São Paulo – O arqueólogo e egiptólogo egípcio Zahi Hawass está no Brasil esta semana para uma série de palestras em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, e nesta segunda-feira (17) visitou a sede da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, na capital paulista, onde deu uma entrevista exclusiva à ANBA. Hawass falou sobre seus trabalhos mais recentes e revelou que, antes de se aposentar, espera descobrir “a famosa tumba intacta no Vale dos Reis”, de Ankhesenamun, esposa do célebre faraó Tutancâmon.
O pesquisador relatou outras buscas em andamento, pelas tumbas de Ramsés VIII e Tutmoses II, por exemplo, e não descarta que a rainha Nefertiti possa estar enterrada em algum lugar no Vale dos Reis, a necrópole dos faraós do Novo Reino, em Luxor. Ele quer anunciar uma grande descoberta até o final do ano. “Minha escavação é a maior que já ocorreu no Vale dos Reis desde Howard Carter, e é realizada por uma equipe completamente egípcia”, destacou. Carter é o arqueólogo e egiptólogo britânico que descobriu a tumba de Tutancâmon, em 1922.
Hawass contou ainda que escreveu uma ópera, que está sendo musicada, e lamentou o incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro, instituição que guardava uma importante coleção de artefatos egípcios iniciada pelo imperador Dom Pedro II. O egiptólogo é responsável por várias descobertas arqueológicas nas últimas décadas, foi presidente do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, ministro das Antiguidades, é colaborador frequente de documentários, programas de TV e revistas, e tem vários livros publicados. Leia abaixo os principais trechos da entrevista, dividida em tópicos:
Trabalhos recentes
“Eu estou fazendo escavações no Vale dos Reis, um trabalho de grande importância. O Vale dos Reis consiste no Vale Ocidental e no Vale Oriental. No Vale Ocidental há a tumba do avô de Tutancâmon, e no Oriental, a tumba de Tutancâmon e outras. Eu comecei a escavação no Vale Ocidental em meados de dezembro de 2017, procurando pela tumba de Ankhesenamun [a esposa de Tutancâmon].”
Estou trabalhando também no Vale Oriental, próximo à tumba de Ramsés VII, procurando pela tumba de Ramsés VIII, que ainda não foi descoberta. Estou trabalhando ainda próximo ao túmulo da rainha Hatshepsut, em busca da tumba de Tutmoses II, que era seu marido.”
O que mais ele quer encontrar? “Eu estou procurando a tumba da rainha Tiy – que era a esposa de Amenhotep III e avó de Tutancâmon -, e talvez Nefertiti tenha sido enterrada em algum lugar neste vale, o Vale Ocidental.”
Por que procurar por rainhas no Vale dos Reis se nas proximidades há o Vale das Rainhas? “É preciso saber que as tumbas das rainhas da 18ª dinastia (1.539 a 1.292 a.C.) não foram encontradas ainda. O Vale das Rainhas só teve início [como necrópole] na 19ª dinastia. Minha escavação é a maior que já ocorreu no Vale dos Reis desde Howard Carter e é realizada por uma equipe completamente egípcia, chefiada por mim. Nós esperamos que logo algo importante será descoberto no Vale.”
Tecnologia
“O segundo projeto que eu estou trabalhando chama-se ‘Escaneando os Faraós’, onde usamos tomografia computadorizada e exames de DNA para revelar os segredos das múmias. Cheguei a publicar um livro com este nome. Eu descobri a múmia da rainha Hatshepsut e a família de Tutancâmon por meio de [testes de] DNA. Eu descobri [por meio de exames de DNA] que o pai de Tutancâmon é Akhenaton (faraó da 18º dinastia que introduziu uma religião monoteísta no Egito e que mudou a capital do país para Amarna, cidade que havia construído).”
