São Paulo – Ir de São Paulo, no Sudeste do Brasil, à Amazônia, no Norte, e passar pelos lugares que são ou foram notícia na região nas últimas décadas. Tudo isso de carro. Esse foi o objetivo perseguido, e atingido, por um grupo de jornalistas, incluindo a reportagem da ANBA, durante três semanas em outubro.
A viagem começou no sábado, dia 02, quando os quatro participantes se encontraram na concessionária Fiat Ventuno, na Mooca, zona leste da capital paulista, para pegar os dois carros cedidos pela montadora para a empreitada, que foi batizada de Jornada E.torQ Amazônia, em referência à nova linha de motores da marca.
Os primeiros dias foram de deslocamento, com paradas para fotografar, comer, dormir e conversar com alguns personagens interessantes que surgiram no trajeto. De São Paulo, o grupo seguiu para Minas Gerais e de lá para Goiás. A primeira noite foi passada em um hotel simples em Cristalina, cidade goiana conhecida pela produção de cristal de rocha, já a 900 quilômetros do ponto de partida.
Na manhã seguinte, dia do primeiro turno das eleições, a equipe seguiu para Brasília, onde parou para fotos na Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso nacional. De lá, foi pegar a BR-153, a Belém-Brasília, rumo ao Pará, passando por Tocantins.
O Centro-Oeste brasileiro é marcado pela produção agropecuária e pelo cerrado. Ainda perto de Brasília, o grupo começou a ver alguns cenários que se tornariam comuns ao longo da viagem, como grandes fazendas de gado, áreas de queimada, acampamentos de sem terra e um por do sol inesquecível.
No que restou de um acampamento de sem terra, o agricultor José Rodrigo aguardava sua vez de ser assentado. A busca por áreas para plantar parece ser o objetivo de toda a família. Seus irmãos, disse, já foram assentados, e o pai, de 88 anos, “está trás de terra também”.
O caminho rumo ao Norte revela outra faceta comum das estradas brasileiras, a proliferação de churrascarias, geralmente, “do gaúcho”. As regiões Centro-Oeste e Norte do país atraíram muitos migrantes de outros estados, especialmente do Sul.
A segunda noite foi passada em Porangatu, próxima à fronteira de Goiás com Tocantins, ao som de uma carreata organizada por um deputado eleito naquele dia. O município mostrou outra característica marcante dali em diante: a profusão de motos.
O grupo entrou no sudeste do Pará por Conceição do Araguaia, autodenominada “Portal da Amazônia”. Embora fosse de noite, a longa ponte que cruza o Rio Araguaia já dava a dimensão do tamanho dos rios que seriam encontrados pela frente, mesmo em período de forte seca. Na passagem de um estado ao outro, as condições das estradas pioraram sensivelmente, embora ainda asfaltadas.
A pausa para dormir foi feita em Redenção, no hotel Triângulo Mineiro. Mas antes o jantar, na Churrascaria Boi na Brasa. Lá, paralelamente aos grupos que discutiam acaloradamente os resultados das eleições, surgiu mais um costume que se repetiria em quase todos os estabelecimentos de comes e bebes pelo resto da viagem: a música sertaneja executada em volume alto. Isso e uma TV sempre ligada, por mais simples que fosse o boteco.
Riqueza do subsolo
A próxima parada foi em Parauapebas, onde o grupo permaneceu por alguns dias. A cidade contrasta com outras da região pelos indicadores econômicos, volume de tráfego, quantidade de gente, comércio vibrante e obras por toda a parte. Os hotéis estavam quase todos lotados.
A explicação é que lá fica a Serra dos Carajás, onde a mineradora Vale explora a maior mina de ferro do mundo, um enorme buraco aberto na montanha com capacidade para produzir 120 milhões de toneladas de minério por ano. O município surgiu por causa da mina e vive em torno dela.
Apesar de a mina oferecer uma visão devastadora, ela acabou ajudando a preservar os 412 mil hectares da Floresta Nacional dos Carajás, onde se localiza. Segundo o gerente geral de mineração do empreendimento, Fernando Carneiro, as atividades da empresa ocupam apenas 2,5% da área preservada. “No entorno [da floresta], só há fazendas”, acrescentou.
De fato, ao longo das rodovias do sul do Pará pouco se vê mata nativa. As fazendas de gado ocupam boa parte da paisagem. Pode parecer exagero dizer que “o boi comeu a floresta”, mas em parte foi isso mesmo que ocorreu. Nos anos 70, o governo incentivou a colonização e o desenvolvimento de atividades agropecuárias. O modelo fracassou, mas o desmatamento ficou e a região se tornou símbolo da ocupação e exploração desordenadas.
Um exemplo é o de Serra Pelada, ali perto. Na década de 80, o local atraiu milhares de brasileiros, especialmente do Nordeste, atingidos pela febre do ouro. Quem tem mais de trinta anos certamente se lembra das imagens do formigueiro humano que era o maior garimpo a céu aberto do mundo, imortalizadas pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado.
O garimpo acabou e a antiga e profunda cava virou um lago de águas calmas. Hoje quem busca ouro lá é a mineradora canadense Colossus. Embora a empresa tenha entrado em acordo com a Coomigasp, cooperativa de garimpeiros que detém os direitos de exploração, basta dar uma volta na antiga vila, onde ainda moram remanescentes do garimpo, para ouvir vozes descontentes e agressivas.
Quem conhece bem a história local é vice-prefeita de Curionópolis, Iraídes Campos, filha de garimpeiro que mora lá desde 1981. “Garimpo é uma febre”, diz. Ela conta que a situação está mais calma nos últimos anos, mas no sul do Pará é sempre bom acompanhar as coisas com cautela, pois a ação do estado é pequena e os conflitos pela posse da terra e dos recursos naturais são muitos.
Seguindo pela PA-150, rumo a Marabá, há um monumento que lembra o viajante disso. Ele marca o local do massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, quando 19 sem terra foram mortos em um conflito com a Polícia Militar.
Marabá é a maior cidade da região e uma das que mais crescem no estado, impulsionada por atividades como a pecuária, mineração e siderurgia. Ela tem uma localização privilegiada, no encontro dos rios Araguaia e Tocantins, e ver o por do sol de sua orla é uma experiência única. A cidade em si, porém, é feia e os desvios causados por obras viárias transformam o trânsito em caos.
Após passar a noite no hotel Hildas, simples demais, mas administrado por gente simpática, o grupo finalmente pegou a Transamazônica. A partir daí, seriam quase dois mil quilômetros de buracos, poeira e suor.