Alexandre Rocha
São Paulo – Cerca de metade dos recursos privados para os projetos de parcerias público-privadas (PPP) imaginados pelo governo paulista pode vir de investimentos estrangeiros. Esta é a avaliação do secretário de Economia e Planejamento do estado, Andrea Calabi, que concedeu entrevista exclusiva à ANBA na terça-feira (20).
“Na década de 90 as privatizações renderam US$ 100 bilhões, 45% foram investimentos externos e 55% internos. Essa é a minha expectativa (sobre as PPP), eu não estou longe de um meio a meio entre investidores externos e internos”, afirmou Calabi.
No Plano Plurianual (PPA) do estado estão previstos R$ 30,1 bilhões em investimentos até 2007. O governo do estado acredita que, desse montante, R$ 7,5 bilhões devem sair de parcerias entre o setor público e o setor privado. Apesar de acreditar que as grandes fontes de possíveis aportes sejam países europeus e os Estados Unidos, Calabi não despreza o potencial dos investidores árabes.
“Acho que os árabes constituem uma fonte de grande potencial. Esses países estão entre os grandes detentores de reservas internacionais em dólares e o dólar mostrou, neste último ano, uma desvalorização em relação ao euro que, evidentemente, deve preocupar os detentores de reservas em dólares. Portanto, na margem, eles devem buscar retornos, ou taxas de juros, para compor seus portifólios”, declarou o secretário.
Na opinião de Calabi, São Paulo tem projetos que podem interessar os capitalistas árabes, como a expansão de refinarias de petróleo e a utilização de novas fontes de gás descobertas na Bacia de Santos. “São áreas em que os árabes têm experiência e conhecimento tecnológico, além da disponibilidade de capitais”, ressaltou.
Entre os projetos que o governo do estado vê maiores possibilidades de parcerias público-privadas, porém, estão as obras do trecho sul do Rodoanel, a ampliação do Porto de São Sebastião, incluindo a duplicação da Rodovia dos Tamoios, a construção de uma linha de trem ligando o centro de São Paulo ao aeroporto de Cumbica, o Metrô, projetos de abastecimento de água e saneamento, além da ampliação do sistema penitenciário (ver quadro no link abaixo).
Calabi, que já foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e secretário do Tesouro Nacional, acredita que o processo de estabilização da economia brasileira vai ajudar a atrair tanto capitais externos, quanto internos para as PPP. Para justificar a sua opinião, ele citou a captação de US$ 1,5 bilhão feita recentemente pelo Tesouro Nacional e a captação de US$ 100 milhões pela Nossa Caixa, no caso específico de São Paulo. “As últimas emissões mostraram isso (a estabilidade do país)”, declarou.
As parcerias público-privadas são projetos no quais o setor público aporta recursos em um investimento de interesse público em troca de uma remuneração (ver link abaixo). O que elas trazem de novo em relação às concessões, de acordo com Calabi, é o sistema de garantias, pelo qual o negócio estará lastreado em um fundo, assim, no caso de o estado não pagar, esse fundo garantirá o pagamento.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, já enviou o projeto de lei que cria o sistema de PPP à Assembléia Legislativa, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou o projeto de PPP federal ao Congresso. Ambas as propostas, assim como a já aprovada em Minas Gerais, têm bases semelhantes. O governo do estado acredita que e lei será aprovada ainda no início do ano. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Calabi:
ANBA – Como está estruturado o projeto das PPP?
Andrea Calabi – Eu acho que as PPP constituem um passo a mais no processo de reordenamento do papel do estado, abrindo um quadro referencial jurídico e financeiro para novas formas de interação entre o setor público e o setor privado. Tentando promover, portanto, o capital privado em investimentos de interesse público. Enquanto na privatização você vende empresas; nas concessões você privatizava um serviço público cuja remuneração vem do usuário; as PPP conseguem explicitar formas múltiplas de interface público-privada. O setor público pode entrar com parte da remuneração de uma estrada, por exemplo, que não tenha base de pedágio para remunerar o investimento.
Uma estrada em que não seja possível a cobrança de pedágio, por exemplo?
