São Paulo – As tensões comerciais estão prejudicando a economia e o crescimento global deve cair para 3,2% este ano, informou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em seu relatório de Perspectivas Econômicas divulgado nesta terça-feira (21) durante o fórum anual da entidade, em Paris. Para 2020, a previsão é de subir para 3,4%, valor abaixo das taxas de crescimento observadas nas últimas três décadas, ou mesmo em 2017 e 2018. No ano passado, o avanço de registrado foi de 3,5%.
No ano passado, a OCDE alertou que incertezas comerciais e políticas poderiam prejudicar significativamente a economia mundial. Hoje, o relatório afirma que o impulso global foi enfraquecido e o crescimento deve permanecer abaixo da média, à medida que as tensões comerciais persistem. Houve um recrudescimento da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.
O crescimento e os investimentos tiveram queda acentuada especialmente na Europa e Ásia, segundo o documento. A confiança das empresas e dos consumidores diminuiu com a retração da produção industrial.
Em resposta, as condições financeiras foram facilitadas à medida que bancos centrais flexibilizaram posições monetárias e os governos de alguns países vêm relaxando a política fiscal para gerar estímulo econômico. Ao mesmo tempo, de acordo com o relatório, o baixo desemprego e uma ligeira recuperação dos salários nas principais economias globais continuam dando apoio à renda e ao consumo das famílias.
O documento revela também que, embora o crescimento global tenha ocorrido de forma sincronizada dezoito meses atrás, foram surgindo divergências entre setores e países de acordo com seu grau de exposição às tensões comerciais, da força das respostas fiscais e das incertezas políticas. O setor industrial, em que prevalecem as cadeias globais de valor, foi duramente atingido por altas taxas e pela incerteza em relação ao futuro das relações comerciais, e o relatório diz que é provável que continue enfraquecido.
O crescimento de investimento em empresas, também fortemente ligado ao comércio, deverá diminuir para apenas 1% ao ano ao longo de 2019-20, ante o crescimento de 3,5% ao ano no período de 2017-18. No entanto, o setor de serviços, menos sujeito à tensões comerciais e o que mais emprega, continua a resistir bem, segundo o relatório.
Paralelamente, o crescimento foi enfraquecido na maioria das economias desenvolvidas, especialmente naquelas em que comércio e indústria desempenham um papel importante, como Alemanha e Japão. O crescimento do PIB está projetado abaixo de 1% em ambos os países este ano. Na outra mão, os Estados Unidos mantiveram seu crescimento graças a um apoio fiscal considerável, embora decrescente.
Já as economias dos mercados emergentes apresentam divergências. Enquanto a Argentina e a Turquia lutam para se recuperar da recessão, a Índia e outros países estão sendo beneficiados com melhores condições financeiras e apoio fiscal.
Além disso, a economia global segue dependendo de um contínuo apoio de políticas governamentais. Dez anos após a crise financeira, com inflação moderada, os balanços dos bancos centrais permanecem em níveis sem precedentes; as taxas de juros, de curto e longo prazos, são historicamente baixas; e as dívidas dos governos, exceto em alguns casos, é muito maior. Com poucas exceções, as economias de mercados emergentes mantiveram grandes reservas. Em suma, os bancos centrais mal normalizaram a política monetária e seu apoio continua sendo essencial, diz o relatório.
No geral, apesar do apoio sem precedentes de políticas públicas durante a crise financeira global, a recuperação não foi vigorosa e duradoura o suficiente para se converter em salários mais altos e melhores condições de vida. Desde 2010, o PIB real per capita, uma representação imperfeita para o padrão de vida, aumentou apenas 1,3% ao ano na média da OCDE. Embora o desemprego esteja em sua taxa mais baixa em quase quatro décadas, projeta-se que os salários reais cresçam menos de 1,5% ao ano em 2019-20, abaixo do ritmo de 2% da década anterior à crise.
Isso significa que, dez anos após a crise, os padrões de vida melhoraram muito pouco para reduzir significativamente as desigualdades, que foram ampliadas nas duas décadas que precederam a crise. Por exemplo, para as famílias de classe média nas grandes economias desenvolvidas, o ritmo do aumento da renda disponível real caiu desde a crise, exceto nos Estados Unidos.
A economista-chefe da OCDE, Laurence Boone (foto), diz no documento que as perspectivas permanecem frágeis e que há muitos riscos negativos que enfraquecem a economia global e o bem-estar das pessoas.
Em primeiro lugar, Boone diz que a perspectiva de crescimento, mesmo medíocre, está condicionada ao não-aumento das tensões comerciais, que atravessam as Américas, a Ásia e a Europa. O relatório mostra que as novas tensões entre os Estados Unidos e a China poderiam reduzir em mais de 0,6% o PIB global em dois ou três anos.
O relatório afirma também que indústria e serviços não funcionam isoladamente. Enquanto o setor de serviços se manteve vivo, dando um respiro à economia, é improvável que se separe por muito tempo da indústria. Mais de um terço das exportações brutas da indústria vêm de serviços, e os serviços contribuem, direta ou indiretamente, para mais da metade das exportações globais. Além disso, a indústria depende crucialmente de investimentos, o que não é apenas um motor de crescimento e emprego hoje, mas também deve moldar o crescimento e os padrão de vida no futuro.
Em terceiro lugar, Boone diz que a China continua sendo uma preocupação. Estima-se que uma redução de 2% no crescimento da demanda doméstica na China, sustentada por dois anos e combinada com maior incerteza, poderia reduzir o PIB global em 1,75% no segundo ano.
Por fim, Boone afirma que a dívida do setor privado está crescendo rapidamente nas principais economias. O estoque global de títulos corporativos não financeiros quase dobrou em termos reais em comparação com 2008, para quase a US$ 13 trilhão, e a qualidade da dívida vem se deteriorando, incluindo um aumento no estoque de empréstimos alavancados. Um novo surto de estresse financeiro poderia entrar em erupção, diz o relatório.
O relatório recomenda que os governos utilizem todas as políticas públicas à sua disposição, e que as discussões sobre acordos multilaterais sejam retomadas. Prioridades incluem investimentos em infraestrutura, especialmente na área digital, transporte, energia limpa, educação e implementação de políticas que favoreçam igualdade de oportunidades.
Brasil
Segundo o relatório da OCDE, a recuperação econômica do Brasil abrandou recentemente, apesar de condições financeiras favoráveis, mas é previsto que o crescimento atinja 1,4% em 2019 e 2,25% em 2020. O documento cita a proposta da Reforma da Previdência como forma de assegurar o orçamento a longo prazo, mas diz que há incerteza sobre a implementação da reforma. Se esta incerteza se dissipar, diz o documento, há previsão de que a demanda interna cresça e o desemprego diminua. Com ampla capacidade ociosa, é esperado que a inflação permaneça abaixo da meta.
O relatório afirma ainda que a possibilidade de aumento das tensões comerciais pode trazer riscos para o Brasil, já que a China e os Estados Unidos são os dois principais parceiros comerciais do País.
OCDE
Fundada em Paris em 1961, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma entidade internacional de 36 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de mercado. O Brasil não faz parte da OCDE, apesar de estar citado no relatório e ser considerado um parceiro da instituição. O País esta atualmente em processo para se tornar um membro pleno da instituição. Não há países árabes na entidade.