São Paulo – A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) concluiu uma parte importante de seu plano de internacionalização. Na última semana, foi firmado acordo com o Centro Internacional para Agricultura Biossalina (ICBA), dos Emirados Árabes Unidos, que visa desenvolver em conjunto tecnologias para o aproveitamento de águas ricas em sais. Um dos pilares é o intercâmbio de material genético. Na foto acima, caprinos se alimentam com palma forrageira, planta da Caatinga brasileira.
Em entrevista por telefone à ANBA, o presidente da Embrapa, Celso Moretti, explicou que o ICBA é referência em estudos de ambientes com baixíssima disponibilidade de água. Na Embrapa, esse tema é chefiado pela Embrapa Semi-árido. “Temos o portfólio de convivência com a seca. No passado, dizia-se em combater a seca, mas hoje entendemos que você tem que conviver com isso e ter estratégias inteligentes”, destacou Moretti.
Uma das estratégias desenvolvidas no Brasil é aproveitar a água com alto teor de sal que é extraída do solo no bioma da Caatinga. Na região, a chuva se concentra de 3 a 4 meses por ano. E, enquanto a precipitação média é de 800 milímetros, a evaporação chega a 2.500 ml. “Isso é um desafio. Muitas vezes, os produtores abrem poço na propriedade para explorar a água subterrânea. Só que, pela formação geológica, o potencial para a irrigação é baixo porque tem muito sal. Acontece que muitas vezes é a única opção que o produtor tem”, explicou a pesquisadora da Embrapa Semiárido e presidente do portfólio de Convivência com a Seca no Semiárido, Diana Signor Deon.
Foi nesse contexto que há quase duas décadas foi criado o Programa Água Doce, do governo federal, que instala dessalinizadores, com processo feito por osmose reversa. O modelo proporciona água com baixo teor de sal, que vai para consumo humano. Mas a Embrapa decidiu estudar como aproveitar também o que resultasse dessa dessanilização. “Esse rejeito era o principal desafio porque acumulava ainda mais sal. A solução foi utilizar esses rejeitos em tanques de criação de tilápia, gerando uma fonte de proteína de boa qualidade para consumo humano. A água que sai do tanque sai com matéria orgânica e vai irrigar plantas que serão alimento para os animais”, explicou Moretti sobre o modelo, que finaliza com a produção das forrageiras.
Essas plantas tolerantes à água salgada são parte do material genético que deve ser, agora, compartilhado com os árabes. “Há interesse do próprio ICBA em conhecer as espécies. Essas plantas são naturais do Brasil e a Embrapa vem trabalhando no manejo, especialmente das forrageiras que toleram alto teor de sal como a erva sal e a palma forrageira”, afirmou Moretti.
A importância da produção de forrageiras já tornou possível importantes bancos de germoplasma como o dedicado ao material genético de palma, no Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). “No contexto da cooperação que assinamos, temos aí um horizonte muito grande para trabalhar também as práticas de manejo”, disse Deon.
Outros planos da Embrapa
Para colocar a parceria em prática a Embrapa espera, futuramente, captar recursos. “Vamos inicialmente desenvolver projetos em conjunto, eles financiando a parte deles e nós a nossa. A ideia, depois, é nós buscarmos financiamentos quer seja do governo brasileiro, dos Emirados, ou de outras fontes”, explicou Moretti.
O memorando é apenas parte das propostas feitas pela Embrapa ao governo dos Emirados durante missão realizada em janeiro deste ano. Moretti explica que uma proposta mais ampla foi encaminhada ainda em março à ministra da Segurança Alimentar dos Emirados, Mariam bint Mohammed Saeed Hareb Almheiri. “Entendemos que podemos avançar mais. A parceria com o ICBA é apenas uma parte do que queremos fazer nesse plano estratégico. A nossa ideia é apoiar os Emirados no estabelecimento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária lá. A Embrapa fez isso no passado aqui no Brasil, e entendemos que podemos também os ajudar a fazer essa estruturação”, apontou o presidente.
Outro projeto visa apoiar o desenvolvimento de uma plataforma de zoneamento agrícola nos Emirados. “Sabemos que o país tem um rebanho de caprinos em torno de cinco milhões de cabeças. Então, podemos estudar o território para identificar oportunidades para eles otimizarem essa produção”, explicou Moretti.
Há, ainda, a oportunidade em projetos na África. “O continente africano tem 60% das terras agricultáveis do mundo. A savana africana é muito parecida com o cerrado brasileiro. Como o Brasil é o único país do mundo que domina a agricultura tropical, a Embrapa, em parceria com os Emirados e junto com um terceiro ator (país africano), pode desenvolver projetos de cooperação. O interesse dos Emirados é ter um local para produzir alimentos e prover segurança alimentar para sua população. É uma parceria tripartite em que os três atores ganham”, frisou Moretti.
É neste último ponto que o presidente da Embrapa defende a inserção de empresas brasileiras. “Eu tenho defendido que nós podemos levar tecnologia agropecuária para o mundo tropical, sobretudo África e sudeste asiático, junto com as empresas privadas brasileiras, que têm tecnologia em genética animal, vegetal e maquinários”, afirmou ele. Moretti argumentou que a medida já foi tomada em outros contextos no Brasil e teve êxito para o empresariado de nações como a americana, que trouxe empresas através da agência estatal USAID, e a japonesa, com a sua JICA.
Também previsto no acordo, o intercâmbio de pesquisadores precisará esperar mais tempo para ser colocado em ação. “Queremos, quando passar a pandemia, receber os técnicos árabes e que os brasileiros também possam ir até lá”, pontuou Moretti. A pandemia também adiou os planos de abertura de um escritório da Embrapa em Abu Dhabi, capital dos Emirados, que não tem data para acontecer.
Agora, a Embrapa espera expandir as parcerias para outros países do Golfo, entre eles o Catar. “Estamos muito entusiasmados com o que pode vir com esse acordo com o ICBA, mas que pode ser levado para outros projetos com o país. Esperamos levar isso a outros países da Liga Árabe. Eu estive ano passado no Catar e existe interesse do governo de lá em trabalhar mais próximo da Embrapa. Então, temos muitas possibilidades interessantes”, concluiu o presidente da Embrapa.