos negócios”, diz.
Entre as indústrias de micro e pequeno portes, 2,2% encerraram suas atividades por conta da covid-19, segundo pesquisa do Sebrae. Metade fechou as portas temporariamente, 38% mudou a forma de atuação e 9,6% vem conseguindo funcionar da mesma maneira. Reis conta que as sobreviventes são principalmente as de produtos essenciais no cenário da pandemia, como alimentos. Na ponta desta cadeia, onde está o varejo, algumas tiveram até aumento de receita em função da corrida dos consumidores aos supermercados.
Também estão driblando a crise as empresas de confecção de uniformes para o setor hospitalar, de máscaras, de material e equipamentos médicos, de tecnologias para o atendimento da pandemia, de testes rápidos ou mesmo indústrias químicas, de limpeza, de higiene e de cosméticos. Boa parte dos produtos ligados ao setor de saúde tem exportações temporariamente proibidas em função das necessidades do mercado interno, o que ocorre tanto no Brasil como em vários outros países.
A pandemia trouxe mudanças para as indústrias de pequeno porte do Brasil. “Forçou as empresas a se posicionarem no mundo digital”, diz o analista do Sebrae. Elas passaram a usar desde as tecnologias para reuniões online até as plataformas digitais para comercialização e exportação de produtos. Apoiadas pelo Sebrae e outras entidades, muitas pequenas empresas participaram recentemente de uma rodadas de negócios de dez dias na área de alimentos e bebidas na plataforma ConnectAmericas, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “As pequenas empresas dependem de feiras e de missões comerciais para exportar, o que agora não está tendo, mas com o online, elas estão se virando para conversar com os clientes”, diz. A rodada digital teve sucesso.
Gustavo Reis acredita que a presença digital e o maior uso da tecnologia são mudanças que vieram para ficar entre as micro e pequenas indústrias. Outra transformação vivida pelos pequenos negócios na pandemia que deve permanecer é a adoção de uma estrutura mais enxuta. “Há indústrias que tinham 15, 20 funcionários e que, de repente, nessa pandemia, perceberam que precisam de dez, de oito pessoas”, afirma o analista. O planejamento de nova logística de comércio exterior também deve permanecer.
O analista acredita que as empresas vão repensar suas cadeias de valores. “Indústrias que dependiam de importação, de fornecedores externos, também vão ter que começar a se reinventar dando uma olhada mais para dentro do Brasil”, afirma. Ele cita estudos que apontam a tendência de fechamento e restrição de mercados, imposição de barreiras técnicas para preservar a indústria local, entre outras ações nesse sentido. Reis acredita que o próprio Brasil começará a desenvolver setores novos para se adequar a isso.
Várias medidas foram anunciadas no Brasil para ajudar as empresas a enfrentarem a crise da pandemia. O analista do Sebrae conta que as micro e pequenas usaram aquelas medidas que dependiam apenas da ação delas, como a suspensão de contratos e redução de jornada dos trabalhadores. Já o crédito anunciado, a maioria não consegue ter acesso. “Depende muito do relacionamento que a empresa tem com o banco, do histórico que ela tem, da saúde financeira dessa empresa”, afirma.
O Sebrae fechou acordo com a Caixa Econômica Federal e vai colocar um fundo de amparo, garantidor de crédito, para facilitar a tomada de empréstimo pelos pequenos negócios. Esse fundo vai ajudar a nota da empresa junto ao banco. “O crédito segue a lógica que sempre teve no Brasil, de as grandes conseguiram em função da sua estrutura”, afirma. Ele conta que indústrias vinculadas a federações que têm cooperativas de crédito estão tendo acesso a empréstimos, mas ainda é muito pouco. “Nossa luta diária junto ao governo federal é como conseguir facilitar esse acesso ao crédito porque ainda está muito dificultado pelos bancos”, afirma.
Reis conta que o Sebrae vem atuando no Plano Nacional da Cultura Exportadora, encabeçado pelo governo federal para disseminar a cultura exportadora entre as empresas. A iniciativa tem a participação de organismos como Confederação Nacional da Indústria, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e o Sebrae. O analista diz que o grupo se reúne semanalmente para ajudar as empresas brasileiras que querem exportar, em áreas que vão da capacitação e planejamento para exportar à formação de preços e gestão de contratos. Na pandemia, o grupo quer reforçar a internacionalização de empresas.