Giuliana Napolitano
São Paulo – Há 75 anos, um grupo de cerca de 20 descendentes de árabes – a maioria comerciantes – se reuniu em um restaurante em São Paulo para fundar a primeira entidade da comunidade islâmica no país: a Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM). Hoje, a associação mantém na cidade uma mesquita, um cemitério islâmico, uma escola e pretende criar, até dezembro, um curso de árabe.
O objetivo da SBM, explica o presidente da associação, Ahmad Aref, é "manter a comunidade unida, em torno de uma sociedade religiosa e social". Mas as ações da entidade não se voltam exclusivamente à colônia árabe e muçulmana de São Paulo. Na escola, por exemplo, pouco mais da metade dos 440 alunos são descendentes de árabes. A Sociedade também tem programas sociais, como a campanha do agasalho e a distribuição de sopas a pessoas carentes, que têm como alvo "famílias brasileiras e árabes", diz Aref.
A SBM foi criada em 1929 por um grupo formado basicamente por descendentes de palestinos, conta Abdalla Mansur, filho de um dos fundadores da associação, Ahmad Abdalla Mansur. Uma das primeiras metas da entidade era construir uma mesquita. "A construção foi muito penosa, porque a maioria dos fundadores era comerciante, mascate, então faltavam recursos", diz Mansur. "Além disso, como ainda não havia uma exploração consolidada de petróleo no Oriente Médio, esses países também não tinham como mandar muitos recursos para o Brasil", explica.
Para angariar fundos, a colônia organizava peças de teatro e outros eventos. "E cada um doava o que podia, um saco de cimento, tijolos etc.", afirma Mansur, que hoje é tradutor da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB). Em 1955, depois de 13 anos do início das obras, a mesquita foi inaugurada – foi a primeira da América Latina, segundo Aref.
Egito de Nasser contribui
Pouco antes da inauguração, conta Mansur, o Egito resolveu contribuir e enviou peças para a decoração da mesquita, como o púlpito, os lustres e os escritos em árabe que decoram as paredes do templo. Também veio desse país árabe o xeque Abdalla Abdel Shakur Kamel, que seria responsável pela realização dos sermões. Mansur lembra que o interesse do Egito coincide com a subida ao poder do coronel Gamal Abdel Nasser.
Conhecido nacionalista e defensor da unidade entre os países árabes – em 1958, durante seu governo, por exemplo, o Egito e a Síria chegaram a formar um único país, a República Árabe Unida -, Nasser também procurou ampliar a influência egípcia em outras regiões, daí o interesse pela comunidade islâmica que vivia no Brasil.
Foi também durante o governo Nasser que o Egito enviou ao Brasil o professor Helmi Muhammad Ibrahim Nasr, que iniciou o curso de língua, literatura e cultura árabes da Universidade de São Paulo (USP).
Mais tarde, diz Mansur, já quando a exploração do petróleo começou a transformar as economias do Oriente Médio e a enriquecer a região, a Arábia Saudita também enviou xeques e ajudou a construir outras mesquitas no país. Não existe um dado preciso sobre a quantidade de mesquitas que existem hoje do Brasil: para Aref, são 75, mas outros analistas, como o presidente do Conselho Superior para Assuntos Islâmicos do Brasil e ex-presidente da SBM, Moustafa Mourad, dizem que o número gira em torno de 40.
O que se sabe é que a comunidade muçulmana representa uma minoria da colônia árabe que vive no Brasil. Hoje, estima-se que existam cerca de 10 milhões de imigrantes e descendentes de árabes no país – desses, apenas 2 milhões seriam muçulmanos e o restante, cristãos, de acordo com Mourad. Segundo Aref, em São Paulo vivem 300 mil islâmicos.
Escola islâmica, revista e cemitério
Para essa população muçulmana, a Sociedade transformou uma escola que era mantida pela entidade. A instituição, que é vinculada ao Sistema Anglo e abrange os ensinos fundamental e médio, passou a incluir na grade curricular as disciplinas língua árabe e ensino religioso do Alcorão. Hoje, essa é a única escola islâmica do país reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC).
A SBM mantém ainda um cemitério muçulmano, que fica em Guarulhos, uma revista mensal chamada Al Urubat e pretende inaugurar até o final de 2004, segundo Aref, um curso de árabe. O curso aconteceria na sede da entidade, no Brás, até hoje um reduto da colônia árabe no Brasil.
A maioria dos projetos tem cunho social. A escola, por exemplo, oferece 150 bolsas de estudo por ano. No cemitério, "quem é pobre não paga as despesas do enterro", diz Aref. Fora isso, a Sociedade também criou um Departamento Feminino, presidido por Bidour Najjar, que coordena as ações sociais, como a campanha do agasalho.
Aref, 53 anos, comerciante que possui uma loja de roupas no Brás, assumiu a presidência da SBM em maio de 2003, para um mandato de dois anos. Ele é libanês, como boa parte dos imigrantes e descendentes de árabes que vivem no Brasil. Saiu da cidade de Ain Yacoub e veio para o país há 36 anos, após um irmão ter se mudado para cá.
Contato
Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM)
Av. do Estado, 5382 (endereço da mesquita)
Tel: (11) 3208-6789