São Paulo – Mais de dois anos de estudo foram necessários até se confirmar que Iret-Neferet é mesmo uma múmia egípcia e tem entre 2.495 e 2787 anos. Desde o final de 2017, o Grupo de Estudo Identidades Afro-Egípcias, da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), tem como objeto de suas pesquisas a cabeça de uma múmia que até então não tinha origem ou informações definidas.
Como a múmia veio parar no Brasil ainda é incerto. A história que se tem – e que chegou aos pesquisadores da PUC – é que um egípcio teria levado a cabeça da múmia para o Rio de Janeiro na década de 1950. No final da vida, ficando amigo de um brasileiro, ele decidiu doar a peça. Este brasileiro, um gaúcho, retornou ao estado do Rio Grande do Sul, para a cidade de Cerro Largo, que começava a criar uma associação cultural com objetivo de resgatar a cultura alemã, e acabou por incluir em seu acervo a cabeça da múmia.
Assim, a peça permaneceu desde o final da década de 1970 até recentemente no Museu 25 de Junho, de Cerro Largo, interior do Rio Grande, guardada em uma caixa de vidro. “Essa foi a primeira história, talvez venham mais relatos agora que a múmia está vindo a público”, disse o coordenador da pesquisa, professor Édison Hüttner.
O professor é especializado na pesquisa de arte sacra. Foi buscando por estes itens que ele foi até Cerro Largo. “Chegando lá, eles disseram que tinham uma coisa especial. Estava atrás de uma cortina, e era uma cabeça de múmia. Eu acreditei porque já trabalhei na Itália um tempo e havia visto múmias, então me comprometi a estudá-la. Reunimos vários pesquisadores, incluindo o Moacir Elias, que é arqueólogo [do Museu Egípcio e Rosacruz, de Curitiba], e fizemos o grupo de pesquisa, que criamos especificamente por causa dessa cabeça”, afirmou Hüttner.
A partir daí, a múmia passou por diversos estudos. “A tomografia (foto do alto), no Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, foi muito importante. Através disso, observamos que ela tinha um olho feito de um material de linho e uma parte branca que é de rocha, que pode ser calcária. Sabemos que isso fazia parte da tradição, colocar olhos falsos em múmias. Foi muito interessante para comparamos o olho com o de outras [múmias]”, pontuou.
Foi então que a cabeça da múmia ganhou nome: Iret-Neferet, que significa “Olho Bonito” em egípcio antigo. O nome foi dado pela própria equipe de brasileiros que, no entanto, seguiu buscando mais informações para dar a Iret-Neferet uma identidade mais completa.
Carbono 14
Para comprovar aquilo em que o professor Hüttner acreditou deste o início foi preciso um exame de radiocarbono (C14), conhecido como carbono 14. “O teste faz uma reviravolta na pesquisa. Era importante porque precisávamos de um documento que comprovasse a origem. Após análise da múmia, um dente tinha condição de ser a matéria-prima para o teste, que foi realizado em janeiro deste ano”, explicou o coordenador, pontuando que, provavelmente, esta é a primeira múmia a passar pelo teste de carbono 14 no Brasil. “Pelo que busquei, as múmias do Rio de Janeiro não passaram por esse teste, talvez porque já fosse certo que eram múmias [egípcias], e a Tothmea, que está em Curitiba, também não fez”, explicou.
Depois de dois meses, a equipe teve acesso aos dados científicos. Os resultados apontam que a múmia deve ter entre 2.495 e 2787 anos. Descobriu-se que a cabeça pertenceu a uma pessoa que viveu entre 768-476 a.C. Iret-Neferet tinha por volta de 40 anos e viveu entre o final do 3º Período Intermediário (1070-712) e o início do Período Tardio (Saíta-Persa: 712-332 a.C.) do Egito. Segundo o professor Hüttner, a múmia é de uma mulher, questão definida pela medição do crânio que foi feita pelos pesquisadores brasileiros.
Agora, quem quiser ver a múmia pessoalmente, poderá visitá-la em exposição que começa no dia 11 de junho. Com entrada gratuita, Iret-Neferet ficará no saguão da biblioteca na PUC até o dia 28 de julho. A exibição contará, ainda, com peças do Museu Egípcio e Rosacruz de Curitiba.
Depois disso, a peça volta para Cerro Largo. “A nossa pesquisa sempre busca valorizar o que é daquele lugar. Acho que é importante uma exposição em um outro cenário. O objetivo é levar a público. Essa múmia se eleva como um tributo àquelas múmias queimadas no incêndio no Museu Nacional [do Rio de Janeiro, em setembro de 2018], um tributo às múmias que foram perdidas na História e ao povo egípcio, que tem nelas suas raízes mais profundas. Ela é um ponto de referência”, declarou Hüttner.
As pesquisas relacionadas à múmia devem continuar e a equipe de 10 pesquisadores continuará a trabalhar com alguns fragmentos coletados da cabeça de Iret-Neferet, que agora se encontra em uma incubadora, de onde os pesquisadores esperam conseguir mais dados antes da exposição ter início.