São Paulo- A Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, vão aumentar o fluxo de turistas estrangeiros para o Brasil nos próximos anos, mas sozinhos não justificam os investimentos que a hotelaria do País está recebendo. Um estudo da consultoria especializada no setor BSH International estima em R$ 7,3 bilhões o total de investimentos em hotéis que o Brasil receberá entre 2011 e 2014. Além dos dois maiores eventos esportivos mundiais, as descobertas de petróleo, a mudança das indústrias para o interior e o crescimento da economia justificam a injeção de dinheiro.
De acordo com o levantamento da BSH, dos 198 hotéis que deverão começar a operar até 2014, 76 ficarão no Sudeste, região que mais receberá investimentos. Entre as cidades, segundo a BSH, o Rio de Janeiro é a que deverá receber a maior quantidade de novos hotéis: 17. Salvador deverá ser contemplada com 10 unidades.
A maior parte dos 46.296 quartos que serão entregues no período é de categoria econômica. Eles ficarão em hotéis sem piscina ou sauna, por exemplo. No entanto, oferecem conforto e preços competitivos. Do total, 39% dos novos quartos serão deste tipo. Apenas 3% dos hotéis serão da categoria “upscale”, ou superluxuosos. Outros 10% serão do tipo resort.
Gerente da BSH, Renata Cianciaruso afirma que o Rio de Janeiro atrai a maior parte dos investimentos não só porque será sede dos Jogos Olímpicos, mas porque os hotéis na cidade já apresentam sinais de saturação. “O Rio está no limite da sua capacidade, pois tem uma taxa de ocupação [dos hotéis] de 75%. Precisa ter mais hotéis”, afirma.
Mesmo com a nova safra de empreendimentos, o presidente da consultoria Hotel Invest, Diogo Canteras, afirma que os investimentos ainda são insuficientes para atender à demanda. “Em São Paulo há 40 mil apartamentos de hotéis. O crescimento da demanda tem relação com o crescimento do PIB, que deverá ser de 5% nos próximos anos. Para acompanhar a oferta, a demanda deveria crescer 5%. Deveríamos receber dois mil novos quartos por ano. Hoje São Paulo não tem apartamentos em construção. Este raciocínio se aplica ao Brasil. Precisaria de 15 mil apartamentos por ano. Hoje o país ganha de dois a três mil quartos no período”, diz.
A indústria hoteleira investiu muito no Brasil no fim dos anos 90 e no começo da década passada. Foram construídos muitos flats, que atraíram compradores interessados em usar os imóveis para investimento. Quem comprava cedia estas unidades para a empresa que administrava o empreendimento. A administradora pagava aluguel ao dono do imóvel, independentemente de a unidade ser ou não ocupada. A oferta, no entanto, foi maior do que a demanda e alguns negócios amargaram prejuízo. A rentabilidade das empresas também caiu.
“Flat era visto como um bom negócio e as pessoas compravam para investir. Dizia-se que era um imóvel que já vinha alugado, sem inquilino, sem problemas… Realmente é interessante, mas ideia e mercado caminham de formas diferentes. Construíram mais flats do que o mercado poderia absorver”, observa Canteras.
Professor do curso de pós-graduação em Administração Hoteleira do Centro Universitário Senac, Paulo Mélega afirma que os investimentos do setor hoteleiro são muito sensíveis ao desempenho econômico de um país. “O cenário recente da economia brasileira, impulsionada principalmente pelo crescimento das atividades industriais, de agronegócio e de petróleo, impactaram positivamente o turismo de negócios e eventos, principal demanda por hospedagem das cidades que estão recebendo investimentos em hotelaria”, observa.
Para garantir uma rentabilidade elevada, os investidores procuram cidades ou locais que se mostram ideais para o novo hotel. Mesmo com a construção de hotéis em todo o Brasil, Canteras ainda acredita o lucro só é garantido nas grandes capitais. “Os melhores locais para investir em um hotel são aqueles onde é justamente mais difícil de entrar: Rio, Brasília e São Paulo. É dificílimo. Brasília tem restrições por causa do Plano Piloto, o Rio tem poucos terrenos e São Paulo tem problemas de terreno e custa caro. Mas são investimentos que darão muita alegria por muito tempo”, diz.
Coordenador do núcleo hoteleiro e imobiliário turístico do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) e consultor hoteleiro, Caio Calfat diz que cidades menores também receberão investimentos. Santos, no litoral paulista, e Uberlândia, no Triângulo Mineiro, são dois exemplos.
