São Paulo – Criar dois produtos inovadores para o solo da Arábia Saudita consumiu anos de pesquisa do engenheiro químico de Matelândia, no Paraná, Adair Gallo Júnior, de 32 anos. Como resultado dos projetos que desenvolveu em parceria com seu orientador de mestrado e doutorado, o engenheiro indiano Himanshu Mishra, surgiu na Arábia Saudita a Terraxy, uma startup que comercializa um biocarvão capaz de entregar nutrientes ao solo e uma areia especial que ajuda a reter a água no solo e impede que ela evapore no clima seco. A empresa já está em expansão para multiplicar por 20 sua produção de CarboSoil, o nome comercial do biocarvão. Na imagem acima, Gallo Jr., à direita, e Himanshu.
A trajetória de Gallo Jr. fora do Brasil começou quando em 2014, ainda estudante de Engenharia Química no Paraná, foi para os Estados Unidos fazer um estágio por meio de uma bolsa concedida pelo programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal. Depois de alguns meses na Universidade de Iowa, no centro-oeste dos Estados Unidos, foi para outro estágio, na Califórnia, onde conheceu Himanshu.
O professor se mudaria em pouco tempo para a Arábia Saudita para trabalhar na Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah (Kaust, na sigla em inglês) e fez ao estudante brasileiro o convite para também se mudar para o país árabe. Gallo Jr. retornou ao Brasil para concluir seu curso, e, já com o convite de Himanshu, decidiu fazer um estágio na Kaust, em 2016. O campus da universidade fica na pequena cidade de Thuwal, a cerca uma hora ao norte de Jeddah, uma das principais cidades do país árabe. As duas ficam na costa oeste, às margens do Mar Vermelho.
Na Kaust, Gallo Jr. foi, em seguida, aprovado para cursar o mestrado. Junto, cursou o doutorado. Durante seus estudos, foi chamado por Himanshu a ajudar um colega que estudava materiais hidrofóbicos (que repelem água). Começava aí o desenvolvimento da SandX, ainda como um projeto acadêmico. Trata-se de um material formado basicamente por areia e parafina, que resulta em grãos como os de areia capazes de repelir a água. “Nos primeiros testes, esse novo material deu errado, pois utilizamos água salobra. No segundo teste, começou a dar certo”, diz.
Gallo Jr. compara o efeito da SandX ao do plástico utilizado para cobrir as lavouras. Mas, diferentemente daquele plástico, a Sandx não libera pequenos pedaços de plástico na terra. Outra comparação é com a palhada do sistema de plantio direto. A palhada protege a plantação da chuva e a SandX evita que o solo perca água.
Resolvido o problema da água, outro se revelou nas pesquisas: o solo. Na Arábia Saudita, o solo não contém argila, não contém matéria orgânica. É arenoso, alcalino, pobre em nutrientes e tem dificuldade em absorver os nutrientes disponíveis e os fertilizantes.
O engenheiro passou, então, a pesquisar sobre condições do solo, alternativas para a falta de nutrientes e encontrou uma solução em uma floresta densa, úmida, de clima tropical e localizada no Hemisfério Sul: a Amazônia, mais especificamente em partes dos territórios do Amazonas, Pará, parte da Amazônia na Colômbia e no Peru. Ele encontrou, em seus estudos, um tipo de matéria orgânica resultante da decomposição de compostos orgânicos capaz de enriquecer o solo com diversos nutrientes.
Esse material não é natural da região e só é encontrado em áreas onde há o solo apelidado de terra preta. Foi, segundo as pesquisas de Gallo Jr., introduzido ali pelos seres humanos, milhares de anos atrás e, ao que parece, para enriquecer o solo amazônico, que também é carente de nutrientes em decorrência da floresta quente e úmida proporcionar uma rápida degradação de matéria orgânica.
De acordo com pesquisas difundidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de estudos divulgados em publicações científicas o solo terra preta, também conhecido como terra preta do índio, é rico em minerais como manganês, cálcio, estrôncio, carbono e fósforo e é resultado de uma composição de carvão, cinzas, vegetais, restos de animais, palhas e ossos, entre outros compostos orgânicos.
“Nossa inovação foi conseguir adaptar essa matéria orgânica para as necessidades do solo da região”, diz Gallo Jr. Essa adaptação passa por um processo termoquímico em que o material não sobre combustão, mas, sim, carbonização. O composto coletado é aquecido em um ambiente fechado a temperaturas elevadas. É neste processo que se degrada a biomassa e se “transforma” no CarboSoil que a empresa comercializa. “É um processo que faz muito sentido no processo de captura de carbono”, afirma Gallo Jr.
A empresa ainda faz muitos testes com esses e outros produtos em desenvolvimento. Uma das espécies utilizadas nesses testes é a acácia, uma planta comum no país porque consegue prosperar mesmo em meio ao clima desértico da Arábia Saudita, que, por enquanto, é o mercad0-alvo da companhia.
A Terraxy só viria a surgir como empresa no começo de 2022 após as pesquisas avançarem com apoio e financiamento da universidade. Como os produtos estão recebendo boa aceitação do mercado local, sobretudo o CarboSoil (o biocarvão), a empresa em breve deverá “andar com as próprias pernas”, nas palavras de Gallo Jr., um “desmembramento” da Kaust, afinal surgiu dentro da universidade.
A Terraxy tem sete profissionais fixos, sendo uma brasileira. Gallo Jr. é co-fundador e CEO e Himanshu é co-fundador e chairman. “Em 2021, durante o meu doutorado, vimos que nós estávamos alinhados à visão do reino [de diversificar a economia] e que valia levar [as pesquisas] para o lado comercial”, afirma.
Esporadicamente, Gallo Jr. e sua esposa, que é brasileira e desenvolve um pós-doutorado na Kaust, visitam o Brasil. Há dois meses, a família cresceu, com a chegada do primeiro filho do casal. “Hoje eu vivo 24 horas o dia a dia da empresa”, afirma Gallo Jr. “Gosto do meu trabalho aqui. Vivemos em um local que fomenta a pesquisa. A segurança que encontramos aqui não existe em outro lugar, a qualidade de vida não tem igual. É uma realidade que eu não negocio”, diz o engenheiro químico.