Não tenha como ser plenamente tarifada, ou cuja tarifa não remunere integralmente o investimento necessário. Ou você pode ter um caso semelhante à linha 4 do Metrô (São Paulo), onde a concessão dá retorno para um investimento que é menor do que o total necessário. A linha 4 do Metrô, em números arredondados, requer investimentos de US$ 1,2 bilhão.
Esse montante é para construir?
Para fazer a construção e a linha, é o trecho da Vila Sônia até a Luz. E a concessão dá retorno, a gente estima, apenas para US$ 600 milhões, para metade do investimento total. Então o estado investe os primeiros US$ 600 milhões, aí faz a concessão que investe os outros US$ 600 milhões e consegue um retorno compatível com esses outros US$ 600 milhões. Essa é uma forma de interface em que o setor público entra com um montante de investimentos e o setor privado entra com o resto e tem retorno sobre sua parte. Então as PPP são um projeto de lei dessa ordem. Está sendo discutido, o governo federal enviou um projeto à Câmara dos Deputados, nós enviamos à Assembléia, Minas já enviou e já aprovou na Assembléia, e os três projetos têm bases semelhantes.
Em que pé está a tramitação?
Já começou, já estamos em discussão com a Assembléia e existem questões importantes também com o governo federal, como os sistemas de contabilização, se são equivalentes à dívida ou não. A constituição do sistema de garantias é uma questão crítica, os passos necessários de aprovação da Assembléia para cada projeto é uma outra questão importante. Mas especialmente o que o sistema de PPP tem de novidade é que ele constitui fundos ou companhias incumbidas das garantias que o setor público tem que dar para o setor privado sobre os seus compromissos.
No caso de São Paulo será a Companhia Paulista de Parcerias (CPP)?
Isso. Na verdade o sistema de garantias é o elemento principal novo. Eu acho que a legislação atual permite várias formas de interface público-privadas, mas a garantia é uma fase que em todos os planos, quer governo de Minas, São Paulo ou federal, está se tentando constituir. Se você imaginar o projeto do trecho sul do Rodoanel, que é a tentativa de fazer uma estrada onde o setor privado investe. Um dos modelos possíveis é o do chamado “shadow toll”, ou “pedágio sombra”, no qual um sistema eletrônico mede o fluxo de tráfego, mas não é usuário que paga o pedágio e sim o Tesouro do estado.
O estado remunera a empresa que investiu?
É isso nessa hipótese, que é uma das hipóteses de você não cobrar pedágio do usuário.
Por que isso para o Rodoanel seria complicado?
Porque o princípio do Rodoanel é que ele acelere o fluxo de tráfego e o governador já havia fixado que a prioridade era não comprar pedágio. Então como é o tesouro que paga o pedágio, nesse caso você precisa dar uma garantia ao setor privado de que o tesouro pagará. Se o tesouro não pagar, a garantia assegura o pagamento. Dando um outro exemplo, imagine que o setor privado constrói um presídio e o estado aluga. Com isso o estado não tem de investir num presídio e paga o aluguel. Agora precisa haver um sistema de garantia que garanta que se o tesouro não pagar o aluguel esse sistema é acionado e o valor é pago.
Então o setor privado faz o investimento em uma obra de interesse público e tem a garantia de uma remuneração, independentemente se aquilo for rentável ou não?
Tem uma garantia de que o estado honrará com seu compromisso de pagamento. Não é garantia de remuneração, a remuneração pode ser variável, pode ter risco de remuneração, mas o compromisso assumido pelo estado tem respaldo em algum instrumento específico de garantia.
E quais são essas garantias?
No caso do governo federal e do governo de Minas eles constituíram um fundo de PPP. Esse fundo recebe recursos e eventualmente pode obter empréstimos para ter recursos.
Ele recebe recursos de onde, do Tesouro?
Do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), por exemplo, ou do Tesouro. Ele pode receber também recursos de empréstimo. No caso de São Paulo é a mesma coisa na formatação da Companhia Paulista de Parcerias. Essa companhia tem um capital para o qual o estado aporta imóveis, ações excedentes do controle de empresas públicas, ações minoritárias detidas pelo estado, recebíveis dos processos de concessões. A longo prazo a gente pode imaginar recebíveis dos royalties de gás. E ela deverá formatar os instrumentos financeiros de garantias.