Econômicos
A maior parte dos investimentos que o País recebe não é de hotéis cinco estrelas ou hotéis butique, nos quais os hóspedes escolhem até seu tipo de travesseiro preferido. “A maior parte dos investimentos está concentrada em hotéis econômicos, com serviços limitados, voltado ao turismo de negócios. Em alguns mercados, como Rio e Belo Horizonte, existem investimentos em hotéis ‘midscale’ (três a quatro estrelas) e upscale (cinco estrelas), mas esta não é a regra”, afirma Mélega.
Há exceções. O empresário Eike Batista investe R$ 200 milhões na reforma do Hotel Gloria, no Rio. Depois de pronto, no fim de 2013, o empreendimento terá 231 apartamentos e deverá integrar o seleto grupo endereços com diárias acima de US$ 500.
Os novos hotéis têm foco no turista de negócios e nos hóspedes brasileiros que viajam pelo País. Muitos dos empreendimentos são realizados por empresas brasileiras, como Allis e Atlantica, ou por redes internacionais que atuam no Brasil há muitos anos.
Fundos de investimento e grandes empresas estrangeiras do setor projetam abrir hotéis no Brasil ou expandir suas operações, mas ainda encontram dificuldades. Segundo Mélega, o mercado local e as condições econômicas exigem muito planejamento dos estrangeiros.
“Não é fácil desenvolver hotéis no Brasil, por vários fatores. Um deles refere-se à carência de mecanismos de financiamento para o setor ou à dificuldade de se obter os recursos das linhas de crédito existentes. Outro desafio está na tropicalização dos produtos e estratégias de desenvolvimento. Redes como Marriott e Hilton estruturaram suas áreas de desenvolvimento de novos negócios, mas ainda enfrentam grandes desafios para viabilizar os seus planos. No entanto, acredito que algumas redes internacionais ainda conseguirão ultrapassar as barreiras à entrada no País e conseguirão se estabelecer de maneira relevante”, afirma Mélega.
O professor do Senac cita como exemplo de sucesso a rede francesa Accor, que está no Brasil desde 1977. Aqui, a Accor tem hotéis com as bandeiras Formule 1, Ibis, Novotel, Mercure e Sofitel nas principais cidades. Recentemente, inaugurou em São Paulo o primeiro hotel com a bandeira Pullman. Na rede, esta bandeira é de categoria de luxo inferior apenas à Sofitel. Como parte dos seus investimentos, a Accor está comprando o estabelecimento onde fica o Sofitel, sua bandeira mais sofisticada, no Rio de Janeiro.
Assim como ocorreu com os flats nos anos 90, muitas redes não são donas dos hotéis que administram. Essa prática é comum no Brasil, pois é menos arriscada para os investidores. Os investimentos que chegam começam a mudar também este cenário. Ainda assim, o setor está longe da profissionalização no País. Calfat diz que muitos hotéis ainda estão nas mãos de pequenos investidores, são empresas familiares e, em alguns casos, não rendem tudo o que poderiam. “Nosso parque hoteleiro é pequeno e 90% dos hotéis não são de redes, são pequenos, mal administrados, amadores e caros”, diz.
Visitantes
O Brasil ainda tem menos quartos de hotéis e recebe menos turistas do que outros países. De acordo com dados do Ministério do Turismo, o Brasil tinha, em 2010, 288.610 quartos. De acordo com instituto de pesquisas Eurostat, que reúne dados dos países da União Europeia, a França tinha, no ano passado, 624 mil quartos de hotel; a Itália, 1,2 milhão; a Espanha 884 mil; e Portugal, 124.896 quartos (segundo dados do Turismo de Portugal). Segundo a consultoria STR Global, os Estados Unidos têm 4,8 milhões de quartos; o Egito, 152,9 mil; e os Emirados Árabes Unidos, 86 mil.
O Brasil ainda recebe poucos turistas estrangeiros. Em 2010, 932 milhões de pessoas viajaram para outros países em todo o mundo. O Brasil recebeu 5,2 milhões de estrangeiros em 2010. No mesmo período, a França recebeu 74,2 milhões de turistas e a Itália, 43,2 milhões.
As estimativas do Ministério do Turismo não apontam para um crescimento grande de turistas estrangeiros no Brasil nos próximos anos. Isso, contudo, não afeta os investimentos. Afinal, diz Mélega, os investimentos que a indústria hoteleira recebe têm como foco os próprios brasileiros.
“A demanda que tem crescido no Brasil é a interna, e não a de turistas estrangeiros. Apenas como exemplo, o fluxo de passageiros nos aeroportos do Brasil cresceu 15% entre 2008 e 2009 e 21% em 2010. Em 2011 já acompanhamos um crescimento de cerca de 20% em relação ao mesmo período de 2010. São números expressivos, que refletem o aumento do número de viagens, principalmente de brasileiros dentro do País. O mercado interno é a grande oportunidade que justifica os investimentos em hotelaria”, diz Mélega.