São Paulo – O Ramadã é um período especial para os muçulmanos. Trata-se do mês sagrado do islamismo. É tempo de jejum diurno, algo que não é fácil de cumprir, mas também é uma época de momentos agradáveis para quem vive a fé embasada no Alcorão. Encontros em família, orações coletivas na mesquita, ações de caridade e solidariedade, partilha de refeições e entrega de presentes fazem parte da rotina dos muçulmanos no período.
Quem segue o Islã dificilmente não tem boas recordações ou alguma história interessante para contar oriunda desse período. Por isso a reportagem da ANBA publica neste início do Ramadã de 2024 as boas lembranças sobre o mês sagrado de três muçulmanos que moram no Brasil. Confira abaixo o que relatam o empresário de origem egípcia Mohammed Darwich, a bióloga Soha Mohamad Chabrawi e o sheik consultor de halal Yuri Ansare.
A generosidade em Meca
O sheik Ansare, que é analista de treinamento da certificadora Cdial Halal, conta que uma das histórias marcantes que vivenciou durante o Ramadã foi relacionada à generosidade. Ele estava na Mesquita Sagrada de Meca, na Arábia Saudita, durante os dez últimos dias do mês sagrado, no qual a mesquita costuma receber muitos fiéis. Para ficar num lugar privilegiado e acompanhar as orações do início da noite é preciso chegar muitas horas antes, o que Ansare e seus amigos fizeram, sabendo que não teriam como sair do local para quebrar o jejum quando o pôr do sol chegasse, porque, em função da quantidade de pessoas, se deslocar demandaria horas. Quando a noite caiu, um senhor com uma bolsa grande tinha se sentado perto do grupo.
“Esse senhor abriu a sua mochila de couro, tirou de dentro uma espécie de bule térmico e começou a servir sopa para os que estavam ao seu redor. E nós que estávamos ali com fome e sede, depois de passar o dia em Meca, estar horas embaixo do sol, recebemos sopa em um prato de porcelana bem luxuoso e bonito. Estávamos comendo como reis graças à generosidade desse senhor, que depois tivemos a honra de conhecer e saber que morava na capital e que tinha viajado 12 horas de carro para quebrar o jejum na Mesquita Sagrada de Meca”, conta Yuri. “Levou tudo o que precisava para ele e para as pessoas que estariam ao seu redor”, diz. “Nesse dia foi testemunhado como os muçulmanos conseguem se comportar literalmente como irmãos”.
O presente do Ramadã
Soha (foto de abertura), gerente de qualidade halal da certificadora Fambras Halal, guarda na memória lembranças boas dos Ramadãs da infância e dos tempos mais recentes. Morando no Brasil, mas tendo pai e mãe de origem egípcia, quando ela era criança a família costumava viajar ao Egito no mês sagrado, já que eram férias de verão no Brasil, com o pôr do sol demorando a chegar, enquanto no país árabe era inverno e as temperaturas mais amenas.
“Quando a gente ia para lá, nos reuníamos com nossa família. Há um momento muito agradável do Ramadã que é o Eid, a grande festividade, quando as pessoas se visitam. É costume as famílias se visitarem e levarem presentes. O presente que a gente tinha o costume de levar era uma caixa de sabão em pó. Então, lembro que, para mim, o primeiro Ramadã que a gente passou no Egito foi muito engraçado porque a gente comprou várias caixas de sabão em pó, que na época era caro, para levar de presente para as nossas famílias”, relata Soha. O Eid Al-Fitr é a celebração de encerramento do jejum.
Soha também conta que foi especial, apesar das circunstâncias que o mundo vivia, o primeiro Ramadã que se deu durante a pandemia de covid-19. “A gente ficou em casa, então fortaleceu mais ainda os vínculos entre mim e minhas filhas. A gente pôde ler mais o Alcorão, se apegar mais a Deus”, afirma. Ela acredita que fortalecer os laços entre as famílias e amigos também é importante, mas estar em casa favorece a conexão com Deus e o vínculo com o Alcorão.
No avião no mês sagrado
O empresário Darwich, presidente da EGP Viagens, da Crystal Asfour Brasil e da Crystal Star conta das situações vividas por muçulmanos que precisam viajar a outros países no Ramadã. Dependendo do fuso horário, quem chegaria ao destino na hora de quebrar o jejum poderia ter que esperar muito mais para se alimentar. “Um amigo meu estava saindo da Austrália e vindo para o Brasil durante o Ramadã. Quando ele saiu de lá eram tipo 6h da manhã e ele pensou: ‘Vou dormir e quando eu chegar vai ser o final do dia e eu vou poder comer’. Mas quando ele chegou no Brasil, a hora tinha voltado para trás”, relata. Quando é noite em Sydney, o dia está recém começando no Brasil. “De um país para o outro, dependendo do horário, você pode ter que jejuar mais tempo ou jejuar menos tempo”, diz.
Darwich relata a sua percepção de como os muçulmanos conseguiram transformar o Ramadã, período que poderia ser difícil por causa do jejum, em algo bom. “O Ramadã é um mês muito especial, sagrado, em que a gente jejua do nascimento até o pôr do sol. A gente precisa sentir a fome dos pobres, trabalha o autocontrole para se purificar e faz ações para se aproximar mais de Deus. Esse mês também é um mês de muitas bençãos, muitas coisas boas acontecem nele. Fazer jejum é uma coisa difícil, mas os muçulmanos conseguiram converter isso, fazer ações, juntar a família, fazer eventos para as crianças brincarem e jogarem”, afirma. Segundo ele, a dificuldade do jejum acaba ficando pequena diante de tudo o que acontece no mês.
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