“Outra revelação – sobre a qual eu estou falando nas palestras no Brasil – é sobre Ramsés III (1.187 a 1.156 a.C.). Houve uma conspiração contra ele, chamada de Conspiração do Harém. Sua esposa secundária, Tiya, e seu filho, Pentawere, tentaram assassiná-lo. Isto está escrito num papiro, mas eles nunca disseram [explicitamente] que o rei havia sido morto. Quando eu olhei o papiro, pensei: ‘Este é um homem velho, um bêbado, e muitos generais do exército queriam matá-lo, mas ele não foi morto?’. No Egito Antigo eles nunca diziam que o rei havia sido assassinado, pois o rei não podia ser morto. Então eu examinei a múmia de Ramsés III com tomografia computadorizada e descobri que ele foi assassinado. Alguém veio por trás com uma faca afiada e o matou. E com exame de DNA, eu descobri que uma múmia que está no museu do Cairo, de um garoto de 18 anos, que nós chamados de Múmia que Grita, é o filho que matou o pai, é Pentawere.”
Ópera
“A última atividade em que eu estou envolvido é uma ópera que escrevi, chamada Ópera Tutancâmon. É um drama sobre a família de Amarna, e um músico muito famoso de Catânia [na Itália] está fazendo a música. Eu vou para a Itália em 09 de janeiro [de 2019] para ouvir a ópera, quando a música estiver pronta. Estamos fazendo isso em cooperação com a Ópera do Cairo. Isso irá repetir o que foi feito com a ópera Aída, que foi escrita pelo egiptólogo [Auguste] Mariette Pasha, e [Giuseppe] Verdi era o músico italiano. Eu espero que seja apresentada na abertura do Grande Museu Egípcio [em Giza, próximo às Pirâmides, em 2020], e também em 2022, em 04 de novembro, quando será celebrado os 100 anos da descoberta da tumba de Tutancâmon. A ópera estará pronta para ser executada nas principais capitais do mundo.”
Visita ao Brasil
“É minha terceira visita ao Brasil, mas é a primeira vez para dar palestras. Eu sei que no Brasil vocês adoram o Egito, porque quando eu vou ao Vale dos Reis, usando meu chapéu e meus jeans [seus trajes típicos], todos os brasileiros querem tirar fotos comigo.”
E como está sendo a recepção? “Muito boa, [no domingo, na primeira palestra, em São Paulo] eu tive que tirar fotos com todo mundo – trezentas pessoas -, além de dar autógrafos e abraços!”
Incêndio no Museu Nacional
“Eu disse para um grande jornal que aquele [02 de setembro de 2018] era um dia negro para a história da arqueologia egípcia, porque nunca havia acontecido um incêndio como este num museu, que destruísse artefatos como estes. Isso me fez levantar a seguinte ideia: não é porque outros países têm monumentos egípcios que sejam donos deles. Nós, como egípcios, temos que verificar como nossos monumentos são exibidos. E se eles não estão sendo exibidos de maneira adequada, temos que pedir que sejam devolvidos. É como um empréstimo, mesmo que tenha sido como presente, é um empréstimo da civilização egípcia. Eu espero que no Rio de Janeiro eles possam restaurar os monumentos e que possam construir um novo museu com segurança contra fogo, porque nós queremos que os artefatos egípcios sejam educativos para o povo do Brasil, e nós sabemos que os brasileiros adoram o Egito Antigo. É muito importante para o governo brasileiro aprender essa lição. Nós todos devemos aprender e saber como exibir os monumentos de qualquer civilização para que fiquem a salvo.”
E o Egito pode cooperar? “Nós oferecemos, o ministro das Antiguidades ofereceu mandar uma delegação, estão mandando pessoal para ajudar na restauração dos objetos.”
Maior descoberta
“Eu nunca falo sobre a maior descoberta, porque todas as descobertas são como meus filhos, não dá para amar um filho mais do que outro. O Vale das Múmias Douradas – elas são incríveis; as tumbas dos construtores da Pirâmides são importantes, porque dizem ao mundo que os construtores eram egípcios e não eram escravos; as tomografias, os exames de DNA e as descobertas que permitiram; as novidades na pirâmide de Kufu (Qeops); a revelação dos segredos da Esfinge. Tudo é realmente incrível. No entanto, eu espero poder encerrar minha carreira com a famosa tumba intacta no Vale dos Reis.”
Qual? “Eu já contei (Ankhesenamun)”. Mas ele está perto de conseguir? “Espero que sim!”