Por Pedro Castellanos Orsi
A recente viagem do Presidente da República do Brasil aos Emirados Árabes Unidos trouxe os holofotes para o desenvolvimento de uma das importantes relações comerciais brasileiras. Conforme noticiado pela Agência de Notícias Brasil Árabe, após uma sequência de anos de crescimento contínuo, em 2022 o comércio entre o Brasil e os países da Liga Árabe atingiu seu maior patamar histórico: US$ 32,78 bilhões. A magnitude desse relacionamento avoluma também a importância de uma iminente alteração legislativa que afetará especialmente o comércio brasileiro com os Emirados Árabes Unidos, com Omã e com Bahrein
No dia 10/05/2023, foi aprovado pelo Senado Federal a Medida Provisória 1.152/2022 na forma do Projeto de Lei de Conversão 8/2023, ainda pendente de sanção presidencial. A inovação vem com o anunciado propósito de adequar a legislação brasileira de Preços de Transferência aos critérios estabelecidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). O que, a depender do caso concreto, pode traduzir-se em considerável aumento na base de cálculo dos tributos incidentes sobre o lucro e/ou daqueles incidentes sobre importações.
Nos termos da Medida Provisória, as alterações trazidas serão de aplicação opcional para o ano de 2023 e obrigatórias para 2024. Sujeitam-se a essas regras: (i) operações realizadas entre partes vinculadas, e (ii) operações realizadas com entidades sediadas em jurisdições com tributação favorecida e/ou com legislação que impeça a aferição da composição societária. A lista das jurisdições consideradas incluídas nesse segundo grupo consta no art. 1º da IN 1.037/2010, na qual constam os Emirados Árabes Unidos, Omã e Bahrein.
As normas de preço de transferência buscam evitar a manipulação de valores das transações, e para isso são criadas normas que buscam identificar qual seria o seu preço caso praticadas em uma operação realizada entre terceiros em condições de mercado, ou seja, com cada parte tentando conseguir o valor que mais a beneficia. Essa distância entre terceiros, tida como ideal de um ponto de vista tributário, é conhecida como “arm’s length”, em português: “distância de braço”, e representa a impossibilidade de uma parte controlar a política de preços da outra.
Desde o surgimento desse tipo de legislação, diversas formas de calcular o valor arms lenght de uma operação foram desenvolvidas por diferentes países. Via de regra, países com economias desenvolvidas optaram por regras que, embora mais complexas e demandantes, aproximavam-se mais do real valor de marcado de uma transação, levando em consideração diversos fatores econômicos e utilizando-se de métodos estatísticos. Por outro lado, jurisdições com economias menos robustas optaram por métodos mais simplificados, os quais, embora mais simples e fáceis de fiscalizar, acarretavam em um menor nível de precisão, e, por vezes, em sérias distorções do real valor de mercado.
O Brasil seguiu, em termos gerais, a segunda corrente. O sistema atualmente vigente em diversas ocasiões utiliza-se de percentuais fixos aplicáveis sobre o custo ou o valor de venda para determinar o preço parâmetro da operação (isso é, preço que será considerado para fins tributários). Esses percentuais podem estar próximos dos reais valores de mercado, mas há também a possibilidade de uma grande distância.
Essas distorções podem gerar prejuízos arrecadatórios tanto ao país que as aplica, quanto aos com que as empresas dessa jurisdição negociam. Daí o interesse na mudança dessa legislação. A OCDE exige dos países integrantes a adoção de uma série de diretrizes sobre preços de transferência, as quais, diferentemente das vigentes atualmente no Brasil, utilizam critérios de determinação de preço mais complexos. As alterações trazidas pela MP 1.152/22 buscam compatibilizar o sistema brasileiro com essas diretrizes.
Historicamente, essa legislação foi utilizada no Brasil para realizar ajustes na base de cálculo dos impostos incidentes sobre o lucro, contudo, recentemente a sistemática de preços de transferência passou a ser utilizada também para determinação do valor aduaneiro. Conforme a IN 2090/22 e consoante recente decisão do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a legislação de preços de transferência atualmente é utilizada também nos casos em que for constatado, ou presumido, vínculo entre importador e exportador. Isso desde que os demais métodos não se mostrem adequados à mensuração do valor da operação.
A possibilidade da utilização de uma sistemática que se aproxime mais dos reais valores de mercado é positiva na medida em que significa uma menor chance do contribuinte ser onerado com indicadores genéricos. Todavia, isso vem mediante um custo. A atual sistemática de preços atual está longe de ser simples, e sua correta operacionalização em muitos casos requer a contratação de uma equipe de consultoria especializada. Dito isso, a nova metodologia proposta é consideravelmente mais complexa.
Feitas estas considerações, entendemos que a aprovação da Medida Provisória nº 1.152/22 pode representar importante avanço tributário para o comércio Árabe-Brasileiro. Mas para que isso é concretize, é fundamental os contribuintes compreendam e utilizem adequadamente as peculiaridades dessa nova sistemática.
Pedro Castellanos Orsi é advogado tributarista na Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados (RMMG Advogados)