Esse fundo pode eventualmente operar no mercado financeiro, ou comprar ações?
Pode operar no mercado financeiro, comprar ações, comprar debêntures, constituir uma conta num banco. Nesse último caso, é como se fosse uma aplicação dessa companhia e o banco dá uma garantia independente para o investidor privado e se o estado não paga o banco paga automaticamente.
Isso tem uma limitação. Por exemplo, o estado não pode assumir um compromisso que envolva uma garantia maior do que o patrimônio daquele fundo?
Tem todas as limitações possíveis. Evidentemente ele tem que assumir garantias cujo patrimônio assegure por um lado, e por outro a estrutura de liquidez dos ativos da CPP tem que ser compatível com a estrutura de liquidez que a garantia exige. Por exemplo: Você tem de garantir pagamentos mensais de aluguel de ‘x’, tem de ter uma liquidez também. Não adianta ter um monte de imóveis e na hora de assegurar o pagamento você diz: ‘Ah, eu vou vender o imóvel.’
Dos R$ 7,5 bilhões previstos no PPA, provenientes de parcerias público-privadas, em quanto o senhor calcula a participação de investimentos externos?
Podem ser internos ou externos, nós não conseguimos nesse momento avaliar. Se você considerar as privatizações na década de 90 como uma estimativa. Elas renderam, ou por valor de venda, ou por dívidas assumidas, US$ 100 bilhões. Desse total, 45% foram externos e 55% internos. Para dar um número sobre este conjunto, essa é a minha expectativa. Eu não estou longe de um meio a meio entre investidores externos e internos. Mas evidentemente depende de cada projeto, é difícil nesse momento estimar.
Como as PPP vão atrair os investidores? Eles não podem preferir aplicar no mercado financeiro?
A entrada de capitais estrangeiros no Brasil em 2001, quando as taxas de juros estavam mais elevadas, foi de US$ 30 bilhões em investimentos diretos. Agora há uma tendência de queda nas taxas de juros, o que faz com que a perspectiva de retorno do investimento direto seja maior do que a taxa de captação. No caso das concessões de rodovias, por exemplo, de 1999 para cá foram investidos R$ 4 bilhões pelas concessionárias, sendo que R$ 3 bilhões fora financiados pelo BNDES e pelo BID a taxas mais baixas que as de retorno. O investidor conta com isso. Além disso, são projetos de longo prazo que trazem segurança.
Mas não pode haver alguma insegurança por parte dos investidores, principalmente nesse momento em que ainda não há uma definição em relação às agências regulatórias?
O investidor externo, que tem um quadro mundial pela frente, percebe oportunidades. No momento – e este ainda é um momento no qual a formatação final das agências regulatórias está incompleta – as barreiras à entrada são mais baixas, a competição é menos acirrada. Quando essas agências estiverem mais estruturadas, mais sólidas, mais estáveis, as barreiras serão mais altas, ou a competição será maior, portanto eles vão atrás. Agora o que a gente está vendo no mundo é que o conjunto de investimentos, o fluxo de investimentos diretos mundo afora, estão muito concentrados especialmente na China.
Se você pegar 2001, 2002 e 2003, os investimentos externos no Brasil tiveram uma queda de US$ 22 bilhões, para US$ 16 bilhões e para US$ 9 bilhões. Se você pegar a China, houve US$ 46 bilhões, US$ 52 bilhões e US$ 57 bilhões. Está aumentando. Evidentemente os grandes investimentos se dão nas economias desenvolvidas da União Européia e dos Estados Unidos.
E no caso de São Paulo, o estado consegue passar essa segurança?
São Paulo tem um longo histórico de cumprimento de seus contratos. O mesmo não pode ser dito do Paraná, por exemplo.
No Orçamento desse ano já existe algum projeto contemplado pelo sistema das PPP, ou somente mais para frente?
