Débora Rubin
debora.rubin@anba.com.br
e Geovana Pagel
geovana.pagel@anba.com.br
São Paulo – As estradas brasileiras são as principais vias de acesso entre os quatros cantos do país. Tanto para o transporte de passageiros como para a entrega de cargas. E do total da malha – mais de 1,7 milhão de quilômetros – apenas 188 mil são pavimentados, sendo que grande parte disso está em petição de miséria. Segundo o último levantamento feito pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) sobre rodovias, em 2006, dos 84.382 quilômetros analisados, mais da metade (54,5%) está em estado regular, ruim ou péssimo. Para tapar esses buracos e aumentar a eficiência das rodovias, com um governo sem recursos para bancar obras e manutenção, a solução é a participação da iniciativa privada, seja pelo sistema de Parcerias Público-Privadas (PPPs), ou por concessões, modelo pelo qual as rodovias se auto-sustentam por meio de pedágios.
Desde que se iniciou o processo de privatização do setor, em 1996, apenas 9,85 mil quilômetros de rodovias foram cedidos à iniciativa privada. Esse número inclui trechos federais, estaduais (a maior parte) e um trecho municipal – a linha amarela no Rio de Janeiro. Agora, o governo federal está para anunciar o segundo lote de trechos federais, que incluem vias importantes para a movimentação da economia brasileira. Entre elas estão a Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, e a Régis Bittencourt, que liga a capital paulista a Curitiba. Ao todo, serão mais 2,6 mil quilômetros de concessão.
“É pouco em extensão, mas são trechos estratégicos, que darão mais consistência à malha rodoviária já sob concessão e aos negócios do Mercosul”, explica Moacyr Servilha Duarte, diretor presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), que reúne as 37 concessionárias que atuam em sete estados brasileiros. Segundo a entidade, foram investidos nesses dez anos de concessão R$ 11,9 bilhões e arrecadados R$ 3,4 bilhões em impostos.
As empresas que administram rodovias têm concessões que duram em média 20 anos. No início, as concessionárias eram formadas por grandes empreiteiras. Aos poucos, outros tipos de empresas, como bancos, entraram no negócio. Hoje, as concessionárias estão mais profissionalizadas. “Isso porque administrar rodovias é mais que investir em obras de infra-estrutura. É uma prestação de serviços”, explica o professor Luiz Afonso dos Santos Senna, professor de transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do livro “Rodovias auto-sustentadas – O desafio do século XXI”.
O maior grupo do setor, a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR), ainda tem entre os acionistas as gigantes Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa. Mas já se consolidou como uma empresa cujo principal negócio é a administração de rodovias. Como não há nenhuma restrição para investimentos estrangeiros, há participação de investidores internacionais na composição desses grupos. Caso da própria CCR, que tem o português Brisa como um de seus acionistas. Já o grupo espanhol OHL administra quatro rodovias no interior de São Paulo. Gigante do ramo, o OHL está presente em 17 países e comanda concessões em outros segmentos que não só rodovias, inclusive em países árabes como a Jordânia, Arábia Saudita, Argélia e Marrocos.
Segundo o professor Luiz Afonso, o conceito de rodovias auto-sustentadas está crescendo no mundo todo. Nos Estados Unidos, há um boom de concessões da infra-estrutura. Na Grã-Bretanha e na Alemanha a iniciativa privada também está tomando conta das estradas. Nesse contexto, assim como há grupos estrangeiros operando no Brasil, os grupos brasileiros também estão de olho nessa oferta de licitações. No geral, as empresas buscam os ambientes mais propícios.
“Na hora de escolher o melhor negócio, os investidores analisam uma série de fatores, entre eles a segurança jurídica e política do país, o volume de tráfego dos trechos cedidos e a taxa interna de retorno (percentual de lucro do investidor)”, explica Moacyr, da ABCR. Cada empresa oferece a porcentagem que acha mais adequada de acordo com seu grau de investimento. No entanto, o governo federal deu sinais que quer fechar essa taxa em 8,95% para o segundo lote do programa de concessões. “Na verdade, essa taxa acompanha a economia no geral. No começo, ela chegava a 18%. Se hoje está mais baixa, é porque está de acordo com atual momento. Mas isso é um processo natural. O governo definir a porcentagem acaba inibindo a liberdade desse setor”, diz Luiz Afonso.
Taxas muito baixas e a demora para liberar novas licitações – no governo Lula, foram seis anos sem nenhuma licitação de rodovias – também podem afugentar investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Sem buracos, com pedágios
Outro fator que também pesa na decisão dos investidores é a aceitação da população em relação ao pedágio. No Brasil, as pessoas concordam que as estradas cuidadas pela iniciativa privada, que são necessariamente pedagiadas, são as melhores para se circular. Mas para boa parte, o preço que se paga é alto demais. Segundo a empresa Caramuru, uma das maiores processadoras de grãos do país, o preço do pedágio encarece o frete de suas entregas. A empresa costuma circular por praças pedagiadas nos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro.
De acordo com o coordenador de logística do grupo, Alexandre Spegiorin, os reajustes nos pedágios vêm ocorrendo acima da inflação. “O sistema Anchieta-Imigrantes, por exemplo, subiu de R$4,40 para R$15,40 o eixo em 10 anos, isso significa um aumento de 250%, enquanto que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), medido pelo IBGE, teve um aumento no mesmo período de 88,61%”, justifica. O pedágio aumenta em 5% o preço do frete para distribuição no mercado interno e em 11% para exportação, segundo os cálculos da empresa. Para quem vive de entregas, como o caminhoneiro gaúcho Romeu Da Ross, o pedágio também pesa no bolso (leia no link abaixo).
Se é caro ou barato, explica o professor Luiz Afonso, isso depende do que a concessionária se comprometeu a oferecer. Se ela vai duplicar uma estrada ou apenas manter um trecho já em boas condições, o preço final ao usuário é distinto. No entanto, para o professor de economia da Universidade Federal do Paraná, Eugênio Stefanello, o custo do pedágio está diminuindo a competitividade brasileira. Porém, pondera o professor, não é o pedágio que é caro, mas a renda do brasileiro que é baixa. “O custo do pedágio no Brasil é relativamente caro se considerarmos a renda média da população e o desenvolvimento do país”, justifica. Moacyr, da ABCR, concorda e acrescenta: “O frete que é muito baixo. Por causa do desemprego, há muito caminhoneiro trabalhando por qualquer preço. Mas o custo de circular em estradas ruins é muito maior."
Para justificar sua posição, o presidente da ABCR cita um estudo feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que mostra que uma carreta de 25 toneladas gasta R$ 2,24 por quilômetro quando trafega numa rodovia sem manutenção e R$ 1,60 em uma estrada em boas condições.
Caro ou não, o fato é que as rodovias que se auto-sustentam podem ser uma boa solução para os tortuosos caminhos rodoviários brasileiros. “Se o poder público tivesse dinheiro para ampliar essa malha e mantê-la de forma adequada, não haveria necessidade de pedágios, nem concessões. Mas ele não tem, então a iniciativa privada é a solução”, defende Luiz Afonso.
“A questão é que participação privada na infra-estrutura ainda está engatinhando no Brasil. Ainda há muito a ser explorado. Mas, para isso, o governo precisa parar de titubear. Planejar o futuro das rodovias é algo estratégico para o crescimento do país”, conclui o professor.

