Juazeiro, Bahia – Manga sem fiapo e para comer com colher, uvas doces e sem sementes são o resultado mais visível de investimentos que conseguem fazer do Vale do Rio São Francisco, no semiárido brasileiro, um centro de produção e exportação de frutas para o mundo todo. Em uma área de 35 mil quilômetros quadrados frutas são produzidas em hectares e mais hectares de culturas que não são originárias daquela região, o que só é possível em razão de um avanço tecnológico que chegou nos anos 1970: a captação das águas do rio para irrigação.
A irrigação é projeto da Companhia dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), órgão público que encontrou nesta tecnologia a melhor forma de promover o desenvolvimento agrícola da região. É ela que permite levar água a um local de clima semiárido de baixos níveis pluviométricos anuais. “Se tivéssemos que resumir a transformação da região, ela está lastreada em ciência e tecnologia, pois estamos em um ambiente extremamente desafiador”, diz o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda.
A água é captada por meio da pressurização levada a um canal principal que abastece uma rede de canais secundários. A irrigação chega às plantas, por sua vez, por gotejamento. Em alguns casos, realiza-se a irrigação por aspersão, no entanto, neste modelo o consumo da água e a perda por evaporação são maiores. Um dos distritos de irrigação, Senador Nilo Peçanha, compreende os municípios de Casa Nova, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, na região do submédio São Francisco. Irriga uma área total de 18,6 mil hectares a partir do Lago de Sobradinho.
Mangas e uvas
Foi a partir dos anos 1970 que investidores e empresários do Sul, Sudeste, do Japão e do próprio Nordeste passaram a apostar majoritariamente em duas culturas de frutas que não pertencem a este cenário: mangas e uvas florescem em um ambiente cercado por cactos, bromélias, umbuzeiros e carnaúbas, entre outras espécies da flora típica da caatinga.
A região conhecida como Vale do Rio São Francisco compreende quatro municípios de Pernambuco e quatro da Bahia. Entre as cidades pernambucanas, estão Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande, Orocó e Petrolina. Do lado baiano, estão Juazeiro, Casa Nova, Sobradinho e Curaçá. Esses são apenas dois dos cinco estados pelos quais passa o São Francisco. Ele nasce em Minas Gerais e deságua no Oceano Atlântico após abastecer também Sergipe e Alagoas.
Segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em 2022 os municípios de Juazeiro e Petrolina produziram aproximadamente 600 mil toneladas de manga e 300 mil toneladas de uvas, principalmente uvas de mesa, embora no semiárido também se produzam uvas viníferas.
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Do total produzido, são exportados 90% da manga e 98% das uvas. Nos dois casos, melhoramento genéticos desenvolvidos nos Estados Unidos resultaram em produtos mais doces e com características que agradam ao consumidor, como as variedades de manga tommy, kent, keitt e palmer e, de uvas, como a vitória. Manga e uvas são culturas predominantes na região, dizem os produtores, porque se adaptaram melhor, mas há também plantações de limão, pera, melancia e goiaba, entre outros. Da área total plantada no Vale do Rio São Francisco, 40% são de mangas, 20% de uvas de mesa e 40% das outras culturas.
Do Rio São Francisco para os Emirados
A exportação é resultado de um longo processo produtivo só possível pela captação da água do rio para irrigar o semiárido. E traz resultados: 95% das exportações são realizadas por via marítima a partir dos portos de Salvador, na Bahia, e Pecém, no Ceará. Os 5% restantes são enviados por via área principalmente pelos aeroportos de Viracopos, em Campinas, e Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Esta é a principal via que leva as frutas do São Francisco para os países árabes.
Atualmente, o principal cliente das uvas e, principalmente, mangas nos países do Oriente Médio e Norte da África são os Emirados Árabes Unidos: segundo a CNA, em 2023 o Brasil exportou US$ 572,1 mil em mangas frescas aos Emirados, sendo US$ 317,4 mil pelos estados de Bahia e Pernambuco. As exportações de uvas frescas do Brasil para o país somaram US$ 672,3 mil, dos quais US$ 150,9 mil foram a partir destes estados.
O avião é a principal forma de envio para os países árabes porque o tempo de trânsito de navio se aproxima dos 40 dias, tempo que afeta a qualidade da manga. Há também exportações indiretas a partir de entrepostos comerciais, como o porto de Roterdã, na Holanda. Egito também é um mercado que recebe as frutas brasileiras, porém em menor quantidade.
“Eventualmente recebemos no aeroporto de Petrolina um voo cargueiro que vem de São Paulo e para aqui. Quando isso ocorre, conseguimos embarcar frutas a partir de Petrolina, mas não é regular”, diz o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, Jailson Lira.
O jornalista viajou a convite da CNA