A Lei de PPP está em discussão e ainda não foi aprovada. Agora no Orçamento nós já temos financiamentos externos importantes em projetos públicos e em projetos que a gente já sabe que serão formas de PPP. Pode ser concessão, tipo a linha 4 do Metrô. Neste caso, dos US$ 600 milhões que o governo vai investir, US$ 400 milhões são de financiamentos externos, US$ 200 milhões aproximadamente do banco japonês Jbic, Japan Bank for International Cooperation, e US$ 200 milhões do Banco Mundial. Então é um exemplo de financiamento externo ao setor público em projetos que são objeto de PPP. Mas são vários outros projetos com financiamento externo, projetos públicos. As concessionárias de rodovias têm lá seus financiamentos externos e internos. Como eu falei, empresas têm investimentos já previstos na construção do Metrô, ou de investimentos já feitos como é o caso da Imigrantes (rodovia). E empresas investem no estado mais amplamente, como esses dados indicam.
E quais podem ser as fontes desses investimentos?
No caso das PPP você tem três fontes principais de investidores internos ou externos. Você tem o interesse de construtoras, interesses de fornecedores de equipamentos, o que é muito importante, e interesses de instituições financeiras, que montam esses pacotes e vão atrás de um ‘spread’ de juros. Ou seja, elas conseguem de alguma forma ter um financiamento mais barato do que a expectativa de retorno que têm, ou mesmo de empréstimo, ou de participação.
Fundos são uma fonte importante que eu acho que se mobilizam mais para projetos à medida que a taxa de juros vai caindo. Nós estamos vendo mobilização de fundo de pensão e de seguradoras americanas, por exemplo, nas novas colocações de emissões externas da Vale do Rio Doce, ou mesmo do Tesouro Nacional. Ou seja, todo o processo de estabilização volta a atrair capitais.
O senhor acha que o Brasil tem um quadro estável o suficiente?
As últimas emissões mostraram isso. A Vale conseguiu colocar papéis no mercado de Eurobonds com prazos de 30 anos a uma taxa de juros de 8,5%, o Tesouro colocou US$ 1,5 bilhão. A Sabesp tem captações importantes fora, a Cesp tem captações fora, e nesta semana a Nossa Caixa captou US$ 100 milhões com o prazo de 2006 a 4% de juros. No nacional o Tesouro que saiu com emissão de US$ 1,5 bilhão teve ofertas de US$ 7 bilhões. Ou seja, tanto no plano nacional, quanto no próprio estado você tem captações externas importantes.
Quais os países que poderiam aportar recursos?
Se você for no sistema financeiro, são principalmente Londres e Nova York. Se você for no sistema de construtoras você tem americanas, alemãs, italianas espanholas. Se você for em equipamentos você tem Alemanha, França, Coréia, Estados Unidos. Ou seja, você tem uma variedade, uma boa dispersão de países.
E os árabes?
Os árabes acho que constituem uma fonte de grande potencial. Os países árabes estão entre os grandes detentores de reservas internacionais em dólares, assim como a China e o Japão. O dólar mostrou nesse último ano uma desvalorização em relação ao euro que, evidentemente, deve preocupar os grandes detentores de reservas em dólares. Portanto, não que haja um movimento de porcentagem importante, mas na margem eles podem ir buscar retornos, ou taxas de juros, para compor o seu portfólio. Os árabes, além do mais, têm interesses específicos e participações importantes, por exemplo, em companhias de petróleo Brasil afora. São Paulo tem projetos importantes de expansão de refinarias e de utilização das novas fontes de gás descobertas na Bacia de Santos. Essas são áreas em que os árabes têm experiência e conhecimento tecnológico muito grande, além da disponibilidade de capitais. Portanto existem conjuntos amplos de possibilidades.
Consta que houve uma retirada muito grande de capital árabe dos Estados Unidos e da Europa após o 11 de setembro, fala-se de algo em torno de US$ 300 bilhões. Será que isso não seria algo a se explorar?
Existem alguns trabalhos interessantes que pegam os grandes países emergentes que são Brasil, Rússia, Índia e China e vêem as potencialidades desses países. De fato são países com grande capacidade de absorver investimentos, tem um ‘paper’ recente da Goldman & Sachs com Brasil, Rússia, Índia e China. Se você pensar nos países árabes, suas reservas saindo de dólares e buscando destinos para investimentos, quer financiamentos, quer eventualmente investimentos diretos, se a gente olhar para o Brasil, Rússia, Índia e China, provavelmente são grandes recebedores. Sorte que nós estamos aí juntos.