São Paulo – “A escolha da minha profissão não teve influência dos meus pais, mas o foco no trabalho, sim, foi algo que aprendi com eles”, disse Zeina Latif (foto), economista-chefe da XP Investimentos, uma das maiores empresas de investimentos do Brasil. Em entrevista à ANBA, a filha de palestino com brasileira de origem portuguesa falou sobre a família, os laços com a Palestina, a profissão e a conjuntura atual.
O pai de Zeina Latif, Ibrahim Abdel Latif, chegou da Palestina ao Brasil em 1958, sem falar português e sem conhecer ninguém no País. “Ele foi mascate por um tempo, e depois, como já tinha alguma formação, deu aulas de inglês e começou a trabalhar em empresas, no ramo da indústria. Ele falava inglês e fez escola técnica. Na época, a Palestina era colônia inglesa, então ele teve acesso a uma boa escola, apesar da origem humilde. Aos poucos, ele foi construindo uma carreira, mas chegou (ao Brasil) numa situação em que precisou se virar”, contou Latif.
A economista é a mais nova de quatro irmãos, e contou que o tratamento em casa era o mesmo para o irmão e as irmãs. “O que eu acho muito admirável no meu pai é que ele não fazia tratamento diferente por eu ser mulher. Tenho um irmão e duas irmãs, e as cobranças eram iguais para todos, por rendimento escolar, por postura responsável, tanto do meu pai quanto da minha mãe, isso sempre foi um valor. Ver meus pais indo trabalhar, chegando tarde em casa, sem dúvida influenciou, era uma inspiração para nós”, disse.
O pai não completou a faculdade, mas a mãe, a falecida Arminda Borges Latif, cursou Biologia na Universidade de São Paulo (USP) e trabalhou como professora. “Meu pai, muçulmano, se converteu ao cristianismo para se casar com a minha mãe, e se casou com uma mulher com mais escolaridade do que ele. Quem faz esse movimento demonstra muita flexibilidade. Ele sempre nos ensinou a cuidar de nossas raízes familiares, porque havia, e ainda há, muito preconceito contra muçulmanos e palestinos. Ele nos ensinou a ter uma conduta correta e ética no trabalho”, contou.
Latif nasceu em Campinas e lá viveu até fazer faculdade de Economia na USP, onde também fez mestrado e doutorado na área. Desde então, mora em São Paulo. Ela contou que a decisão sobre a carreira não foi influência dos pais. “A escolha da carreira de economista foi muito mais influenciada pela conjuntura econômica do Brasil, na década de 1980, um momento em que eu estava decidindo a profissão e o noticiário de economia invadia nossas casas; era um Brasil confuso, com inflação fora de controle, crises agudas, e eu descobri que aquilo me interessava”, declarou.
“O que teve influência dos meus pais foi o foco na vida profissional, tudo que meu pai conseguiu foi pelo trabalho dele, então o que ele passou para a gente era a ética do trabalho. Meu pai, apesar da origem humilde, teve estudo. E do lado da minha mãe também, meus avós maternos eram muito humildes, e minha mãe saiu do interior e veio pra São Paulo estudar, em uma época que não era comum uma mulher fazer faculdade. Então é claro que essa ética do trabalho e esse valor ao estudo foram decisivos para minha formação”, contou.
Latif também aprendeu a poupar com os pais. “São dois estilos diferentes, o árabe com mais habilidade para os negócios, e o português com a cultura europeia muito parcimoniosa. O europeu é econômico, não desperdiça recursos, já passou por guerra. Juntou a parcimônia da minha mãe com meu pai, que é aquela pessoa que tem sensibilidade para o comércio, sabe achar um bom ponto comercial, tem talento para negociações. Infelizmente não tenho o tino do meu pai para negócios, mas aprendi com eles a ter essa preocupação em pensar no futuro”, disse.
Seu trabalho como economista-chefe, segundo Latif, não envolve negociação. “Sou uma consultora, faço análises, diagnósticos do que está acontecendo na economia, se o ambiente é mais ou menos perigoso, o que é mais provável acontecer, que setor pode ter melhor performance, riscos políticos e do cenário internacional, eu auxilio nesse sentido”, explicou.
Palestina
Zeina Latif visitou a Palestina uma vez, há mais de dez anos. “Minha família lá é bastante numerosa, foram quatro dias só para conhecer a família toda. Nós mantemos contato, mas pretendo voltar em breve e conhecer outros países árabes”, disse. Além da Palestina, a economista conhece também a Jordânia, entre os 22 países árabes.
A economista contou que não aprendeu a falar árabe com o pai, mas pretende estudar o idioma. “Ao longo da vida de meu pai aqui, o desafio dele era a sobrevivência, se adaptar a uma nova cultura e falar o português corretamente, então ele não falava em árabe com a gente. Só mais tarde, na nossa adolescência, que ele começou a ensinar um pouco, e meus irmãos se casaram com árabes, mas eu não, então não aprendi. Falo algumas palavras, mas gostaria de aprender para me comunicar melhor com a família, quem sabe um dia, com a vida mais tranquila, eu consiga fazer isso”, relatou.
Investimentos
Para Latif, o brasileiro precisa aprender a poupar mais, se preparar para a velhice, porque está vivendo mais. Procurar diversificar os investimentos, segundo a economista, é importante para aumentar a rentabilidade e se proteger em momentos de volatilidade. “É muito importante poupar nesse tempo de incertezas, com ambiente internacional desafiador, nós ainda aqui com o desafio do ajuste fiscal, a Reforma da Previdência sozinha não dá conta, e todas as questões de como fazer o Brasil crescer de forma sustentada. Hoje a gente tem taxas de juros mais baixas, mas ainda é uma economia de risco”, afirmou.
Internacional
A economista falou também sobre a relação comercial do Brasil no cenário internacional. “Estamos com um quadro mundial praticamente estagnado. Com relação aos árabes, há espaço para crescer, mas estamos bem posicionados. Alguns discursos políticos trouxeram ruídos, mas vejo que o pragmatismo tem prevalecido nas nossas relações, vide a assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Mas é caro produzir no Brasil, temos as questões ambientais atuais, não sei qual vai ser o impacto disso. É um momento mais desafiador, está difícil aumentar market share, volume exportado, num mundo que está com o comércio estagnado”, declarou.
Brazil Summit
Zeina Latif irá participar do Brazil Summit, promovido pela revista britânica The Economist, em 24 de outubro. “Vou falar sobre minhas preocupações em relação a esse ambiente internacional desafiador e o impacto disso no Brasil, e ao mesmo tempo os desafios que a gente tem aqui pra voltar a acompanhar o crescimento mundial, crescer 3,5% como conseguimos no passado, e o caminho, os riscos dessa caminhada”, concluiu ela, lembrando que isso ocorreu nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Segundo a economista, o crescimento previsto para o Brasil este ano é de no máximo 1%.