São Paulo – Há cinco anos, o pesquisador Rafael Barbizan Sühs, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolve uma linha específica de estudo dentro do Laboratório de Ecologia Humana e Etnobotânica da instituição. O trabalho “Interação entre o manejo da terra e araucárias na manutenção da diversidade de paisagens nas terras altas do Sul do Brasil” tem por objetivo entender o uso e a domesticação das paisagens com a espécie de árvore em extinção. O projeto foi selecionado pelo Fundo Mohammed Bin Zayed para Preservação de Espécies, dos Emirados Árabes Unidos, para receber bolsa de um ano.
O estudo, escrito por Sühs, contará com a participação do pesquisador Nivaldo Peroni e do professor pós-doutor Eduardo L.H. Giehl. Para eles, o apoio é fundamental para realizar o trabalho. “Frente às dificuldades que temos de colocar em prática as ideias aqui no Brasil, nós estamos sempre atrás de fundações e bolsas. Pensei, não custa tentar. Quando foi aprovado, fiquei bem feliz!”, declarou o pesquisador em entrevista à ANBA.
O fundo mantém uma plataforma para os interessados detalharem seus projetos em busca de verba. “É um trabalho bem específico de apoiar projetos que envolvam espécies ameaçadas de extinção. Quando eu soube que eles têm essa área bem voltada para isso, e eu trabalho com araucária que é uma espécie ameaçada, decidi me inscrever”, contou ele, que é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia pela UFSC.
O trabalho terá início em abril e vai receber US$5 mil para ser desenvolvido. “Esse projeto está dentro da minha tese de doutorado. Vamos desenvolver a partir de abril ou março”, explica ele. O estudo faz parte de um trabalho mais amplo desenvolvido dentro do Laboratório.
A ideia é entender o uso das paisagens do Sul do Brasil como um todo. “Os povos que viveram aqui são muitos e já vinham utilizando a floresta como um todo. Eles contribuíram para expansão da floresta com araucária. Se hoje ela ocorre do Paraná até o Rio Grande do Sul, a gente deve isso a eles. Esse alimento (pinhão) era fundamental para conseguirem se sustentar aqui no inverno sem precisar migrar. Eles plantavam araucária também”, disse Sühs.
O fogo
A interação entre as comunidades humanas e as florestas locais também trouxe o fogo como importante elemento. “Há indícios que esses povos faziam uso do fogo. Existe uma correlação que, quando chegaram às paisagens, eles aumentaram a presença de fogo. E isso promove a manutenção”, afirma Sühs. Para ele, o fogo deve ser visto ainda hoje como algo benéfico, quando feito de forma ordenada e correta. “Existem diretrizes que dizem quando deve ser feito, o tamanho, etc., e isso ainda hoje é praticado”, afirmou.
Os pesquisadores pretendem compreender a dinâmica dessas araucárias após terem perdido boa parte de sua área natural. “A floresta com araucária foi dizimada. Só sobrou 12% do que ocupava antes do século 20”, explica o pesquisador sobre a espécie que hoje é considerada ‘criticamente ameaçada’. “Está a um passo de extinção na natureza. E nós temos poucas unidades de conservação que visam a proteção da araucária”, completa.
O estudo quer entender melhor como o uso e o manejo das paisagens afetam as populações atuais de araucárias. “Tentar prever como serão os cenários futuros: com o manejo e sem o manejo. Temos áreas que são manejadas pelas sociedades que vivem na terra e têm fonte de renda com fogo e gado”, explica. “Mesmo que o fogo seja natural, muitas vezes a gente vê que os gestores das unidades de conservação não deixam pegar fogo. Fizemos entrevistas e as pessoas ficam preocupadas. Temem que, sem as queimadas menores o material orgânico seja tanto que, quando pegar fogo, vai queimar inclusive a floresta. Tem que ter um equilíbrio dessas práticas”, destacou o pesquisador. Segundo ele, se as araucárias adultas facilitam a chegada de espécies arbóreas, também são as práticas tradicionais de manejo dos campos que contêm o avanço da floresta e mantêm os campos de altitude.
O valor recebido pelo projeto será distribuído entre deslocamento da equipe de pesquisa de Florianópolis para a serra, compra de drone, entre outros gastos. “O drone vai nos ajudar a fazer o mapeamento, contar quantas araucárias tem em uma área. Já temos imagens históricas e uma ideia de como era antes. Com as fotos de drone de agora podemos saber: será que a floresta mudou?”, questionou Sühs.
Além de relatórios periódicos que devem enviar ao fundo, a ideia final é fazer uma publicação em uma revista científica internacional. “E divulgar para a comunidade local, do parque entorno. Eles também têm interesse em saber como as práticas afetam o local onde vivem, então divulgar a pesquisa não só no meio científico, mas também para a sociedade como um todo. No nosso entendimento, é fundamental que as pessoas que desenvolvem essas práticas permaneçam lá para conseguirmos manter as florestas e os campos”, analisou.