Isaura Daniel, enviada especial
Bento Gonçalves (RS) – Antes mesmo de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falar em países árabes, o empresário Volnei Benini já tinha passado pelos Emirados Árabes Unidos com os seus catálogos de móveis embaixo do braço. Benini não dominava o inglês, muito menos o árabe, e não conhecia nada dos costumes locais quando viajou pela primeira vez a Dubai, há cerca de quatro anos, para tentar vender seus produtos.
"Foi espírito de aventura mesmo", diz ele, atual diretor da BRV Móveis, de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Hoje, a sua indústria comercializa fora do país quase a totalidade dos móveis que fabrica na Serra Gaúcha.
Assim como Benini, outras centenas de empresários do Rio Grande do Sul geram empregos e renda vendendo camas, sofás, cozinhas e armários no mercado internacional. Conhecido como desbravador, o setor moveleiro gaúcho tem o segundo maior faturamento do país com exportações de móveis, atrás apenas de Santa Catarina, e cresceu bem acima da média nacional nos oito primeiros meses do ano.
Enquanto a indústria de móveis do país exportou 47% a mais de janeiro a agosto em relação ao mesmo período do ano passado, as fábricas gaúchas aumentaram em 62% as suas receitas com exportações.
Na região nordeste do estado, onde fica a Serra Gaúcha e o principal pólo moveleiro do Rio Grande do Sul, as fábricas estão adotando um segundo turno de trabalho para atender a demanda crescente. A Politorno, por exemplo, indústria de racks, estantes, utilitários e escrivaninhas, que fica em Bento Gonçalves, implantou há cinco meses a fabricação noturna com nove funcionários.
A Politorno produz cerca de 17 mil peças ao mês e exporta 30% da sua produção para o Mercosul, América Central, Estados Unidos, Europa e África. Também a Multimóveis, fábrica de Bento Gonçalves da área de racks, estantes, escrivaninhas e móveis infantis, implantou o trabalho noturno.
Os países que mais ajudaram a indústria gaúcha a vender mais entre janeiro e agosto deste ano foram a Espanha e a Argentina. A Espanha saiu de compras de US$ 2,4 milhões nos oito primeiros meses do ano passado para US$ 6,6 milhões este ano, uma alta de 171%. A Argentina gastou US$ 8,6 milhões com produtos brasileiros, 142% a mais do que no mesmo período de 2003.
Entre os principais compradores da indústria gaúcha de móveis, porém, estão Estados Unidos, Reino Unido e Chile. Os Estados Unidos figuram no topo da lista, com US$ 57 milhões adquiridos entre janeiro e agosto deste ano, seguidos do Reino Unido, com US$ 30 milhões, e do Chile, com US$ 10 milhões.
Apesar do aumento crescente das vendas para os países árabes, a região ainda não figura entre os principais consumidores dos fabricantes gaúchos. De acordo com o presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul (Movergs) e sócio da Politorno, Ivanor Scotton, os países árabes compraram cerca de US$ 3 milhões das fábricas gaúchas no ano passado. Neste ano, as vendas devem ficar em cerca de US$ 3,5 milhões. Há várias empresas gaúchas empenhadas em entrar ou ampliar mercado nos países árabes.
É o caso da própria Politorno, que deve participar da sua primeira feira na região em 2004, para tentar começar a vender aos árabes, e da Multimóveis, que acaba de vender cerca de 13 contêineres de mercadoria na Index, feira do setor moveleiro do Oriente Médio.
O pólo dos imigrantes
O Rio Grande do Sul foi um dos poucos estados que aumentou sua participação nas exportações nacionais do setor, entre as cinco principais regiões produtoras do país. Os gaúchos respondiam por 25,6% da receita do país com vendas internacionais de móveis entre janeiro e agosto de 2003 e agora participam com 28,2%. São Paulo passou de 7,6% para 9,4%. Os demais exportadores – Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais – diminuíram suas participações.
O setor de móveis, juntamente com o de madeiras, gera 32 mil empregos no Rio Grande do Sul, que tem cerca de 70% da produção de móveis concentrada na Serra e arredores. A fabricação de móveis na região começou ainda na época da colonização italiana, há 130 anos.
A abundância de pinheiros foi uma justificativa para o início das atividades moveleiras pelos imigrantes. "Eles tiveram que desbravar tudo, fabricar as suas casas, depois seus móveis", diz Scotton. Ainda hoje existem casas de madeira, uma marca da colonização italiana, nas cidades da Serra.
No começo a produção era artesanal, para uso doméstico ou sob medida. Nos anos 60 começou a produção em série e as empresas mais ousadas se aventuraram na exportação já há cerca de 20 anos. O grande momento das exportações, porém, começou há dez anos e se intensificou nos últimos três.
"O setor moveleiro sempre foi persistente e precisou buscar alternativas para passar pelos diversos planos econômicos do país", diz o vice-presidente do Sindicato das Indústrias Moveleiras de Bento Gonçalves (Sindimóveis), Cláudio Ramos.
Há cerca de três anos também foi formada a Associação dos Fabricantes de Estofados e Componentes para Móveis do Rio Grande do Sul (Afecom), um consórcio exportador formado por 21 empresas gaúchas.
Hoje, o Rio Grande do Sul e a Serra se tornaram um grande supermercado do setor e fabricam desde estofados até móveis de aço, cozinhas e dormitórios. Cada cidade tem sua especialidade. Na cidade de Bento Gonçalves, por exemplo, o forte são os móveis de aglomerado. Já no município de Flores da Cunha predomina a madeira maciça como matéria-prima.
Aperfeiçoar para vender
A Serra tem também duas importantes feiras do setor, a Movelsul, exposição de indústrias de móveis que atrai compradores do mundo inteiro, e a Feira Internacional de Máquinas, Matérias-Primas e Acessórios para a Indústria Moveleira (Fimma).
Dos 36 mil visitantes que estiveram na Movelsul em março deste ano, 1.350 eram estrangeiros. Na Fimma do ano passado, 195 dos 621 expositores também eram estrangeiros. Um dos objetivos da Fimma é justamente trazer a modernização tecnológica para perto das indústrias, principalmente as pequenas e médias.
Além de buscar tecnologia, muitas empresas gaúchas de móveis também foram atrás de certificados de qualidade e aperfeiçoamento. A Universidade de Caxias do Sul mantém vários cursos voltados para o setor, inclusive uma pós-graduação, nas cidades de Bento Gonçalves e Caxias do Sul. Também há o Centro Tecnológico do Mobiliário, do Serviço Nacional da Indústria (Senai), com cursos técnicos na área, em Bento Gonçalves.
O Rio Grande do Sul deve fechar o ano com um faturamento de US$ 300 milhões nas exportações de móveis, de acordo com projeções da Movergs. No ano passado, o estado teve receitas de US$ 182 milhões com vendas externas do setor. No país, as vendas internacionais devem chegar a US$ 1 bilhão contra US$ 703 milhões de 2003.